20. Excursão Escolar
Estava à beira de entrar em um dos cinco gigantescos ônibus amarelos, em frente à escola, quando o diretor, de repente, pigarreou ao meu lado, chamando minha atenção. Aquele rato do Luan, fingindo que nem me conhecia, adentrou o ônibus apressadamente, deixando-me sozinho com o diretor.
— Senhor Drummond.
— Senhor Pereira — respondi com um sorriso cínico ao chamá-lo pelo seu sobrenome.
— É apenas Aroldo! Ou melhor, para você, é senhor diretor. Ouvi dizer que tem faltado à escola. Já não tinha muito para se orgulhar com o seu histórico escolar, e agora até mesmo sua frequência perfeita foi quebrada. Será que precisarei convocar seus pais para uma conversa?
Aquele velho era um chato de galocha. Faltei apenas na semana em que fiquei doente, com atestado, além dos dois dias que não fui para a escola para ficar com Luan. Ele próprio faltou mais, mas a corda sempre arrebentava para o lado mais fraco. Não era à toa que seu filho, Rafael, era tão insuportável.
Após minutos de sermões do diretor, que não levaram a nada, finalmente pude entrar no ônibus da excursão. Garotos e garotas brincavam e conversavam enquanto o veículo não partia.
Ao avistar Luan no fundão, sorri e fui em sua direção. No entanto, fui impedido no meio do caminho quando uma mão me puxou para o assento ao seu lado.
— Fica por aqui, Kevin — disse Vinicius, jogando-me ao lado dele sem aviso prévio.
— Não vai querer se isolar de novo com o esquisitão no passeio, não é? — provocou Douglas na fileira ao lado.
— Mas já tinha combinado de ir sentado com o Luan...
— Mas ele já está acompanhado. Não vai querer interromper o casal, não é? — com um nuance zombeteiro Lucca, ao lado de Douglas, olhou para trás.
Virei-me no meu assento, notando uma garota de aura sombria sentada junto ao Luan, cuja expressão dele indicava relutância em estar ao seu lado. Seu vestido preto quase estava em sintonia com o look mais intimista de Luan. Contudo, a garota de pele demasiadamente pálida se mostrava muito mais excêntrica do que ele. O vestido apresentava mangas longas e levemente bufantes, aliado a uma saia em camadas, meias-calças opacas e botas altas de cor púrpura compunham sua indumentária. Uma gargantilha de veludo e luvas longas sublinhavam a clara mensagem do seu estilo gótico.
— A "Dama das Sombras" — comentou Vinicius ao meu lado, soltando uma risada silenciosa.
— Quem?
— A Dama das Sombras — Douglas repetiu do outro lado. — Nunca ouviu falar dela, mano? Ela está em uma outra turma do segundo ano. Ainda assim os boatos sobre ela circulam por toda a escola.
— Dizem que ela se alimenta de sangue — Lucca falou sobre o ombro de Douglas, rindo. Bufei diante da sua fala, afinal estavam criando teorias estereotipadas por sua aparência gótica. — Deixe os dois esquisitões lá, Kevin. Eles formam um belo casal.
Fui compelido a olhar para trás mais uma vez. Luan me olhava, quase que consternado por aquela situação. Já a gótica ao seu lado ouvia música em seus fones. Diferente das outras meninas, ela não parecia querer flertar com Luan. Possivelmente só se sentou ao seu lado por ser o único lugar vago do ônibus.
Antes que pudesse sugerir uma troca de lugares, o veículo começou a se movimentar, forçando-me a permanecer em meu lugar com meus amigos.
🌊
Chegamos ao nosso destino apenas duas horas depois de nossa partida. Meu corpo estava todo dolorido devido ao tempo sentado no ônibus, por isso dei uma leve espreguiçada ao saltar dele. Alunos formavam filas indianas conforme desciam dos seus respectivos ônibus, seguindo orientações dos professores. Fiz com que meus amigos fossem na frente, aguardando em frente ao ônibus até que Luan descesse.
— Desculpa por não ter ido sentado contigo — me desculpei assim que percebi que ele foi o último a descer junto à gótica. A garota nem olhou em minha direção, apenas deu as costas a nós dois e seguiu caminho em direção a fila.
— Relaxa. A conversa com a Thalia foi supeeeer divertida.
O tom de deboche de Luan era evidente. Embora eu não tenha conseguido cumprir minha promessa de passar o tempo todo com ele, ainda assim não tinha razão para ele me culpar pela situação.
— Ao menos conversaram.
— Seria melhor nem ter tentado puxar assunto. A garota é doida de pedra. Não é à toa que não tem amigos — Luan falou com as mãos nos bolsos, enquanto caminhávamos.
Olhei para as costas da gótica mais distante e, de certa forma, compadeci-me por ela estar sozinha. Se eu me senti mal ao imaginar pelo que Luan passou ao ficar sozinho em excursões passadas, o mesmo poderia se aplicar a ela.
— O que acha de chamarmos ela para andar conosco?
— Claro, faça isso — disse Luan, me fazendo sorrir ao me surpreender com seu raro momento de empatia. — Mas aí ande você e ela sozinhos. Deus me livre passar mais um minuto perto dela e ouvir sobre suas músicas góticas e poesias sombrias.
Meu sorriso desapareceu, resultando em uma expressão de desprazer. A parte sobre poesias sombrias me chamou atenção, mas decidi respeitar seu desejo. Seria apenas eu e Luan.
Ele permanecia visivelmente relutante em relação à excursão, avançando com sua mochila pesada nas costas enquanto observava ao redor. Sua expressão indicava uma certeza firme de que ele e eu precisavam manter uma distância segura dos meus amigos para evitar interações indesejadas. O mal humor estampado em seu rosto revelava que ele ainda não estava convencido da prometida diversão que a excursão poderia oferecer.
Seguimos os professores enquanto adentrávamos o Parque Nacional. Inicialmente, a reserva se concentrava numa área de fiscalização governamental, mas à medida que avançávamos, nos deparamos com a transição para uma vasta floresta.
Ao ultrapassarmos um ponto específico, a civilização cedia espaço para a exuberância selvagem, e em breve, estávamos imersos na grandiosidade daquela fauna quase intocada. O ar fresco da floresta despertava nossos sentidos, enquanto os sons dos pássaros da fauna local ecoavam ao nosso redor.
Finalmente, chegamos a uma extensa plataforma de ferro, suspensa como se fosse uma ponte prolongada com fortes cabos de sustentação que iam de um lado ao outro do trajeto, proporcionando uma vista magnífica. Sob nossos pés, o ferro rangia levemente, criando uma trilha sonora para a iminente maravilha que se desvelava.
À nossa frente, uma catarata se apresentava em toda sua plenitude. As águas fluíam com uma força impressionante, criando uma sinfonia incessante das águas que despencavam de uma altura insondável em direção ao abismo.
A visão lá de cima revelava a dança frenética das gotas d'água, que pareciam tecer um véu líquido ao caírem em cascata. A névoa que se elevava com a queda criou uma atmosfera etérea, envolvendo tudo em uma bruma suave. A força implacável da água colidia com as rochas abaixo, gerando uma explosão de espuma branca que parecia se estender até o infinito.
Numa tentativa desafiadora de encontrar um espaço nas movimentadas barras da ponte, onde tantos outros alunos se aglomeravam em busca de uma visão privilegiada, Luan e eu finalmente encontramos um refúgio mais tranquilo no canto. Nos encostamos nas barras, escapando da agitação do restante da multidão, proporcionando-nos um momento íntimo para apreciar a paisagem diante de nós. Dessa forma pude sentir a leveza da umidade no ar.
Após um período absorto na contemplação deslumbrante, virei o olhar para o lado e testemunhei o brilho nos olhos de Luan. Assim como eu, ele estava completamente cativado por toda aquela visão. De forma boba, sorri diante da sua alegria, mesmo que ele não tenha percebido.
Subitamente, um flash proveniente das minhas costas quebrou meu devaneio, fazendo com que nós dois nos voltássemos bruscamente. Leticia segurava uma máquina fotográfica, exibindo um sorriso travesso após capturar um momento nosso.
— Para o clube de fotografia — ela se justificou, aproximando-se para mostrar o resultado da foto na tela da câmera.
— O que é isso?! Fiquei parecendo um idiota nessa foto. Apaga isso aí — reclamou Luan, mas Leh ergueu a câmera para longe de suas mãos. A meu ver, a foto estava perfeita, mesmo que Luan, na imagem, parecesse um ouriço assustado com a boca escancarada.
— Nada disso. Se você ficou feio na foto, então faz jus a realidade.
Apesar da provocação de Leh, ambos sabíamos que não era verdade. Afinal, Luan poderia ser muitas coisas, mas feio definitivamente não era.
— Ah, é? E é assim que você espera que eu te passe o número do James? — ele rebateu.
Leh deu de ombros antes de responder.
— Kevin já me passou o contato dele. Estamos conversando há dias.
Luan imediatamente me lançou um olhar zangado, enquanto eu tentava forçadamente rir daquela situação.
— Se acalme, Luanzinho. Talvez nem role nada além de amizade — Leh disse, soltando um longo suspiro. — Estamos conversando há dias, e ele até agora não deu nenhuma brecha de estar interessado. Das duas uma, ou não está interessado de fato, ou ele é bem marcha lenta.
Aquelas palavras pareceram trazer alívio a Luan. Ainda assim ambos sabíamos que o interesse de James era real, o grande problema parecia residir na inexperiência dele com garotas. Ele simplesmente não sabia como dar o próximo passo.
Nesse momento, nós três percebemos a presença de um garoto com expressão fechada passando próximo a nós. Ele apressou os passos, tentando evitar ser notado, mas era inevitável não percebermos Christian naquela ponte.
— Ele não vai te incomodar? — Mesmo com todos os motivos para ter rivalidade com Leh, Luan mostrou preocupação com ela assim que Christian se foi. Leticia negou com a cabeça.
— Esse idiota não vai estragar a excursão. E se ele me irritar, coloco ele em um barril e jogo ele catarata abaixo — Eu ri ao perceber a referência de minha amiga a um episódio de Pica-Pau, enquanto nossos olhares se voltavam mais uma vez para as águas que fluíam diante de nós na queda d'água.
— Posso providenciar as capas de chuva amarelas, se precisar — Brinquei.
Ficamos por mais um tempo admirando a incessante queda d'água. Contudo, quando os professores julgaram ser o suficiente, decidiram nos conduzir de volta a trilha. Leticia se despediu de nós e foi se juntar às suas amigas. Era novamente só eu e Luan.
Enquanto caminhávamos pela floresta, eu utilizava minha prancheta para anotar e descrever o que víamos. Queria adiantar as atividades, afinal, não faltavam tarefas escolares relacionadas a essa excursão: identificação de plantas e insetos, coletas de amostras para análises futuras na escola, mapeamento das áreas visitadas, pinturas de paisagens naturais, escrita de diários de campo... Eram tantas atividades que nem sabia como conseguiria entregar tudo a tempo.
Já Luan, por sua vez, não parecia se importar tanto com isso. Ele nem sequer cogitou abrir sua mochila e pegar seu material para iniciar as atividades.
Após uma longa caminhada, quando já estava sentindo meus pés doerem, chegamos a uma clareira. Nossos professores responsáveis nos informaram que montaríamos nosso acampamento naquele local.
Foi delimitada uma área entre uma faixa amarela alocada por eles que seria o limite máximo que poderíamos atingir. Após essa faixa ser colocada, os professores nos deixaram livres para ajudarmos como quiséssemos, seja montando as várias barracas, colhendo gravetos dentro do perímetro permitido ou auxiliando no acendimento das fogueiras.
— Kevin, vem nos ajudar! — Um pouco mais distante, consegui ouvir Douglas me chamando. Os três estavam com o tecido longo de uma barraca e suas hastes em mãos.
Olhei em direção a Luan, que me sorriu de forma complacente.
— Você já ficou muito tempo comigo hoje, Kevin. Pode ir lá.
Olhei mais uma vez para meus amigos e balancei a cabeça em negativa. Voltei então o olhar para Luan, que me encarou de volta confuso.
— Me segue.
Mesmo sem entender, ele obedeceu, enquanto eu deixava minha mochila ali. Nos afastamos aos poucos dos demais. Fiquei olhando para o chão, fingindo procurar gravetos. Não tardou para Luan perceber que esse não era meu objetivo, afinal havia vários em minha frente, e eu não pegava nenhum. Cada vez mais, recuava lentamente para trás com ele em meu encalço.
Quando acreditei que já estávamos longe o suficiente dos olhares de todos, passei por debaixo da faixa amarela com Luan em minha cola, e então começamos a correr floresta adentro, após cruzarmos a área máxima que deveríamos ficar.
— Vem cá — Joguei Luan contra uma árvore, louco de vontade de beijá-lo ali mesmo.
— Aqui não — ele desviou de imediato, agarrando minha mão e fazendo com que adentrássemos ainda mais pela floresta. — Acha mesmo que somos os únicos que dão aquela escapada para se beijarem? Aqui ainda é muito perto, podemos ser vistos.
Luan continuava a afastar-se do local onde o pessoal montava o acampamento. Se sua presença não me trouxesse conforto e meu desejo de ficar próximo a ele não fosse tão forte, eu certamente teria sido racional o suficiente para sugerir que voltássemos. Contudo, não o fiz. Talvez esse tenha sido meu erro...
Depois de nos distanciarmos consideravelmente da clareira, Luan me lançou abruptamente contra uma árvore, encostando sua cabeça em meu ombro até que sua boca encontrasse meu pescoço, depositando um beijo intenso no local.
— Que saudades do seu cheiro — Ele disse, subindo lentamente em direção ao meu rosto. Era uma colônia barata, mas se ele gostava, quem sou eu para julgar. — Não vai dizer nada?
Ele me encarou com aquele olhar travesso de sempre, como se quisesse me provocar. Dessa vez, no entanto, eu não estava disposto a deixar Luan ter o controle. Com um sorriso malicioso, empurrei-o para longe, afastando-me da posição em que estava prensado. Então foi minha vez de jogá-lo contra a árvore.
— Hoje o lobo mau sou eu — Falei, enquanto ele olhava surpreso minha atitude repentina e minha boca se aproximando da sua.
O beijo foi mais molhado do que eu gostaria. Às vezes, ainda me atrapalhava nessa arte de beijar. Mas Luan não pareceu se importar.
Antes, qualquer sinal de eu dominá-lo durante o beijo parecia afetar seu ego. Parecia que para se sentir "homem de verdade", ele quem teria que dar todas e quaisquer diretrizes. No entanto, o tempo foi passando. Fomos criando intimidade, e com isso, ele foi se desarmando. Sentiu-se na liberdade de ser quem quer que quisesse ser diante de mim. E para ele não importava mais quem tinha o controle da situação; ele simplesmente gostava de me beijar, gostava de entrelaçar nossos dedos, gostava quando nossos corpos estavam unidos.
— O que foi, gato? — Luan perguntou ao perceber meu olhar pensativo, passando os dedos pelo meu cabelo enquanto me mantinha abraçado, ainda encostados naquela árvore.
— Só estava aqui pensando, como você sabia que os alunos costumam dar uma escapada nas excursões para ficarem?
— Ora, Kevin. Não é óbvio? Já fiz muito isso. Mesmo não andando com ninguém nos passeios, ainda assim quando alguma garota flertava comigo, íamos para trás de alguma mata darmos uns pegas. Depois, voltávamos como se nada tivesse acontecido.
Não consegui esconder minha careta de ciúmes. Só o fato de pensar que essa "fugidinha" de agora não era algo inédito para ele já embrulhava meu estômago, ainda mais em imaginar Luan com outra pessoa. Principalmente essa pessoa sendo uma garota. Ou será que se ele tivesse ficado com um cara, me sentiria ainda pior? Eu nem sei dizer.
— Ah, Kevin, não vai sentir ciúmes agora, né? Isso já passou. E mesmo assim, você tem que saber lidar com isso. Afinal, quando eu for ficar com alguém, você não vai poder simplesmente surtar.
Meu queixo caiu instantaneamente. Eu e Luan não tínhamos um relacionamento propriamente dito, mas verbalizar isso assim era como se dissesse que nosso rolo era algo menos significante do que eu imaginava.
— Está me dizendo que ficaria tudo bem se me visse beijando outro? — Sim, enfatizei a palavra 'outro'. Afinal, não passava pela minha cabeça querer beijar uma menina. Se bem que, o único que eu queria beijar de fato era o Luan.
— Bom, se eu vou ficar com outras pessoas, tenho que estar de boas com você beijando outras bocas.
Luan balançou os ombros, ainda me mantendo em seus braços. Porém, imediatamente me desvinculei. Definitivamente, não era isso o que eu queria. Olhei para o céu, buscando me afastar de seu olhar.
— Kevin, qual é? Vem cá, vamos conversar.
— Hey, Luan — falei, apontando com a cabeça para o céu. — Está mais escuro do que eu pensava.
Quando finalmente olhamos para cima, percebemos que o céu estava rapidamente mudando de um azul-marinho para preto. Eventualmente, eu me dei conta de que a bioluminescência, proveniente de algumas plantas e organismos da floresta que emitiam luz própria, nos distraíram e criaram uma ilusão de percepção da escuridão, fazendo com que não percebêssemos quando começou a anoitecer.
— Vamos voltar.
Percebendo que deveríamos ser rápidos antes que percebessem nosso sumiço, caminhamos floresta adentro em direção ao acampamento. Ou, ao menos, onde acreditávamos que ele estivesse.
Entretanto, depois de voltas e mais voltas, e de estarmos andando por muito mais tempo na volta do que foi no caminho de ida, me dei conta de que o pior havia ocorrido.
— Você não sabe onde estamos, não é?
— Sei. Mais ou menos. Relaxa, Kevin. Já devemos estar chegando.
Apesar de Luan dizer isso, cada árvore pela qual passávamos parecia muito com a anterior. Não sabia dizer se estávamos andando em círculos, indo para o caminho certo ou simplesmente indo para o lado oposto.
— Luan, para! — falei, puxando seu braço quando finalmente me cansei. — Estamos perdidos, caramba!
— Me desculpa, Kevin. Eu te trouxe pra cá e acabei nos perdendo — Luan levou sua mão à própria nuca de forma tímida. Não pude deixar de achá-lo fofo se desculpando, mesmo ainda estando irritado com ele.
— Está tudo bem, agora já foi. Você deveria ter marcado o caminho com migalhas de pão, igual o João e Maria — brinquei, tentando descontrair o clima.
— Você nunca leu João e Maria? No livro, os pássaros comem as migalhas de pão — Luan falou rindo da minha sugestão nada funcional.
Ele pegou do bolso seu celular, com a esperança de que houvesse sinal e pudéssemos pedir ajuda. Porém, como previsto, não havia sinal algum. Meu celular, por sua vez, ficou em minha mochila que deixei no acampamento antes de virmos para cá.
— Perdidos na floresta, sem sinal e com fome. Igualzinho nos filmes de terror — falei sarcasticamente, enquanto Luan usava a lanterna do celular para iluminar o caminho pelo qual seguíamos à deriva, afinal, já havia anoitecido completamente.
— Cala a boca, otário. Não vem querer me assustar.
Luan parecia amedrontado com a menção de filmes de terror. Afinal, ele já havia me dito que tinha medo deles.
— Tá com medinho, é? — provoquei, balançando meu ombro no dele.
— Nenhum pouco — Luan mentiu, desviando o olhar.
Mesmo achando graça da situação, peguei sua mão livre e entrelacei nossos dedos.
— Não estou com medo de estar perdido, Luan. Porque estar com você me acalma.
— Também não tenho medo de monstros nem fantasmas — ele disse fazendo um bico, embora duvido que fosse verdade. — Nem de canibais que se escondem na floresta — Que tipo de filmes Luan deveria estar andando vendo? — Mas será que tem ursos nessa floresta? Se lembra se algum professor mencionou isso?
Enquanto Luan temia um possível ataque de ursos, eu me preocupava mais se a bateria do celular duraria até o fim da noite. E, mais do que isso, se seriamos encontrados no dia seguinte. Afinal, já vi em alguns noticiários que pessoas que se perdem em florestas como essa, as vezes levam dias, quiçá semanas, para serem encontradas. Será que já haviam dado falta da gente?
— O que devemos fazer? Dormir aqui, tentar acender uma fogueira ou continuar a andar? — perguntou Luan, ao chegarmos a uma clareira na floresta.
— Nós dois somos muito urbanos, especialmente você, um burguês de condomínio, ou melhor, de mansão. Não conseguiremos sequer acender uma fogueira. Acho melhor continuarmos andando um pouco mais.
Mesmo levemente ofendido, Luan concordou. Com a noite cada vez mais fria, sem uma blusa para me aquecer, Luan envolveu seus braços ao redor de mim, vindo por trás, enquanto caminhávamos, a fim de um aquecer o outro com o calor dos nossos corpos.
— Ouviu isso? — sussurrei.
— Deixa de tentar me assustar! — retrucou Luan, sua irritação transparecendo na voz.
Não era minha intenção provocá-lo, pelo menos não desta vez. Genuinamente, acreditei ter captado um som vindo das sombras atrás de nós. Contudo, ao olhar para trás, nada vi que pudesse ter causado esse barulho.
Quando estávamos prestes a parar para descansar, ouvimos o som de água batendo em rochas bem distante, renovando nossas esperanças. Acreditando ser a cachoeira próxima ao acampamento, corremos na direção do som animados.
Luan e eu nos deparamos com uma surpresa: uma praia costeira de areia branca iluminada pela luz da lua, após saímos da densa floresta. Percebemos que não era a cachoeira, mas sim o som suave das ondas do mar batendo nas rochas da pequena praia.
Prontamente ficamos descalços, sentindo a areia fina sob os pés enquanto nos dirigíamos às margens do mar. Juntos, contemplamos o vasto oceano sob a luz noturna daquela madrugada, perdendo-nos na imensidão das águas que se estendiam diante de nós.
— Luan, olhe para a praia — indiquei, observando o local mais atentamente. — Não há lixo por aqui.
— Isso é algo ruim?
— Claro que sim. Lixo significa presença humana. Aonde as pessoas vão, deixam suas marcas em forma de lixo. Se não há lixo, significa que ninguém vem aqui há pelo menos muito tempo.
Luan ergueu a sobrancelha. Eu estava surtando com a possibilidade de não sermos encontrados.
— Veja — Ele apontou para marcas molhadas na areia, perto das rochas no topo da praia. — A maré estava alta até pouco tempo. Possivelmente o mar levou o lixo embora. Não significa que seja uma praia abandonada. Está deserta agora, mas não deve ser sempre assim. Tente se acalmar, Kevin.
Luan tentava me tranquilizar, e seus esforços estavam surtindo certo efeito.
— Estou exausto. Vamos descansar, amanhã vemos o que faremos — Luan disse, e eu concordei.
Ele tirou a camisa, me fazendo corar. Luan estendeu a camisa na areia para usar de apoio, e então se deitou sobre ela. Compreendendo o gesto, estava prestes a fazer o mesmo, mas ele me deteve.
— Não precisa sujar sua camisa.
— E quer que eu durma na areia? Vai dar no mesmo, no fim.
Luan não respondeu inicialmente. Apenas deu leves tapas na região do seu próprio peito com a palma da mão.
— Deita aqui — sugeriu. Fiquei ainda mais vermelho com a ideia de me deitar sob ele.
— Luan, e se alguém aparecer e nos ver assim?
— Não vai acontecer, Kevin. Além disso, tenho sono leve. Vem cá, quero dormir com você.
Meio tímido, acabei cedendo. Minha cabeça encostou em seu peitoral enquanto ele afagava meu cabelo.
Ouvir o batimento de seu coração, ter aquele garoto incrível mimando e cuidando de mim, me fez não temer mais o que eu estava prestes a fazer. Diante de tudo, percebi que não deveria mais esconder isso do Luan.
— Eu te amo.
Conforme as ondas batiam nas rochas, o único outro som que ouvi foi o batimento acelerado de seu coração. Luan não estava dormindo. Ele ouviu, mas não respondeu. Porém, continuou passando a mão em meu cabelo até que eu adormecesse em seu colo.
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