Capítulo 4 |Meaning
Minha mãe e eu não tínhamos TV a cabo em nosso novo apartamento. Por mim, tudo bem. Eu nunca liguei muito para isso. Mas Alyssa... ela iria sentir falta dos desenhos animados. Em Seattle, tínhamos TV a cabo, mas era mais um problema do que qualquer outra coisa. Meu pai era "obrigado" a ajudar a pagar—ordens do juiz—mas, como tudo na vida, fazia isso de qualquer jeito. Sempre atrasava, pagava metade ou simplesmente fingia que tinha esquecido.
Era como se ele odiasse a ideia de gastar qualquer centavo comigo e com Alyssa. Como se fosse um castigo.
Então, um dia, ele invadiu nossa casa, quebrou algumas coisas, levou a TV e trocou tudo por drogas.
Foi o dia em que minha mãe decidiu que íamos embora. E, pra ser sincero, foi um dos melhores dias da minha vida.
Com o tempo, trabalhando onde dava, consegui juntar dinheiro e comprar uma TV velha de um amigo. Pequena, vinte e quatro polegadas, mas com um leitor de DVD. O suficiente para pegar alguns desenhos, filmes e documentários na locadora. Foi assim que me tornei o cara que sabe um pouco sobre tudo: lutas japonesas, pássaros tropicais, leões albinos... Mas, no fundo, eu não sabia absolutamente nada.
Às vezes, minha irmã assistia comigo. Na maioria das vezes, eu via sozinho.
Bem... não era exatamente sozinho.
Minha mãe também assistia, quando estava em casa.
— Alyssa me contou que uma garota pagou essas coisas pra você. — A voz dela quebrou o silêncio enquanto eu me jogava no sofá. — Um verdadeiro anjo, segundo ela.
Revirei os olhos, soltando um suspiro cansado.
— Sim, uma garota me ajudou porque minha mãe gastou todo o nosso dinheiro ajudando um cara que foi preso por espancar a própria esposa e o filho.
Minha mãe congelou por um instante. Seu olhar ficou mais duro.
— Josh... por favor, não fala assim na frente da sua irmã.
Olhei para Ally, sentada no tapete, distraída com sua boneca. Meu peito apertou. Ela não precisava carregar esse peso. Nenhum de nós precisava.
Fechei os olhos e esfreguei as têmporas.
— Tudo bem... Desculpa. — Murmurei, sem muita convicção. — Amanhã, vou procurar um emprego temporário pra pagar a garota que me ajudou. Ela foi muito gentil. E tem um nome bonito.
Minha mãe arqueou uma sobrancelha, como se tivesse encontrado algo interessante na minha resposta.
— Nome bonito, é? — Um sorrisinho malicioso surgiu nos lábios dela.
Revirei os olhos.
— Sim. Elizabeth. — Me ajeitei no sofá, tentando parecer indiferente. — Significa "Deus é abundância".
Ela piscou, surpresa.
— Você pesquisou o significado do nome dela? — O sorriso dela só cresceu.
— E daí? — Dei de ombros. — Eu pesquiso significados de nomes aleatoriamente. Só achei curioso.
Minha mãe trocou um olhar divertido com Alyssa, que até então brincava em silêncio. Mas aí a pequena resolveu acabar com a minha vida:
— Ele acha ela linda também, mamãe! — Alyssa soltou sem o menor pudor.
Eu congelei.
Minha mãe abriu um sorriso vitorioso.
— Ah, então além de nome bonito, ela também é linda? Interessante...
— Você sabe que sua filha é uma traidora, né? — Cruzei os braços, lançando um olhar mortal para Ally.
Mas a pequena pestinha só sorriu, inocente, como se não tivesse acabado de me entregar de bandeja.
— Eu só falei a verdade. Você disse que o cabelo dela era legal, que os olhos dela eram lindos e que ela tinha cara de encrenqueira de um jeito bacana! — ELA CONTINUOU FALANDO. Merda.
Minha mãe quase caiu da cadeira de tanto rir.
— "Encrenqueira de um jeito bacana"? Meu filho, isso é praticamente um anúncio de que você está interessado.
— Ah, pelo amor de Deus. — Passei as mãos no rosto. — Não tem nada a ver. Eu só... fiz uma observação. Científica. Neutra. Totalmente sem segundas intenções.
— Científica? — Minha mãe arqueou a sobrancelha, segurando o riso. — E desde quando você é um especialista em estudos sobre garotas?
— Eu não sou. E é exatamente por isso que não estou interessado. — Cruzei os braços, teimoso.
Ally revirou os olhos de um jeito dramático demais para uma criança de sete anos.
— Ah, irmãozão, admite logo que você gostou dela. Vai ficar mais fácil pra todo mundo.
— Alyssa, você quer continuar viva ou não?
Ela não respondeu. Só me olhou, sorriu, e saiu correndo como se estivesse fugindo da polícia.
— VOCÊ GOSTA DA LISE! VOCÊ GOSTA DA LISE! — Ela gritava, pulando pelo apartamento enquanto segurava a boneca.
Levantei num salto.
— Eu vou te pegar, garota!
Alyssa soltou um gritinho e disparou feito um foguete. Ela sabia que eu era mais rápido, mas isso nunca a impedia de tentar. Ela desviava de móveis, pulava pelo sofá, se jogava no chão para escapar. Quase uma ninja mirim.
Minha mãe? Minha mãe estava chorando de rir no canto da sala.
— Josh, você nunca vai ganhar dela, desiste! — Ela falou entre risadas.
— Eu não aceito a derrota. — Rosnei, fingindo estar indignado enquanto pulava por cima da mesinha de centro.
Finalmente, consegui agarrar Alyssa e joguei-a no sofá, começando a fazer cócegas sem piedade.
— NÃO! NÃO! Josh, eu juro que não conto mais! Eu juro! — Ela se debatia, rindo descontroladamente.
— Jura mesmo, bolachinha? De dedinho?
— DE DEDINHO! Eu juro de dedinho!
— Será que devo acreditar em você?
— POR FAVOOR! — implorou, sem fôlego.
— Tudo bem. Vou te dar mais uma chance.
Soltei minha irmãzinha no chão. Ela se afastou correndo, bufando, mas, antes de sair, gritou:
— ME DEIXA EM PAZ, BOBOCA! O JOSH GOSTA DA LISE! O JOSH GOSTA DA LISE!
— EU VOU CORTAR ESSA SUA LÍNGUA, ALYSSA!
Ela gritou e saiu correndo novamente, sumindo pelo corredor. Minha mãe ainda estava rindo, limpando os olhos.
— Eu não sei como você ainda acha que consegue ganhar dela. — Disse, divertida.
Bufei, me jogando no sofá outra vez.
— Essa garota vai acabar comigo um dia, eu sinto isso.
Minha mãe sorriu de um jeito terno.
— Sabe, Josh, você tem um coração enorme, mesmo fingindo que não tem. — Ela comentou, com um sorriso sabendo.
Bufei.
— Eu só não gosto de dever nada a ninguém.
Minha mãe sorriu de novo. Um sorriso cheio de significado. O tipo de sorriso que dizia "eu sei de coisas que você ainda não admitiu nem pra você mesmo".
E talvez ela soubesse mesmo.
Mas, honestamente? Eu não ia dar esse gostinho pra ela tão cedo.
Depois de algum tempo conversando comigo, o semblante dela ficou sério de novo.
— Querido... Eu sinto muito pelo que aconteceu hoje. — Sua voz estava mais baixa, hesitante.
Cruzei os braços e esperei.
— Recebi uma ligação e seu pai parecia tão desesperado que eu tive que ajudar. Acabei esquecendo de te avisar, foi tudo tão rápido que não deu tempo. Eu sei que você tem suas dificuldades com ele, e a culpa não é sua, mas eu precisei pegar o dinheiro para ajudá-lo.
Soltei uma risada sem humor e passei a mão pelo rosto.
— Mãe, você sabe que esse cara provavelmente já gastou tudo com droga, né? Sem se importar se a gente tem comida na mesa ou não.
Minha mãe é inacreditável.
Ela passou anos aguentando a porcaria toda que ele fez, segurou a bronca sozinha, criou a mim e à Alyssa sem um centavo dele, e mesmo assim... ainda se preocupa. Ainda se sente responsável por um homem que não se importou com nada além de si mesmo.
Ela nos criou sozinha. Ele não ajudou em nada. Só doou o esperma, nos machucou e sumiu. Como uma mulher tão incrível quanto ela pôde se apaixonar por um imbecil como ele?
Aliás, chamar Tyler de imbecil ainda é elogio.
— Tyler não dá a mínima pra gente.
Minha voz saiu mais fria do que eu pretendia, mas eu não estava errado.
Ele deveria estar longe. Bem longe. Mas não. Sempre dava um jeito de entrar de novo na nossa vida, sugando tudo ao redor como um buraco negro. E lá estava minha mãe... ainda tentando salvá-lo.
Fechei os olhos e respirei fundo. Me agarrei a um versículo que li hoje pela manhã, Eclesiastes 7:9: "Não se apresse em irar-se, pois a ira se abriga no íntimo dos tolos".
— Eu não tive escolha, Josh. Ele disse que ia morrer se eu não ajudasse. Seu pai está tentando a reabilitação novamente e disse que dessa vez é pra valer.
Abri os olhos e a encarei.
— Quantas vezes a gente já ouviu essa história?
Ela desviou o olhar.
— Temos que acreditar que ele pode mudar.
— E eu tenho que acreditar que a senhora vai parar de colocar ele na frente da nossa família. — Cruzei os braços. — Mãe, por favor. Ele não merece sua preocupação.
Ela suspirou, derrotada.
— Vou trabalhar no turno da noite para repor o dinheiro. Não vou deixar faltar nada.
— Você já trabalha demais. Eu consigo um emprego até as aulas voltarem. Posso ajudar com a Ally também.
Ela me olhou com aqueles olhos cor de mel cheios de carinho e cansaço.
— Obrigada, meu filho. Não sei o que faria sem você.
Soltei um suspiro pesado. Por mais que eu quisesse ser forte o tempo todo, aquela mulher sempre sabia como desmontar minhas defesas. Me aproximei e segurei sua mão.
— Eu amo você, mãe. — Apertei seus dedos com firmeza. — E é porque eu te amo que eu me preocupo. — Inclinei-me e beijei sua bochecha. Ela sorriu de leve, mas seus olhos continuavam tristes. Eu segurei seu olhar. — Mas, mãe... não atende mais esse imprestável. Você não precisa mais carregar esse peso. Eu juro, não vai faltar nada pra Ally. Tudo que ele nunca deu pra gente, eu vou dar pra vocês.
Ela abaixou os olhos e piscou algumas vezes. Mas eu vi. Vi o brilho úmido nos olhos dela. Vi o esforço para não chorar. E ela não devia chorar. Não mais.
— Josh... você não precisa carregar essa responsabilidade.
— Preciso, sim. — Engoli em seco. — Porque eu sou o homem da casa agora. Porque eu cresci. A senhora cuidou de mim a vida inteira. Agora é a minha vez de cuidar de você.
Minha mãe apertou os lábios e não disse nada. Por um instante, o silêncio se estendeu entre nós.
— E ele? Como está? — Perguntei, mesmo sem querer realmente saber.
— Muito mal. Está devendo dinheiro pra alguns traficantes. Bateram nele. As coisas não estão nada bem.
Suspirei. Esse era Tyler. Sempre arrumando um jeito de se afundar mais.
Minha mãe me observou.
— Josh, mesmo com esse rancor...ele ainda é seu pai. Você precisa perdoá-lo algum dia.
Fiquei em silêncio.
No fundo, eu sabia que ela estava certa. Mas saber e conseguir são duas coisas completamente diferentes. Eu só espero que, um dia, consiga olhar para ele sem desprezo.
***
Olá
Um pouquinho da vida do Josh pra vocês ❤️
Obg pelos comentários , vocês são incríveis. Comentem e não esqueçam a estrelinha 🌟
Até qualquer hora ♥️
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