16. Mi Casa Es Su Casa
Já passava das onze da noite quando nós, exaustos, chegamos à minha casa. Já era esperado que ao adentrar, meus pais estivessem no meu aguardo, putos da vida.
— Kevin Wallace Drummond! Você perdeu o juízo? Olha a hora! — A mulher com cabelos em forma de coque, de braços cruzados, lançava-me um olhar fulminante. Seu olhar irritado quase me fez querer dar meia volta e retornar para a casa dos Pimentel.
— Kevin, já falamos. Quando tiver um recital no sarau, tem que nos avisar com antecedência para que eu e sua mãe não fiquemos preocupados — Ao seu lado, meu pai falava de forma mais pacífica, ajustando os óculos de armação quadrada com o dedo enquanto observava o garoto acanhado ao meu lado.
— Não foi isso. Desculpa não ter avisado, meu celular descarregou — Menti, afastando-me para revelar Luan. — Aconteceu um imprevisto. Esse é Luan, um amigo da escola.
Luan acenou meio sem jeito com sua mão livre para meus pais, enquanto segurava um saco com suas roupas na outra mão e mantinha a mochila nas costas.
— Sim? — Desconfiada, minha mãe arqueou a sobrancelha. Afinal, o que um amigo meu estaria fazendo em casa às onze da noite?
— Como eu disse, houve um imprevisto. Seus pais tiveram que fazer uma viagem a trabalho de última hora. E, como Luan não sabe cozinhar, não quiseram deixá-lo sozinho em casa. Luan me ligou desesperado, por isso fui socorrê-lo. Então ele pode ficar aqui por alguns dias até que seus pais voltem, né?
— Semanas — Luan corrigiu, fazendo-me sorrir de forma forçada. Não imaginei que o empecilho em relação a não poder frequentar a casa do James fosse durar tanto tempo.
— Luan, querido, poderia nos dar um minutinho a sós? — Com um sorriso amável, minha mãe dirigiu-se a ele, e ele assentiu com a cabeça.
Nos afastamos para um canto da sala, deixando Luan no sofá. Enquanto para ele tudo eram sorrisos, eu já antecipava o olhar reprovador de minha mãe:
— Kevin, você enlouqueceu? — Sussurrou, para que Luan, do outro lado da sala, não nos ouvisse. — Não pode simplesmente aparecer do nada e pedir para hospedarmos alguém aqui por semanas.
— Se o problema for dinheiro, eles nos deram o suficiente para cobrir os gastos dele aqui — Argumentei, lembrando-me do dinheiro que ele possuía guardado.
— Não é tão simples assim, Kevin. As coisas não são dessa forma — Meu pai interveio, mantendo a voz serena.
Minha mãe olhou para Luan por cima do ombro, ponderando. Sua postura quieta e tímida transmitia a impressão de ser uma pessoa adorável. Mal ela sabia da peça.
— Está tudo bem — Disse ela em voz alta, assegurando-se de que Luan ouvisse desta vez. Meu pai não contestou, afinal, todos sabíamos que minha mãe era quem tomava a decisão final em casa. — Mas precisamos falar com seus pais. Preciso ter certeza de que o que vocês dois estão dizendo é verdade e que você não fugiu de casa.
De longe, vi Luan engolindo em seco, temendo que nossa mentira fosse desmascarada. Entretanto, a sorte sorriu para nós quando meu celular tocou.
— Achei que tinha dito que seu celular tinha descarregado — Minha mãe estreitou os olhos na minha direção. Ri forçado, enquanto verificava quem estava me ligando.
— É a mãe do Luan. Sei disso porque salvei o número dela mais cedo.
— Atenda e ponha no viva voz — Minha mãe disse inquisitiva. Luan se aproximou, confuso, tentando entender o que estava acontecendo.
— Alô? É a senhora Drummond? — A mulher do outro lado da linha disse.
— Isso. Que bom que ligou. Perdão, como se chama mesmo?
— Vivian, querida. Desculpa pedir isso assim, e tão em cima da hora. Mas quando o dever chama, não temos muita escolha. Espero que não seja um problema cuidar do Luan por um tempo.
— De maneira alguma — Minha mãe respondeu de forma simpática e prestativa, com meu pai assentindo atrás dela. — Para Kevin ter trazido ele para cá, eles devem se dar muito bem. Ele sempre quis um irmão, afinal, vai ser que nem ter um.
Mamãe não fazia ideia de que o que eu e Luan fazíamos não tinha nada a ver com o que irmãos faziam. Mas era melhor deixar baixo.
— Me perdoa, meu voo já vai sair. Desculpe novamente pela situação e pelo horário. Muito obrigada por cuidar do meu filho.
— Imagina, pode ficar tranquila. Seu filho está em boas mãos. E quando voltar, adoraria conhecê-la pessoalmente.
— Iremos marcar sim.
Após isso, ambas desligaram a ligação. Mamãe suspirou, como se não tivesse mais nada que pudesse fazer.
— Seja bem-vindo, Luan. Qualquer coisa que precisar pode pedir a mim, Rosana. Ou ao meu marido, Téo. Kevin, mostre para Luan o seu quarto e pegue o colchão reserva no meu quarto.
— Não se preocupe, senhora Rosana. Já sei onde fica — Luan disse enquanto subia as escadas em disparada.
Mamãe me olhou brava, buscando entender como ele já conhecia nossa casa. Maldito linguarudo.
— Eu trouxe ele aqui uma vez quando vocês viajaram, para estudarmos.
Minha mãe balançou a cabeça, irritada. Afinal, odiava que eu levasse alguém para casa na sua ausência. Papai, porém, riu de forma descontraída, colocando as mãos em seus ombros a fim de acalmá-la.
🌙🛌
Cheguei no meu quarto alguns minutos depois, trazendo comigo um colchão de solteiro. Estendi-o no chão, enquanto Luan se movia para o lado para não obstruir o caminho.
— Desculpa, você vai precisar dormir no chão. Mas podemos revezar. Um dia eu na cama, e no outro você — Falei, enquanto forrava o colchão com um lençol.
— O que foi aquilo ainda agora? — Luan perguntou, referindo-se à ligação.
— Ah, eu liguei para Letícia mais cedo. Ela conhece um aplicativo ótimo para modificar a voz. Falei para ela me ligar e se passar por sua mãe.
Luan me olhou intrigado quando mencionei sobre ela.
— Relaxe, homem. Não falei para a Leh sobre nós. Falei por cima a situação, apenas o necessário para ela nos ajudar.
Ao finalmente terminar de forrar o colchão e jogar o travesseiro que seria usado por Luan em cima do mesmo, me sentei na minha própria cama.
— Tanto porque, a última coisa que sua mãe verdadeira pensaria é em como você está. Afinal, você acabou de dizer a ela que é uma "corna" — Ao perceber que fui indelicado, tentei remediar minha fala: — Quero dizer, que foi traída.
— Aquilo do píer era mentira — Luan deu uma risada abafada, sentando-se ao meu lado. — Inventei aquilo dele ser infiel apenas para terem com o que brigarem entre si e não focarem em me localizar. Até meu pai explicar para ela que focinho de porco não é tomada, o caos na mansão vai reinar. Se bem que, conhecendo-o, não me surpreenderia se ele de fato estiver traindo-a.
— Você é o cão mesmo.
Ambos rimos. Porém, não tardou para Luan voltar a ficar cabisbaixo.
— Bom, aquela janela não possui grades. E para sua sorte, temos uma árvore grande bem em frente a ela — Apontei em direção à única janela do meu quarto. — Quando precisar ir trabalhar no bar à noite, pode escapulir por ela. Afinal, meus pais não seriam tão compreensíveis se você fosse sincero e dissesse que trabalha, então é melhor fazer isso escondido. Além disso, meus pais só chegam em casa à noite, então pode ter a casa toda para você dormir durante a tarde, sem ninguém te atormentar.
— Droga, o bar! Eu havia me esquecido.
Luan pegou o celular em desespero, tentando justificar seu atraso. Contudo, retirei seu celular de sua mão antes que ele o fizesse, tomando a liberdade de desligá-lo.
— O que é isso?
— Hoje não. Você já passou por muita coisa hoje, mocinho — Falei, como se ele fosse uma criança. — Percebi com a forma como você dormiu no ônibus a caminho daqui. Você está exausto mentalmente. Amanhã você vai ter que lidar com as consequências de ter faltado no trabalho. Mas deixe os problemas de amanhã para amanhã. Hoje, sua única missão é escovar os dentes e dormir.
Luan sorriu para mim agradecido — suas olheiras demonstravam que seu cansaço era não somente mental como físico também, colocando a mão em minha coxa. Nossos olhares se cruzaram. Aos poucos, começamos a aproximar nossos rostos, prestes a darmos um beijo de boa noite...
A porta abriu repentinamente, pouco antes de nossas bocas se encostarem. Eu e Luan ficamos de olhos arregalados, bem pertos um do outro, atônitos.
— Luan, deixei uma escova de dentes nova na pia... O que estão fazendo? — Minha mãe perguntou ao perceber nossa proximidade.
— Estamos... Competindo para ver quem é o último a piscar. Por isso estamos tão perto — Falei a primeira mentira que me veio à cabeça, aproveitando o fato de estarmos de olhos bem abertos.
— Ah é? — Mamãe falou em tom travesso. Como eu estava de costas para ela, não percebi sua aproximação sorrateira até que chegasse em mim de vez e me desse um susto, apertando minha barriga. Tal ato fez-me cair na risada e piscar os olhos involuntariamente.
— Para, mãe! — Falei, enquanto rolava na cama de tanto rir. Ela se ergueu, satisfeita em ter feito seu filho perder um suposto desafio. Para que inimigos, não é mesmo?
— Agora vão escovar os dentes e depois vão dormir, vocês dois. Já está tarde, e vocês têm aula amanhã.
Após ela deixar o quarto, eu e Luan respiramos aliviados.
— Acho que, mesmo que meus pais já saibam, ainda não estou pronto para falar para mais ninguém — Luan disse quando ficamos sozinhos.
— Relaxa.
Após escovarmos os dentes, ambos retornamos ao quarto. Eu já estava deitado na minha cama, prestes a desligar o abajur, quando Luan, no chão abaixo de mim, falou:
— Eu esqueci de mencionar. Eu só durmo pelado.
— O quê?!
— Estou zuando — Ele riu, jogando o travesseiro em mim. Devolvi o travesseiro jogando em sua cara.
— Boa noite, Luan — Falei, enfim apagando o abajur.
Achei que de fato fosse conseguir dormir. Mas algo me incomodava. Revirei de um lado ao outro da cama. Os minutos se passavam, mas aquilo ainda martelava em minha cabeça.
— Ainda está acordado?
— Será que estou? — Ele respondeu debochado e com uma voz sonolenta. Devido à penumbra do quarto, não conseguia vê-lo.
— Sei que falei para deixar os problemas para amanhã, mas tem algo que está tirando meu sono.
— Kevin, se for sobre o ocorrido de hoje, não se culpe. Você não tem culpa de nada.
— Pode ser. Imagino que não mesmo. Mas é outra coisa — Falei, endireitando-me na cama. — Tem algo muito sério acontecendo com a Letícia. Estou preocupado.
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