capítulo 3
Fechei a porta atrás de mim e as crianças entraram correndo e jogando as mochilas de qualquer jeito na sala. Depois, respirei fundo, sentando-me no sofá. Agora, seria ainda mais difícil sem um emprego. Então, joguei a cabeça para trás, sentindo-a ferver.
— Papai?
— Hum? — Murmurei. E, então, senti o lado do sofá afundar e, em seguida, duas mãozinhas macias, uma de cada lado do meu rosto. Portanto, abri os olhos, dando de cara com aqueles olhos redondos atentos em mim. — O senhor está bem? — Gabriel perguntou.
— Estou sim. Como foi na escola hoje? — Quando terminei de fazer a pergunta, Alícia apareceu com seu caderno em mãos.
— Foi muito divertido. — Respondeu Gabriel, mexendo-se em meu colo, enquanto Alícia concordava e se sentava no chão, colocando o caderno na mesinha do centro.
— Divertiram-se com a vovó também?
— Sim! — Os dois responderam bem alto, fazendo-me engolir em seco.
— Vocês querem morar com ela? — Alícia me olhou.
— O senhor não quer mais a gente? — Ela perguntou, tristonha, e foi até mim, parando em minha frente. — Hein, papai? Vai abandonar a gente?
— Claro que não, meu amor, eu nunca abandonaria vocês. Perguntei apenas por perguntar, tá bom? — Ela afirmou, sentida, e eu a chamei para colocá-la sentada em uma perna, enquanto Gabriel estava na outra.
— A casa da vovó é legal, mas eu prefiro ficar aqui com meu pai. — Gabriel disse. — A mamãe logo logo vai acordar e vamos voltar a ser como éramos antes. — Então, sorri, sentindo um nó se formar em minha garganta.
— E como éramos antes?
— Uma família completa e feliz. — Beijei a testa de cada um e eles me abraçaram pelo pescoço.
— Amo vocês.
— Também te amamos.
— Vocês são os meus tesouros mais preciosos. — Disse com a voz afetada pelo nó preso na garganta.
Uma coisa que repetia muito era que não sabia o que eu faria se não fosse eles aqui ao meu lado. Eles eram meu combustível e, portanto, nunca iria me afastar. Assim como vinha cuidando deles durante esse tempo, daria continuidade até que Jéssica acordasse, para que, então, pudéssemos, assim como Gabriel havia falado, vivermos felizes e completos. Iria conseguir outro emprego, mas agora...
— Vamos já para o banho, que papai ainda terá que fazer o jantar.
— Será que não poderíamos comer pizza? — Perguntou Alícia, juntando as mãos.
— Não. Vou cozinhar e vocês vão comer. — Eles fizeram cara emburrada e saíram do meu colo. Então, depois, os levei para o banho.
[...]
No outro dia, antes de sair para procurar emprego, decidi fazer algumas compras, já que estavam faltando algumas coisas em casa. Então, peguei o carrinho e os dois seres olharam para mim com os olhos pidões. Já sabia o que eles queriam, porém apenas disse que não poderia colocá-los dentro do carrinho, dando a desculpa que eles já estavam grandinhos, apesar de não ser uma desculpa, e sim, a verdade. Então, eles fizeram bico, amuados, e eu suspirei.
— Desfaçam esse bico ou irei mordê-los. — Sorri, quando eles desfizeram e colocaram a mão na boca. — Ficaram com medo, é? Eu vou comer suas bocas e narizes.
— Não, papai! — Gritou Gabriel, chamando a atenção de algumas pessoas. Então, sorri e me abaixei na frente dos dois.
— Então, que tal se me derem aquele sorriso, hein? — Eles sorriram até os olhos apertarem. — Muito bem, estão livres. — Depois, fiquei de pé. — Não saiam de perto do papai, ok? — Eles afirmaram. Então, Alícia me deu a mão e eu segurei a de Gabriel com a outra.
O mercado estava um pouco cheio, visto que era final de semana e a maioria das pessoas tiravam esse dia para repor o estoque em casa. Tive que soltar a mão de Alícia, mas pedi para que ela se segurasse na barra de minha camisa e, assim, ela o fez.
Hoje à tarde, ia tentar um emprego em qualquer outro lugar, pois não tinha muitos restaurantes por perto e também não poderia tentar em um mais distante ou ficaria difícil para mim. Lembrei que foi fácil conseguir o meu último emprego, pois minha esposa teve um papel importante. Ela era sobrinha-neta da avó do dono do restaurante e, bom, quando ele soube disso, me deu o emprego. Mas agora, seria pela minha experiência e boa vontade do dono.
Depois de um tempo, percebi que não estava mais sentindo minha camisa ser puxada. Portanto, olhei para os lados e eles não estavam lá. Girei em torno de mim, mas eles não estavam à vista. Desesperado, deixei o carrinho e andei a passos apressados por todo o supermercado, enquanto meu coração estava a mil. Além disso, a quantidade de pessoas não ajudava, elas olhavam para mim certamente se perguntando o que me deixava aflito. Por fim, cheguei no último bloco e suspirei aliviado, ao vê-los perto dos doces. Enquanto Gabriel estava abaixado, olhando para alguns potes, Alícia olhava para os de cima. Então, aproximei-me deles, ainda sentindo minhas pernas tremerem.
— Crianças! — Gabriel se pôs de pé e Alícia se virou, com os dois de olhos arregalados. — O que foi que eu disse, hum? — Eles abaixaram a cabeça.
— Que não era para sair de perto do papai.
— E, então? Por que saíram?
— Queríamos pegar aquele doce que o senhor gosta.
— A mamãe comprava...
— Para lhe dar. — Um completava o outro.
Então, suspirei, voltando a ficar de pé, e fitei os potes de doces. Sempre que Jéssica ia ao mercado, ela levava um desses, desde a época da escola. Eu realmente gostava deles, mas já fazia uns dias que não comia. Na verdade, a última vez que havia comido tinha sido antes do acidente.
— Independente de qualquer coisa, não façam mais isso, entenderam? — Eles afirmaram freneticamente. — Vamos.
— Não vai levar o doce? — Voltei a olhar para a prateleira e sorri tristemente.
— Não…
[...]
Assim que chegamos, fui direto guardar as compras, enquanto as crianças ficaram assistindo à televisão, já que estava passando o desenho preferido delas: Doutora Brinquedos. Era realmente muito bom, que, às vezes, até eu me perdia no desenho, principalmente nas musiquinhas.
As compras de hoje durariam no máximo esse mês inteiro, claro, se não esbanjarmos muito. O dinheiro era algo que não duraria por bastante tempo, por isso precisava de um emprego urgentemente.
Após terminar de guardar, subi para o meu quarto e tomei um banho gelado. Depois, vesti uma roupa apresentável, pois não poderia sair de qualquer jeito, além de que precisava causar uma boa impressão, seja qual fosse o lugar que eu iria conseguir o emprego.
Mas antes, eu precisava ligar para minha mãe e ver se ela poderia ficar com as crianças, já que não podia levá-las comigo. Quando ia discar o número, ouvi a campainha. Então, passei pelas minhas duas crias, que estavam com os olhos vidrados na televisão, e sorri.
— Larissa?
— Oi. — Dei espaço para que a mulher entrasse, juntamente com o irmão mais velho, Ícaro. — Você disse que eu poderia vir, então...
— Ah, sim, claro. Podem se sentar. Oi, Ícaro. — O homem sorriu, acenando alegremente. — Como você está, Lari?
— Bem, você faz falta no trabalho.
— Sinto saudades de lá também. Vocês aceitam um suco? — Larissa negou.
— Não, obrigada.
— E você, Ícaro? — Olhei para o homem de mais ou menos 28 anos, que assistia animadamente ao desenho junto com meus filhos. Ele era autista e muito amigo de Gabriel e Alícia.
— Quero, quero, quero. — Ele repetiu várias vezes, sem tirar os olhos da televisão. Então, sorri, ficando de pé.
— Eu te ajudo. — Larissa falou e, então, fomos até a cozinha.
Chegando lá, peguei o jarro, que estava na geladeira, e o coloquei sobre a mesa.
— Tem visitado a Jéssica?
— Fui hoje cedo… — Disse, pegando o copo.
— Alguma novidade?
— Não. — Ela balançou a cabeça, ficando em silêncio por um instante, até voltar a falar.
— Bernardo, você era professor, não era?
— Sim. — Respondi. Havia me formado em Letras, mas nunca tido a chance de lecionar.
— Aquela escola do centro está sem professor de Português. Eu sei porque meu primo estuda lá e, certo dia, ele comentou na casa da vovó.
— Acha que eu tenho chance?
— Com certeza.
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