02 - Síndrome do Ninho Vazio
Mal estaciono o carro e Hellen corre para o fora, abre o portão de ferro e invade a casa do avô gritando:
— VOVÔ, EU VOU CASAR! — Seu tom um tanto infantil me arranca uma risada.
É impressionante como ela sempre parece voltar a ser uma garotinha manhosa e mimada quando entra na casa do avô. Ela é muito apegada e loucamente apaixonada por ele, mas eu a entendo, ele foi o pai dela, assim como foi o meu. Cuidou de nós duas quando ficamos desamparadas e não me deixou sucumbir a dor.
Fecho o portão de ferro e observo o jardim bem cuidado. Não cheguei a conhecer minha sogra, mas seu Elias sempre contou como ela era apaixonada pelo jardim, por isso sempre fez questão de manter as flores e plantas bonitas e bem cuidadas.
Fecho o portão e a porta da casa, que minha filha apressada deixou aberto, e entro, encontrando ela na cozinha com o avô e tia. Eliane mora com o pai há cinco anos, desde que se divorciou do marido e voltou para Pernambuco com a filha.
— Como assim nossa menina vai casar? — Pergunta quando me vê. — Parece que foi ontem que eu tava desmaiando no hospital depois de ver a cabeça dela saindo.
Rio.
— Pois é, né. Nossa garotinha chorona cresceu rápido.
Me aproximo de meu sogro, beijado a cabeça dele.
— A benção.
— Deus te abençoe, minha filha.
— É de quê? — Eli pergunta, retirando da minha mão a sacola com a logo da minha confeitaria.
— Tem dois, um de fubá e outro de laranja com cobertura de chocolate.
Revira os olhos fazendo som de satisfação com a boca.
— Vão lá para o quintal enquanto eu preparo um café — seu Elias sugere e nós concordamos.
Eliane e eu fazemos conforme sua sugestão e sentamos na mesa de madeira de oito lugares. Hellen nos abandona informando que vai ligar para a prima e nós duas conversamos sobre a vida. Seu Elias não demora a chegar, assim como Hellen e passamos uma tarde muito agradável com eles.
— Filha, vamos? Já tá quase na hora do seu estágio.
— Já? — Confere o celular. — Poxa, eu queira ir lá na vovó e na bisa antes de ir.
— Depois você faz isso, vamos?
Seus olhos, de um azul esverdeado muito bonito, me analisam com atenção. Vejo quando a compreensão toma seu rosto e ela entende que fiz de propósito para não ir lá.
— Tudo bem, eu vou lá outro dia.
Nos despedimos de seu Elias e da filha, Hellen promete voltar com JP e vamos embora.
Quanto mais me distancio daquela rua, mais o peso em meu peito diminui. Acho que nenhum filho deveria se sentir assim ao pensar em ver a mãe, mas é como me sinto e isso é muito triste.
— Me sinto meio perdida, tenho sido mãe quase integralmente há vinte anos, Paty, só fico pensando em como vai ser quando não tiver mais que ligar perguntando se chegou bem na faculdade, ou de que horas volta do estágio, se vem pra casa ou vai dormir com JP. Ela dorme um ou outro dia fora e já fico com saudades, imagina agora que vai ser pra sempre.
— Tu tá passando pela síndrome do ninho vazio e ainda faltam seis meses pra ela sair de casa — responde Paty, minha funcionária e amiga, que está há três dias ouvindo meus lamentos.
Tenho essa mania terrível de sofrer por antecipação.
— Você não vai deixar de se preocupar, falo por experiência própria. Todo dia ainda ligo pra Thalita pra saber se ela tá bem, se já comeu, se chegou em casa bem. Você ainda vai ter a vantagem de que sua filha vai tá aqui, na mesma cidade, no mesmo estado — Thalita, a filha mais velha dela, foi estudar em São Paulo há dois anos. Nas primeiras semanas ela chorava todos os dias, imagino que minha primeiras noites sem minha bebê em casa serão do mesmo jeito.
— Eu sei que não. Mas... Sei lá, Paty. Apesar da minha carreira, da confeitaria e do buffet, eu criei minha filha sozinha e a maternidade sempre foi minha prioridade e minha maior ocupação. O que faço agora que ela vai viver a própria vida?
— Agora você começa a viver sua própria vida, Bia. Você foi mãe muito menina ainda. Como você mesma diz, viveu os últimos vinte anos em função da maternidade, mas completou 36 anos há poucos dias, acho que é hora de descobrir e libertar a mulher que existe aí, que tá guardada implorando pra sair. Vai sair, vai curtir, vai beber, vai beijar na boca e tirar as teias de aranha Acho que seu hímen até já se reconstruiu de tanto tempo que não entra nada aí. Quando foi a última vez que tu teve alguma coisa com alguém? Ainda lembra?
Sorrio.
— Lembro. E não sinto falta, nunca achei tudo isso.
Revira os olhos.
— Isso porque tu deve ter dormido só com aqueles egoístas que entram e saem por dois minutos e depois dão as costas.
Reflito um pouco. Não acho que esteja certa, Renato era até atencioso. Babaca, mas atencioso.
— Paty tá certa, Bia — arregalo os olhos, sentindo um pouco de constrangimento. Engulo seco e viro. — Bom dia, meninas! — Entra na cozinha sorridente.
— Bom dia, Gudelícia! É hoje que você realiza meu sonho e me tira o atraso?
— Delícia é você, Paty. Mas não, não vou tirar seu atraso. Não estou afim de ser esfaqueado por Jonas por te ajudar a chifra-lo, mas posso dar uns conselhos a ele.
— Bem que eu gostaria, ele anda meio devagar.
— Queria o quê, Patrícia? O homem tá com cinquenta e sete anos, não tem como ter o pique de antes não — me meto, aproveitando que a atenção de Gustavo está toda nela e o assunto sobre mim foi esquecido.
— Acontece que ele não anda tendo pique nenhum.
— Dá um azulzinho pra ele que resolve.
— Azulzinho pra quem? — Hellen pergunta, entrando na cozinha com o noivo a tiracolo.
Eles marcaram de vir aqui hoje montar o cardápio do casamento e pediram a ajuda dos melhores amigos, mas pelo que vejo Letícia está atrasada, como sempre.
— Paty tava reclamando que Jonas anda devagar, só aconselhei a dar a famosa pílula azul pra ele.
— Pílula azul pra quem? — Letícia pergunta entrando na cozinha. Fico surpresa por ela não ter atrasado tanto.
— O marido da Patrícia, mas agora vamos deixar isso pra lá e começar com isso. Paty e eu preparamos várias opções de doces e salgados para vocês experimentarem e montarmos pelo menos um cardápio prévio. Vocês têm até um mês antes do casamento para fazer alterações.
— Mas só porque Hellen é filha da dona e um mês antes só se for pequena alterações viu — Patrícia pede.
— Isso. Não inventem de mudar o cardápio inteiro não, só coisas pequenas como o sabor do bolo ou tirar um item e colocar outro.
— Ouviu, Hellen? — Gustavo perturba e sorrio. Ela é mesmo muito indecisa.
Passamos toda a tarde planejando o cardápio de forma que harmonize com a temática e a decoração do casamento.
Com todas as escolhas dos doces e salgados previamente feitas, Patrícia e eu separamos o que sobrou em recipientes de isopor, distribuindo entre os quatro.
— Sobre o menu do jantar, vocês podem vir na quarta-feira da próxima semana por volta das nove da manhã, é quando Juliano vai ter disponibilidade — informo, conferindo se todas as bocas dos fogões estão realmente desligadas.
— Mainha — Hellen chama quando termino de trancar tudo. — João e eu vamos no cinema, depois vou dormir lá no apê dele.
— Tá certo, meu amor.
— Mas não se preocupe que nós vamos te deixar em casa antes, sogra.
— Tá sem carro, Bia? — Gustavo se intromete.
— Sim, bateram em mim ontem e tive que acionar o seguro — arregala os olhos. — Relaxa, foi uma batida leve, mal senti, mas amassou a traseira e vou ficar sem ele uns dias.
— Ah, entendi. Então eu posso te levar.
— Não precisa, posso muito bem pegar um Uber, não quero atrapalhar nenhum de vocês.
— Não vai atrapalhar, tô indo na casa de Bruno, fica há cinco minutos do teu prédio. Além disso, será um prazer ser seu chofer, moça — pisca o olho direito.
— Tudo bem, aceito a carona, mas guarda tuas piscadas para as meninas da sua idade.
— Isso mesmo, mainha, coloca esse safado no lugar dele. E você, senhor Gustavo, fique longe da minha mãe. Tô de olho em você — aponta dois dedos dos seus olhos para ele, reafirmando sua fala.
Gustavo não diz nada, apenas sorri e pega mais uma coxinha da sua marmita.
Confiro se a porta realmente está trancada e o sigo para o carro dele. Abre a porta, sorrindo galanteador.
— Gustavo, às vezes desconfio que se eu não fosse mãe da tua melhor amiga tu ia dar em cima de mim.
— Não nego nem confirmo.
— Tu não vale nada mesmo, não é?
— Nunca disse o contrário.
Pisca novamente o olho direito a dá a volta, assumindo o volante.
O silêncio recai sobre nós por alguns minutos, até ele parar em um sinal e decidir falar.
— Sem querer ser invasivo, mas já sendo — me olha rapidamente — responda apenas se quiser. É verdade que você não acha sexo nada demais, ou estava apenas querendo tirar Patrícia do teu pé?
A pergunta íntima não me surpreende, os amigos de Hellen, os mais próximos que frequentam minha casa e têm maior convivência comigo, que atualmente são apenas Gustavo e Letícia, não me tratam como uma mãe, sabe, cheios de dedos, evitando certas brincadeiras e assuntos. Não. Eles me tratam como uma amiga, como “alguém da turma”. Acho que por eu ser jovem e muito mente aberta, se sentem à vontade para fazer perguntas como essa e falar sobre esses assuntos comigo ou perto de mim.
Não me incomoda, na verdade até gosto. Sei que a maioria dos jovens não falam sobre esses assuntos com seus pais, eu mesma nunca falei sobre sexo nem nada do tipo com minha mãe e acabei ficando grávida aos quinze anos, porque possuía pouca informação e muita curiosidade. Ser uma mãe diferente da minha era um objetivo, não tratar o assunto como tabu era parte disso.
— É verdade. Pra mim nunca foi isso tudo que todo mundo fala.
— Isso é triste. Para mim é uma das sete maravilhas do mundo, é uma das minhas sete maravilhas. Acho que Patrícia tem razão, tu nunca deve ter se envolvido com os caras certos.
— Talvez sim — dou de ombros, indicando que não me importo.
— Quanto tempo...?
— Muito.
Sorri diante da minha resposta evasiva e muda de assunto, falando sobre o casamento, o cardápio que montamos hoje e até sobre sua irmã e a adaptação dela ao curso e país novo.
— Está entregue.
— Obrigado — sorrio e me despeço.
Fecho a porta e dou as costas, mas ele me chama e volto.
— Se precisar de alguém que te apresente uma das sete maravilhas do mundo, estou a disposição.
— O quê? — junto as sobrancelhas confusa. Ele não responde, apenas pisca o olho direito e dá partida no carro.
Entro no prédio ainda confusa e nem cumprimento seu Geninho, o porteiro gentil e simpático. Apenas quando entro em casa é que me lembro da conversa durante o trajeto e arregalo os olhos.
Ele flertou comigo?
Puta merda!
Acho que o melhor amigo da minha filha acabou de flertar comigo.
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