09 - Filminho temático
— A pipoca e o brigadeiro estão prontos e a pizza chega daqui a pouco, já escolheu os filmes?
Coloco tudo sobre a mesinha de centro, ao lado dos refrigerantes, sentando ao lado dela no tapete felpudo.
— A princesa e a plebeia, da Netflix, porque o natal é em menos de dez dias e merecemos um filminho temático.
— Vamos assistir os três? — Pergunto, jogando umas pipocas na boca.
— Mas é claro que sim! Porque um é bom, dois é ótimo e três é melhor!
Dá play e nos empolgamos com a história de Stacy, Edward, Margaret e Kevin. Vinte minutos depois a pizza chega, Hellen pausa o filme e desço para buscar, voltando com pressa.
Quando acaba o segundo filme levanto para ir no banheiro e Hellen leva as vasilhas sujas para a pia. Tomo um pouco de água e sento no sofá, minha menina manhosa vem até mim, deitando a cabeça em minhas pernas. Acaricio seus cabelos escuros e cacheados, tão longos quanto os meus.
Ela sorri e retribuo.
Essa menina é a minha vida, amo ela mais que tudo nesse mundo e não me arrependo de nada do que passei para cria-la.
A minha gestação foi precoce. Eu era apenas uma menina de quinze anos, nova demais para uma responsabilidade tão grande. Lembro de como fiquei assustada, apavorada na verdade, quando minha menstruação atrasou, eu não tinha tanta informação sobre sexo, mas eu sabia que esse atraso podia significar gravidez.
Passei um mês escondendo isso de todo mundo, até Enrique me ver vomitar por causa do perfume de uma colega na escola e quase me arrastar para o hospital, só desistiu quando contei minhas suspeitas. Ele ficou em choque, era dois anos mais velho, mas também não tinha tanta informação sobre o assunto.
Me arrastou para um postinho perto da escola, contou sobre nossas suspeitas para a recepcionista e perguntou o que devíamos fazer. Ela se compadeceu do nosso desespero e chamou uma enfermeira, a senhora simpática buscou um teste de farmácia e ficou comigo na salinha esperando o resultado.
O resultado positivo nos deixou em choque. Passamos dias conversando sobre o que fazer, teríamos o bebê, isso era certeza, mas não sabíamos o que faríamos da nossa vida. Como lidaríamos com a novidade.
Conversamos muito antes de contar aos nossos pais e Enrique decidiu que construiria uma casa em cima da do pai dele, a casa já tinha toda a estrutura para a construção de um segundo andar e ele trabalhava desde os quinze anos no mercadinho de uma rua vizinha e tinha um dinheiro guardado porque construir a casa já era um plano futuro.
Duas semanas depois da descoberta Enrique foi a minha casa e contamos a minha mãe. Ela ficou em choque, depois brava, mas se acalmou quando ele contou nossos planos de construir a casa e ir morar juntos.
Infelizmente não conseguimos concretizar esse plano. Ou qualquer outro. Três meses depois, um imbecil bêbado tirou ele de mim e o impediu de conhecer a preciosidade que fizemos juntos.
— Eu amo e odeio o jeito que ela fala Maggie Moo — comenta rindo, me trazendo de volta das lembranças.
Sorrio também, enfiando o dedo na covinha da sua bochecha. Outra coisa que ela herdou do pai. Na verdade eu basicamente só gerei essa menina, a única coisa que ela tem igual a mim é a textura do cabelo. Cor da pele, cabelo e olhos são iguais aos dele, assim como o formato fino do rosto, da boca e do nariz.
Quando o último filme da trilogia acaba, Hellen decide colocar outro filme natalino com Vanessa Hudgens, o escolhido é Um Passado de Presente, no entanto, ela adormece antes do final.
Sorrio, acariciando novamente seus cabelos macios. Emocionada, relembro cada pequeno momento que vivi com ela nesses vinte anos. Os mais complicados, mas também os melhores anos da minha vida.
Já é quase uma da manhã quando decido levantar e arrasta-la para a cama. Amanhã é seu casamento e precisa de uma boa noite de sono. Tomo um banho e volto para o quarto de Hellen, sofrendo muito pela despedida.
Eu sei que ela estará no mesmo estado, na cidade vizinha, há menos de trinta minutos de distância de mim, mas nunca mais será a mesma coisa.
Durmo abraçada a minha garotinha, lamentando a separação, mas feliz por ter feito um bom trabalho em sua criação.
— Te amo, mãe — sussurra a sonolenta, se agarrando mais a mim.
— Também te amo, bebê.
Arregalo os olhos ao ver que são oito horas da manhã e levanto da cama num pulo.
— Bom dia, totosa, tava vindo te acordar.
A voz risonha e maliciosa atrai meu olhar para a porta, Letícia está parada no batente com uma roupa meio amassada e cara de quem passou a noite na farra.
— Sua cara diz que você não teve o sono da beleza — zombo ao perceber suas olheiras escuras.
— Tive algo mais gostoso que isso — sorri safada e levanto revirando os olhos.
Faço careta.
— Que cheiro de queimado é esse?
— Sua filha carbonizou o pobre miojo.
Sorrio.
— Graças a Deus que João Paulo sabe cozinhar ou eles viveriam a base de fast food.
Franzo a testa ao me aproximar da sala e ouvir vozes. Sorrio largamente ao reconhecer e apresso o passo, atravesso a sala e entro na cozinha.
— Tia! — Brenda é a primeira a me ver e corre para mim.
Tropeço para trás quando seu corpo se choca contra o meu e dou risada.
— Caramba, menina, não te vejo por dois anos e agora tu tá quase maior que eu. Você está muito grande.
— Tá grande e malcriada.
— Mãe, se tô mal criada a culpa não é minha, quem me criou foi a senhora.
Bárbara joga uma uva nela, mas atinge a mim.
— Ei!
Pego a uva do chão e jogo de volta na minha cunhada, sua risada escandalosa preenche a cozinha. Sorrindo, puxo uma cadeira e sento, Brenda senta no meu colo e abraço ela sorrindo.
Brenda é a filha mais velha de Carlinhos, meu irmão caçula, e sempre fomos grudadas, até meu irmão conseguir um emprego em São Paulo e levar ela para longe de mim, isso foi há dois anos. Nos falamos com frequência, mas não é a mesma coisa. Chamadas de vídeo nunca substituirão as noites das meninas que costumávamos fazer pelo menos uma vez ao mês, ela, Hellen e eu.
Apenas dois anos se passaram mas Brenda “esticou” muito. O corpo e rosto de menina se foram, deixando uma pré-adolescente muito linda no lugar.
Beijo seu ombro e ela vira sorrindo.
— Estava com saudades da senhora.
— Eu também, meu amor. Aliás, cadê meu irmão? E de que horas vocês chegaram? E Júnior? A propósito, vocês vão ficar aqui ou na casa de mainha?
— Calma, mainha.
— Calma, tia.
Hellen e Brenda falam ao mesmo tempo, me arrancando uma risada.
— Acho que estou meio ansiosa pelo o que o dia de hoje significa.
— Respondendo suas perguntas, tia: Chegamos de madrugada e fomos pra a casa da vó Esmeralda, onde Júnior tá agora com painho — Carlos Júnior é o filho caçula do meu irmão, atualmente ele está com oito anos. — Eu quero ficar aqui com a senhora uns dias, mas Vovó fez drama pra Júnior ficar lá, mas mainha e painho vão ficar na casa da bisa porque ela fez chantagem emocional.
Reviro os olhos.
— Claro que fez — meu tom de voz não esconde o desgosto.
Helena nunca escondeu a preferência por Carlos. O ódio que ela sente de mim é diretamente proporcional ao amor que sente por ele. Por muitos anos isso me magoou, até eu começar a devolver para ela o desprezo que dirigia a mim.
Letty levanta agitada e bate palmas.
— Engulam a comida de pressa porque já são nove e quinze e temos horário no SPA às dez.
— Pra mim também? — Brenda pergunta animada.
— Claro que sim, pra todas nós, inclusive para Marina, que não vai chegar a tempo, e dona Esmeralda, que está atrasada. — olha o celular. — Mandei mensagem pra ela de sete e meia mas até agora não respondeu. Alguma de vocês falou com ela hoje?
— Quando a gente saiu ela não tava mais em casa, né mãe?
— Não, eu ouvi ela zanzando pela casa por volta das seis e meia, fui escovar os dentes pra falar direito com ela mas ela já tinha saído, não sei...
— LENA! — o grito da minha mãe interrompe Babi.
— Por que vovó nunca usa a campainha? — Hellen reclama.
— Porque ela não quer, foi exatamente o que me disse.
— Bom dia, aqui é a casa das cinco mulheres? — pergunta risonha entrando na cozinha.
— Onde a senhora tava, vó?
— Deus te abençoe, Brenda — debocha, arrancando uma revirada de olhos da neta.
Sorrindo, vai até minha mãe, pede a benção e abraça ela bem apertado.
— Respondendo a sua pergunta — inicia, soltando Brenda — eu fui na casa de Ivanilda, Melissinha acabou de descansar, acredita?
— Mas já? Até mês passado ela tava jurando de pé junto que era impossível tá grávida porque era virgem. A santa Melissa — meu tom é ácido e debochado.
Melissa é um ano mais nova que Hellen e as duas viveram boa parte da vida juntas na rua em que morávamos. Foram amigas até uns doze anos, quando Melissa, que vem de família religiosa, começou a andar com pessoas de caráter muito duvidoso. Aprontava todas, mas na frente da família se fingia de santa. Ivanilda, sua mãe, vem de família católica praticante, realmente são bem fiéis a sua fé e muito religiosos, foi mãe com quase quarenta anos devido uns problemas de infertilidade e sempre mimou demais a filha.
Porém, apesar da religiosidade, ela é a pessoa mais fofoqueira da rua, sabe da vida de todo mundo e sai espalhando tudo o que descobre. Com catorze anos Hellen começou a namorar o dito cujo do Ramon e não demorou a ficar mal falada na rua por causa daquela fofoqueira, uma vez quase saí no tapa com ela, Eliane foi que me impediu. O que Ivanilda não sabia — ou fingia não saber — é que sua filha era bem pior e perdeu a virgindade naquele mesmo ano com um trombadinha da escola.
Melissa nunca namorou oficialmente, o pai não permitia. E, apesar de metade da rua saber a verdade, insistia em se fazer de virgem, até uns meses atrás começar a engordar e ficar com a barriga levemente arredondada, mas permaneceu negando até mês passado ir para o hospital com fortes dores no abdômen e ter a gestação confirmada, além de receber a informação que já estava com oito meses e as dores eram as contrações de treinamento.
Ivanilda até tentou esconder, mas uma menina que trabalha no postinho e mora na rua — e que também já foi vítima da língua maldosa dela — espalhou para todo mundo. Assim nem Ivanilda pode continuar fingindo que a filha era santa.
— A senhora tava no hospital? — Pergunto mordendo a tapioca de coco ralado com leite condensado.
— Sim, Nida não tava em casa e ela veio me chamar pra ir com ela ao hospital.
— Galera, vamos parar de papo furado?! A gente tem hora marcada no spa.
Letícia começa a andar de um lado para o outro agitada, gritando para a gente ir se arrumar. Praticamente engulo minha tapioca sem nem ao menos sentir o gosto e corro para me arrumar.
Vinte minutos depois estamos saindo ainda as pressas com Letícia gritando animada:
#Partiudiadeprincesa!
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