06 - Estúpida manipulável
Meu corpo inteiro vibra e ondula quando atinjo um clímax intenso e violento que inicia no meu ventre e se espalha por todo o corpo. Aperto os olhos, aproveitando cada segundo da deliciosa sensação das ondas de prazer se espalhando pelo meu corpo.
Quando os efeitos diminuem, abro meus olhos buscando as intensas orbes verdes, mas tudo o que encontro são as paredes azul claro do meu quarto.
Olho em volta, suada e confusa, demorando um pouco para perceber que mais uma vez sonhei com ele, com seus lábios, com seus dedos...
Jesus...
Isso não é certo.
Não é aceitável.
Aperto os olhos, emitindo um grunhindo frustrado pelos caminhos que minha mente está seguindo. Revoltada por não conseguir conter essa... coisa que cresce sem controle dentro de mim.
Suspiro, lembrando de como o sonho pareceu real. Quase posso sentir suas mãos em mim, me provocando, me descobrindo, me levando a loucura...
— Vinte e dois anos, Beatriz — pronuncio em voz alta, tentando recobrar o juízo.
Levanto da cama, consciente de que se eu continuar com a mente vazia esses pensamentos errados e os sonhos indecentes irão continuar me assombrando.
Tomo banho, escovo os dentes e procuro alguma coisa para comer. Após algum tempo em dúvida entre cuscuz com charque ou tapioca, opto por tapioca porque o preparo é mais rápido.
Separo um pouco de queijo coalho para o recheio salgado, já para o recheio doce escolho mel e banana. Eu amo tapioca e durante todo o tempo de preparo fico praticamente saltitante.
Corto alguns pedaços de queijo e deixo em um prato, ao lado das bananas eu cortei em rodelas minutos antes. Despejo a goma de tapioca na minha linda tapioqueira — que também serve como panquequeira por ser rasa — coloco sobre a massa os pedaços de queijo e uma pitada de orégano, porque eu amo e coloco em praticamente toda comida. Quando está pronta, coloco mais um pouco de goma, em seguida a banana e o mel.
Com as tapiocas prontas, coloco uma cápsula na cafeteria e aguardo. Eu particularmente prefiro café coado, mas quando estou com pressa uso a cafeteira de cápsulas mesmo.
Escolho comer na varanda, apreciando a vista maravilhosa a minha frente. A praia de boa viagem é linda, uma pena ser imprópria para banho por causa do histórico de ataques de tubarão.
Lá embaixo, na faixa de areia, algumas pessoas estão correndo ou caminhando. Um casal sai da água molhado e sorrio quando ela tropeça, ele tenta segurar mas no final os dois vão ao chão juntos. Não consigo ver seus rostos a essa distância, mas eles parecem estar rindo.
Sorrio mais.
A saudade de Enrique aparecendo junto com o lamento por tudo o que não pudemos viver.
Após terminar o café da manhã, continuo sentada encarando o mar e pensando no que fazer durante o dia.
Eu trabalho seis dias por semana, deveria ficar ansiosa para aproveitar o domingo, mas não fico, sou uma pessoa muito caseira, acredito que seja consequência de ter sido mãe tão jovem e de todo o peso que essa responsabilidade trouxe.
Enquanto minhas colegas estavam indo para o forró ou para algum show, eu estava trocando fraldas de cocô e tentando lidar com o luto, tudo isso enquanto me desdobrava para manter os estudos e ter alguma renda para não depender exclusivamente da minha mãe e depois de seu Elias.
Foi assim que comecei a vender doces na escola, o dinheiro era pouco, mas ajudou a comprar algumas coisas para Hellen e me fazia sentir menos inútil. Acabei me apaixonando por confeitaria e, após me formar no ensino médio, procurei melhorar. Achei alguns cursos e, com a ajuda do meu sogro, consegui pagar. Trabalhei em alguns buffets durante os anos, mas também vendia meus próprios bolos e doces. Perdi as contas de quantas noites virei acordada para entregar encomendas para festas, noivados e casamentos, mas o esforço valeu muito a pena.
Com muito custo, suor e sofrimento, consegui montar minha confeitaria. No início ficava próximo ao meu bairro, depois aluguei um ponto em Recife, foi aí que minha vida alavancou de vez, até consegui financiar um apartamento em uma área muito boa de Boa Viagem.
Obviamente, nem tudo são flores, mas me orgulho da minha trajetória. Me disseram muitas vezes que eu não daria em nada, principalmente depois que engravidei, mas olha só onde cheguei. Mas, claro, tudo isso só foi possível porque tive Seu Elias me apoiando, muito mais do que minha própria mãe, ele foi essencial para que eu chegasse onde cheguei.
Me acolheu quando precisei e cuidou de Hellen todas as noites quando eu ia para a escola. Ele merece muito os créditos pelas minhas conquistas. Eliane também foi crucial, acordou muitas noites para cuidar da sobrinha ao meu lado. Foram minha rede de apoio.
O grande problema nisso tudo é que eu não aprendi a viver. Depois de tantos anos dedicando o máximo de tempo possível a minha filha e o tempo restante ao trabalho, não sei fazer nada além de trabalhar e cuidar dela.
Eu gosto da minha vida tranquila, mas em dias como esse, que minha filha vai para a casa do noivo e fico sozinha, me sinto solitária. Me pergunto como vai ser a partir de dezembro quando ela for morar com ele definitivamente.
Suspiro.
Patrícia está certa, preciso arrumar novos hobbies. Descobrir coisas que gosto de fazer além de cozinhar. Preciso descobrir quem eu sou além da maternidade e do trabalho.
Encaro a televisão quando passo pela sala e dou de ombros.
— Mas acho que não preciso descobrir hoje.
Lavo os utensílios usados, já pensando em qual drama vou assistir. Hellen me viciou nos dramas asiáticos. Começamos pelos dramas chineses, mas eles são mais bobinhos e muito adolescentes, então eu migrei para os K-dramas, onde os protagonistas normalmente são jovens adultos. Terminei recentemente Pretendente Surpresa e amei, quero assistir um tão fofinho quanto ele.
Perco algum tempo passeando pela minha longa lista de dramas coreanos até achar um que me chama atenção, o escolhido é Clima do amor.
No segundo episódio eles já dormem juntos e eu começo a surtar. Quando o terceiro episódio acaba, corro para a cozinha, bebo um pouco de água, pego uma maçã e volto correndo — literalmente — para a sala. No quarto episódio dou pausa, jogo minha cabeça para trás e dou risada da tentativa de Ha-Kyung de explicar porque ela estava no carro de Si-Woo, mas também nervosa e com vergonha porque ela está claramente se entregando.
— Eita, bixiga! O pai dele vai procurar ela e acho que isso não vai prestar.
Quando acaba as cenas do próximo episódio, desligo a televisão. Se começar o próximo eu vou continuar aqui sentada e não vou comer nada.
Preparo um macarrão ao alho e óleo e um pedaço de frango. Como se fosse menino amarelo, decido comer na sala assistindo tv. Deixo o prato sujo na pia e corro novamente para a sala, totalmente vidrada na série.
São seis da tarde quando saio do sofá, faltando apenas seis episódios para finalizar a série. Ou seja, passei mais de dez horas assistindo como uma viciada. Cansada demais — de que eu não sei já que passei o dia sentada no sofá — opto por pedir uma pizza.
Tomo um banho e fico zanzando pela casa sem saber o que fazer. Por fim decido entrar no quarto de Hellen. Sento na sua cama de casal e acaricio o lençol rosa escuro com flores brancas.
Suspiro meio triste.
Mal posso acreditar que ela já vai casar, ainda lembro como se tivesse sido ontem a primeira vez que segurei aquela coisinha estranha e suja nos braços. Como Eliane costuma falar: era o joelhinho mais lindo que já vi na vida.
Me aproximo da cabeceira da cama e pego a foto que está na mesinha ao lado dela. Somos Enrique e eu, ele está de joelhos na minha frente beijando minha barriga redonda de cinco meses. A foto foi tirada uma semana antes dele morrer.
Em pouco dias vai fazer vinte anos que ele me deixou.
As lágrimas embaçam meus olhos quando lembro de seu Elias segurando as lágrimas e tentando encontrar as melhores palavras para me dizer que meu namorado, meu primeiro amor, o pai da garotinha que eu carregava em meu ventre, estava morto. Atropelado por um maldito irresponsável.
Foram meses difíceis após sua morte. Eu tive que lidar com o luto ao mesmo tempo que me preparava para ser mãe solo. Foram muitas noites insone, eu tinha certeza que não conseguiria, que daria tudo errado. Eu simplesmente não queria mais aquele bebê, só queria deitar e chorar a perda do meu amor, mas então Hellen nasceu, com os mesmos olhos verdes azulados que seu pai. Vê-la tão pequeninha e tão parecida com ele aplacou um pouco da dor que me atormentava. Junto com ela nasceu no meu coração o amor mais puro e profundo que já senti na vida.
Mês após mês, enquanto ela crescia e se tornava ainda mais parecida com ele, eu fui aprendendo a ser mãe e a lidar com a perda. Mas, às vezes, ainda me pego pensando como as coisas seriam se ele não tivesse morrido.
Será que ainda estaríamos juntos? Será que ele seria um homem e um pai tão bom quanto seu próprio pai? Será que teria sido mais fácil? Essas perguntas rondam minha cabeça constantemente.
O som do interfone me tira das lembranças dolorosas e levanto enxugando as lágrimas. Enxugo os olhos, dou dois tapinhas na bochecha e respiro fundo, tentando diminuir a cara de choro.
Limpo a garganta, tentando me livrar da voz de choro, e atendo o interfone, pensando ser a entrega da pizza.
— Boa noite, já vou descer.
— Dona Bia? É o seu Geninho, sua mãe tá aqui embaixo.
Estranho.
Minha mãe aqui há essa hora? Será que aconteceu alguma coisa?
— Tem certeza que é ela?
Ouço sua risadinha.
— Tenho, dona Bia, tô velho mas minha memória ainda é muito boa.
— Tudo bem, senhor memória muito boa, pode deixar ela subir.
Corro para o quarto, tiro o pijama que eu já tinha colocado e visto um shortinho jeans e uma regata cor-de-rosa. Respiro fundo alguns vezes, preparando meu psicológico para lidar com ela.
Acho que nenhum filho deveria detestar tanto a presença da própria mãe, mas eu detesto. Praticamente toda interação entre nós acaba em discussão porque ela foi uma péssima mãe, mas não reconhece isso e acha que a errada sou eu por querer manter o mínimo de contato possível.
Paro em frente a porta, respirando fundo uma última vez antes de abrir a porta.
— Boa noite, mainha. Bença.
— Deus te abençoe, sua desnaturada.
Respiro fundo, já sabendo o drama que vai ser porque não a visito há mais de um mês.
— Se eu não vier te ver tu nem lembra que tem mãe, né?! Mas é assim mesmo... Todo mundo sempre falou: o que uma mãe faz pelos filhos, os filhos não fazem pela mãe. É assim mesmo...
Joga a bolsa no sofá e vai para cozinha reclamando que está com sede, reviro os olhos e vou atender o interfone que voltou a tocar.
— Oi?
— É a... Beatriz Souza?
— Isso.
— Tô aqui pra entregar seu pedido.
— Ah sim, tô liberando o portão e já vou descer.
— Tá certo.
Agradeço aos céus pelo timing do entregador. Preciso de uns segundos longe da minha mãe, preciso me preparar para lidar com seus dramas sem surtar.
Eu amo minha mãe, mas nossa relação nunca foi das melhores. Ela cometeu erros, erros demais, o suficiente para criar uma cratera entre nós que nunca conseguimos atravessar. Eu até tentei, tentei incansavelmente, mas só me magoava cada vez mais, então desisti de tentar.
Quando me tornei mãe, me esforcei muito para ser a melhor amiga da minha filha, seu porto seguro, os braços para onde ela correria quando a vida ficasse pesada. Me orgulho em falar que obtive sucesso nessa missão. Não temos uma relação perfeita e durante a adolescência dela tivemos alguns atritos, mas estamos bem.
Eu sou uma boa mãe, dentre todas as minhas conquistas, essa é a mais valiosa para mim.
— Cadê minha neta? — Pergunta assim que entro no apartamento.
— Na casa do noivo.
— Ah, Helena, não acredito que você vai deixar mesmo ela casar.
— Beatriz, mãe, já disse mil vez pra me chamar de Beatriz — reclamo seguindo para a cozinha com ela em meu encalço. — E eu não tenho que deixar nada, Hellen já é maior de idade e dona da própria vida.
— Helena, independente da idade, você é a mãe dela, pode impedir isso.
— Eu sou a mãe dela, mas a vida dela pertence apenas a ela, não posso interferir só porque a pari. Minha filha é uma adulta responsável e sabe muito bem o que é melhor para a própria vida, se ela fizer alguma escolha que pareça errada aos meus olhos vou aconselhar, mas jamais obrigá-la a viver a própria vida conforme minhas vontades.
— Mas, Helena...
— Já falei um milhão de vezes para me chamar de Beatriz — interrompo fervendo se irritação.
— Eu digo e repito há anos: não vou te chamar de Beatriz, esse nome foi escolhido pelo traste do teu pai.
— E Helena é o nome daquela bruxa velha.
— Respeite a sua avó!
— Quem quer respeito dá respeito. Aquela velha racista fez da minha vida um inferno e até hoje quando me vê faz questão de me olhar torto. Ela pode ser a sua mãe, mas não sou obrigada a gostar dela ou respeitá-la se nunca recebi nada disso dela.
— Pelo amor de Deus Helena, vê se cresce, você já tem trinta e seis anos!
— Mas ainda guardo todas as cicatrizes emocionais que ela me causou e a senhora não tem muito o que falar, não é?! NUNCA me defendeu — enfatizo alterada.
— DEFENDI SIM! — Grita, mas baixa novamente o tom de voz. — Só nunca fiz na sua frente pra não achar que podia faltar com respeito com ela.
Mordo a língua com vontade de rebater, mas sabendo que só vou me desgastar emocionalmente e não chegar a lugar nenhum, me limito a respirar fundo, tentando me acalmar o máximo possível.
Encaro minha mãe.
— Afinal de contas, a senhora tá fazendo o que aqui?
Mexe na toalha de mesa por um tempinho antes de responder:
— Tava com saudade.
Merda!
A voz baixa fragilizada mexe comigo, me fazendo baixar a guarda e sentir culpada por não ter ido vê-la e por toda essa situação. É sempre assim, sempre me sinto culpada quando ela vem com esse tom e esse olhar.
— Também tava me sentindo sozinha. Hellen mal tá indo me visitar por causa dos arranjos do casamento. Tu me visita uma vez a cada dois meses e olhe lá, o ingrato do teu irmão quase não me liga e Brenda e Júnior nem parecem lembrar que têm avó. Babi parece se importar mais comigo do quê vocês — Babi é minha cunhada.
Meus ombros caem.
— A senhora quer pizza? — Pergunto erguendo a bandeirinha da paz, porque sou uma idiota que se deixa ser manipulada por chantagem emocional.
É sempre assim, ela vem, fala o que quer, age como se eu fosse a pior filha do mundo — coisa que aliás ela já gritou para mim — e depois faz drama, me fazendo ceder. Sou mesmo uma estúpida manipulável.
— Portuguesa?
— Não. Meio calabresa e meio muçarela.
Faz careta.
— É... Quero.
Separo os pratos, pego o ketchup e a maionese e, com a ajuda dela, levo para a sala. Volto e pego o refrigerante que comprei junto com a pizza, pego também dois copos e sento no chão ao lado dela.
Comemos assistindo a novela das seis, porque minha mãe é noveleira desde sempre. Ela pergunta se pode dormir aqui e vamos para cama apenas das dez e meia, quando acaba a novela das nove.
— Precisa de alguma coisa? — Pergunto quando ela se acomoda na cama de Hellen.
— Não, boa noite.
— Boa noite, mãe.
Sento na minha cama me sentindo emocionalmente exausta. Todas as interações com ela parecem me arrancar as energias, é desgastante. Demoro um pouco para pegar no sono e, como se toda a confusão com minha mãe não fosse suficiente, ainda sonho com o melhor amigo da minha filha.
No meio da noite acordo suada, molhada, frustrada e irritada.
— Inferno de garoto, você vai me enlouquecer!
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Hey, babys!
Gostaram do capítulo? Eu sei que por enquanto não tem tantos acontecimentos interessantes, mas as coisas vao melhorar e as interações entre o casal vão aumentar nos próximos capítulos. Esses primeiros aqui são mais introdutórios, quero que conheçam os dois, principalmente a Bia. Talvez ela faça uma raivinha para vocês lá na frente, mas conhecendo ela, talvez entendam suas escolhas.
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