Capítulo 14
Rose finalizava um parágrafo de uma atividade enquanto Anne lia um livro, ambas iluminadas pela luz fraca da vela e da luz prateada da lua, que entrava pela janela escancarada que transformava o quarto em um bloco de gelo através do vento cortante e frio que trazia.
- Rose, Anne... - Percy sussurra, abrindo uma fresta da porta e fitando as duas, Alfred coloca a sua cabeça para dentro do quarto, logo abaixo de Percy. Anne levanta-se bruscamente em um susto, cobrindo a camisola com a coberta e colocando o livro de lado, Rose senta-se na cama.
- Meninos, o que aconteceu? - pergunta Rose, também em um sussurro, os dois ignoram a pergunta e entram dentro do quarto, Alfred sentando-se aos pés de Anne e Percy deitando-se ao lado de Rose, cobrindo-se também com a coberta.
- Nosso quarto está frio. - Percy sussurra para Rose, que ri, voltando a se deitar também, Anne revira os olhos.
- O nosso também, agora vão para as camas! - diz Anne, tomando o livro que havia largado no susto em suas mãos, Alfred a ignora, cobrindo as pernas com a coberta azul cerenite da mesma.
- Nós estávamos pensando... - continua Alfred, esfregando as mãos uma na outra - Talvez, se formos para um lugar mais frio, quando voltarmos, vamos pensar que nosso quarto está mais quente.
- Péssima ideia. - diz Anne, imediatamente.
- E onde vocês pretendem ir? - pergunta Rose, por mais que os seus pés estivessem congelando e ela não acreditava que passar mais frio do que já estava sentindo fosse ajudar em algo, Percy pareceu ler os pensamentos dela, pois a abraçou apertado.
- Estávamos pensando em ir para o lago que divide a propriedade da Sra. Underwood, sei que lá tem um barquinho de acácia parado do lado de cá do lago pois ela já comentou o quanto ele é útil com a Sra. Wright, podíamos ficar lá, só essa noite. - explica Percy, gesticulando como forma de fazer as duas imaginarem o local.
- Não é muito longe, mas é importante que vocês se agasalhem. - explica Alfred. Anne e Rose se entreolham, e após uma disputa mental, Anne suspirou, cedendo.
- Vou calçar as minhas botas. - ela diz pesarosa, fazendo com que os outros três compartilhassem uma comemoração silenciosa.
Anne e Rose vestiram seus casacos mais quentinhos e colocaram seus pares de meias mais grossos. Anne vestiu um par de luvas grossas e felpudas, listradas entre vermelho e amarelo que Rose nunca vira na vida.
- Minha mãe que me enviou, achei horroroso e que nunca usaria, essa é a melhor ocasião para faze-lo, pelo ao menos não vou precisar joga-la na lareira. - ela explica, cobrindo os cabelos escuros com um gorro cinza.
Percy e Alfred estavam esperando as duas em frente a lareira que estava quase se apagando, ambos se levantaram em um pulo quando avistaram a dupla, se entreolhando animados.
Os quatro começaram a conversar alto depois que saíram de casa, a única preocupação até então era acidentalmente acordar a Sra. Wright, mas depois que o pior já havia passado, eles esqueceram todos os problemas escolares, dores nas costas por causa dos serviços domésticos e a saudade de casa, se bem que, esse último não era um grande problema para Rose.
O caminho não era realmente longo, e era muito agradável. Os agasalhos estavam fazendo um bom trabalho em evitar o frio e a fumaça que saia de suas bocas era um ótimo alvo de piadas e risadas.
Eles finalmente chegaram no largo e ao mesmo tempo estreito lago, a água estava escura e Anne arqueou de medo ao pensar que teria que passar por ali, mas não deixou transparecer o seu sentimento. O lago era cercado de árvores na margem oposta, e ao fim da curva dele, que os quatro quase não conseguiam enxergar por causa da neblina, havia uma enorme mansão pintada em cores claras.
Na margem, presos em dois apoios de metal, estavam dois pequenos barquinhos de acácia, ambos com um pouco de água, um pequeno balde e um remo em seu interior, Percy e Alfred rapidamente começaram a tirar a água de dentro dos barquinhos com o auxilio dos baldes.
- Um desses definitivamente não aguenta nós quatro em cima dele. - diz Anne, em tom baixo se aproximando de Rose, o frio começava a congelar o seu nariz.
- Claro que não. - concorda Alfred, jogando o balde de volta em seu barco e batendo uma mão na outra - Temos que ir dois em cada um.
- Ótimo, eu e Rose em um e vocês dois no outro. - diz Anne imediata, porém Rose discorda com a cabeça.
- Você quer o que? Que eles afundem o próprio barco? - pergunta Rose, aconchegando o seu casaco ao corpo - Eu vou com Percy e vocês dois vão juntos.
- Ai Rose, você tem cada ideia... - começa a reclamar Anne, mas Alfred a interrompe, entrando no barco e esticando a mão ajuda-la.
- Por favor senhorita. - ele diz, curvando-se sutilmente, Anne revira os olhos, segurando a mão dele e entrando no barco.
Diferentemente de Rose e Percy, Anne e Alfred sentaram-se de frente um para o outro, de modo que Alfred revezava o seu olhar entre a paisagem e os olhos escuros da companheira. Anne estava com os dois braços recostados no barco, olhando para o reflexo da lua.
- Não é estranho como conseguimos ver o reflexo do céu e não conseguimos ver o fundo da água? - pergunta Alfred em um sussurro, seguindo o olhar de Anne, que suspira.
- Queria estar olhando para o céu, mas não quero ficar com dor no pescoço. - diz Anne secamente em um sussurro.
Eles não precisavam remar muito para movimentar o barco, a própria correnteza os carregavam pela água. Anne estremeceu mais uma vez, ela mesma tinha dúvida se era por causa do frio ou do medo.
- Não vamos passar por aquela barreira de neblina, vamos? - ela pergunta assustada e Alfred olha para ela, com a sombra de uma risada estampada no seu rosto.
- Está com medo, Annezinha? - ele pergunta e ela se contém para não empurra-lo naquela água gelada.
- Claro que não! - ela mente, bruscamente - Só não quero ir muito longe, na verdade, eu quero voltar para casa o mais rápido possível.
Alfred riu, e a sua risada ecoou pelo ambiente e foi seguida de um silêncio muito constrangedor. Percy e Rose riam e conversavam aos cochichos, de modo que não era possível entrar na conversa, sem sequer olhar um para o rosto do outro, as vezes, quando sentia muito frio, Rose se aproximava se Percy e encostava a sua cabeça em suas costas.
- Matthew vai ficar com ciúmes. - ele brincava, e a mesma revirava os olhos, se afastando do amigo para evitar as provocações.
Eles pararam do outro lado do lago e começaram a caminhar pela margem até chegar na casa que tinham visto, ali haviam alguns castelos de areia destruídos e brinquedos espalhados pela margem.
- Aqui deve ter um monte de crianças. - comenta Rose, empurrando uma tartaruguinha de brinquedo com o pé.
- Vamos perguntar a Sra. Underwood depois, quem sabe não tem um jovem da nossa idade perdido aqui nesse meio de criança e velho? - diz Alfred, voltando para o lugar onde haviam deixado os seus barcos.
Alfred arqueou as sobrancelhas quando chegou ao local, olhou para os lados inúmeras vezes, assustado.
- O que você está procurando, Fred? - pergunta Percy, parando ao lado do irmão, Alfred arregala os olhos.
- Ora, nossos barcos! - ele diz em tom óbvio, por mais que tentasse soar tranquilo, sua voz demonstrava um pouco de desespero.
- Vocês estão dizendo aqueles barcos? - pergunta Anne, apontando com a mão coberta pela luva colorida para dois barquinhos de acácia, navegando sozinhos no meio do lago.
- Ah, que ótimo. - diz Rose, tirando os sapatos, arrependeu-se quase imediatamente quando sentiu o frio que estava sem as meias, mas mesmo assim colocou-os no chão lameado, tirou também o casaco e embrulhou-os, abraçando tudo com força em frente ao peito.
- O que você tá fazendo maluca? - pergunta Percy, segurando o braço da mesma.
- Pretendo atravessar o lago. - ela diz, dando de ombros, Percy revira os olhos.
- Não vou deixar você ir, Rose Moore, está frio pra caramba e se você adoecer eu vou me sentir muito culpado. - ele diz e Rose ri, balançando a cabeça.
- Vocês se esqueceram que também precisam atravessar o lago ou pretendem passar o resto da noite aqui? Não sei se lembram, mas moramos do lado de lá! - ela diz, colocando os pés na água e sentindo o mesmo congelar, fazendo ela se arrepiar inteira.
Anne suspira, estremecendo, mas imitou a colega. Logo, todos os quatro estavam dentro da água, que já cobria a cintura dos três, que tremiam dos pés a cabeça.
- Não podemos tentar entrar no barco? - pergunta Anne, batendo queixo enquanto passavam ao lado dos pequenos barquinhos, que pareciam agora tão aconchegantes.
- Não vamos conseguir, mais provável virarmos o barco. - diz Alfred, nadando devagar, pois suas mãos estavam ocupadas com seus agasalhos.
Assim que eles chegaram na outra margem eles se encolheram no chão, calçando os sapatos molhados, porém não encharcados, que era o objetivo, e vestindo os seus casacos. Eles ficaram encolhidos e muito juntos, esperando a dor do frio passar, enquanto tremiam violentamente.
- Céus, que frio! - Anne consegue dizer, ela estava praticamente enroscada em Alfred, que a abraçava com força, o coração dela estava acelerado, durante todo o trajeto até ali, ela conseguiu ignorar o frio, pois sua mente estava focada em pensar o que aconteceria se um jacaré aparecesse, ou se um monstro que ela não conseguisse ver puxasse o seu pé, mas agora, o frio dominava todo o seu corpo.
- Não podemos ficar parados. - diz Rose, fazendo força para se levantar, abraçando-se - Temos que voltar para casa e nos aquecer, antes que morramos congelados.
O caminho de volta para casa não foi muito agradável como tinha sido a ida, as nuvens cobriram a lua e eles não tinham animo para conversar, talvez porque o frio mal os deixava abrir as próprias bocas.
Antes mesmo que Percy conseguisse tocar na maçaneta a porta foi aberta bruscamente, a Sra. Wright estava vestida em sua camisola, enrolada em um agasalho de lã grossa e com os olhos muito arregalados, ela os puxou para dentro e fechou a porta novamente, para que o vento não apagasse a lareira.
- Estão malucos? - pergunta ela, em um guincho, empurrando-os para se amontoarem no sofá grande em frente a lareira, ela pegou os cobertores da cesta e os cobriu gentilmente - Tirem os sapatos.
Eles tiraram os sapatos e encolheram os pés dentro das cobertas, ela pegou ainda outras e cobriram-lhe as costas, ela deu um suspiro horrorizado quando percebeu que os fios dos cabelo das meninas estavam molhados.
- Completamente malucos! - ela murmura, colocando mais lenha na lareira, Rose suspirou de satisfação com o calor humano dos seus amigos, o aconchego da coberta e a brisa do fogo, porém, sentia-se culpada por ter preocupado a Sra. Wright.
Ela foi a cozinha, deixando-os sozinhos com o calor e com sua culpa na sala, e voltou com quatro xícaras e uma chaleira.
- Bebam. - ela pede, entregando as xícaras para os quatro e sentando-se de frente para ambos, encarando-os com decepção.
- Obrigada por não estar sendo uma velhinha má conosco, Sra. Wright. - diz Alfred, soprando o chá, a Sra. Wright franze os seus olhos para o garoto.
- Serei uma velhinha muito má amanhã, caso acordem em um bom estado de saúde, Alfred Anson. - ela diz, rigidamente - Porém no momento vocês são apenas quatro jovens com muito frio, e não posso ser assim tão má.
Ela os levou para os seus quartos, cobrindo-os com quantas cobertas fosse possível e trancando a janela dos dois cômodos. Ela depositou um beijo no rosto de cada um, desejando boa noite e que Deus colocasse um pouquinho de juízo na mente deles. E suspirou.
- Esse é o preço a se pagar por ser mãe de quatro jovenzinhos. - ela sussurrou consigo mesma sorrindo, enquanto retornava para a sua cama.
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