11. Os Planos
ǫᴜᴀɴᴅᴏ ᴀᴄᴏʀᴅᴇɪ, eu estava nos braços de Hazard. Não imagino em qual momento ele se transformou em humano, ou quando de fato apaguei. Tudo o que eu conseguia pensar era no meu pai.
Mesmo querendo voltar e continuar em sua companhia, forcei-me a reagir e ergui a cabeça. Haz abriu os olhos, que eu nem percebi que estavam fechados, e me encarou com um sorriso meio cansado.
Tudo o que consegui sentir foi gratidão. Apoiei-me rapidamente sobre meus joelhos e o capturei num abraço.
— Eu nunca vou me esquecer disso, Haz. Muito obrigada.
— Não há de quê. E eu sinto muito não ter tentado antes, nem te contado quem eu realmente era, eu precisaria recolher o máximo de poder que eu consegui pra te manter em contato com seu pai. Mas você é uma boa fonte, deu tudo certo.
Fonte? Desvencilhei-me do abraço para encará-lo, e pude vê-lo morder o lábio inferior ao perceber o que tinha falado, seguido de um suspirou.
— Eu preciso que você saiba disso de qualquer forma para poder me ajudar. E espero que sua confiança em mim tenha sido restaurada, porque esse foi meu pedido de desculpas pela forma que agi.
— Não precisa se preocupar mais com isso. — a curiosidade tornou minha mente inquieta em um segundo — Mas o que você quer dizer com "fonte"?
— Acontece que, desde a maldição da Primavera, meus poderes ficaram gradativamente mais escassos. De repente, depois de muito tempo, tive uma sensação conhecida: alguma coisa estava revitalizando minhas forças.
— Essa coisa seria eu?
— Exatamente. Você pode me ajudar a quebrar a maldição, e só por esse fato é como se você fosse capaz de amenizar os efeitos dela também.
— Quebrar a maldição? — senti minhas bochechas esquentarem imediatamente, minhas memórias me levando aos contos de fadas da minha infância — Eu tenho que fazer isso como, por um... Beijo? — sussurrei a última parte, e Haz se engasgou com o ar.
— Kai, eu não sou a Bela Adormecida, tá legal? Parece até o Flake, ele adora essas histórias. — ele coçou a nuca, suas orelhas ficando um pouco vermelhas.
— A-Ah. — respirei fundo — E como podemos fazer isso? Como você sabe que eu posso quebrar a maldição?
— Porque você odeia o inverno, assim como eu. — uma voz feminina falou a alguns passos de nós. Quase revirei os olhos quando me voltei à nova presença no ambiente, já cheia dessa mania dela de brotar do além.
Ao contrário de mim, Hazard ficou tenso, mas mesmo assim olhou fixamente para o espírito inimigo, tentando parecer inabalável quando estava sem estrutura para lutar. Aliás, se eles lutassem, o que raios eu poderia fazer para ajudá-lo?
— E o que isso tem a ver? — perguntei, querendo saber logo do que se tratava para conseguir pensar em alguma forma de solucionar o problema.
— Você realmente não sabe nada da história, humana?
— Eu estaria explicando justamente agora, caso você não tivesse nos atrapalhado.
— Eu atrapalhei o casalzinho, então? Que dó. — Primavera forçou uma voz de pena e fez bico — Deixe que eu explico, você está sem forças até para falar.
Hazard bufou, mas também não a desmentiu. Aquilo me preocupou um pouco, porém, tentei esconder.
— Tenha seu discurso de vilã então, Primavera. — falei, finalmente revirando os olhos — Somos todo ouvidos.
— Você está mesmo subestimando o significado disso tudo, não está? — Primavera sorriu afetada. Engoli em seco. — Pois não deveria, Kaira.
Primavera estalou os dedos e algumas das folhas de âmbar acima de nossas cabeças desprenderam da árvore e caíram na neve. Hazard soltou um grito como se ele tivesse sido esfaqueado e tombou, prestes a colidir com o chão, o que me fez abrir os braços e ampará-lo.
Senti meu coração se encolher até quase não existir. Primavera não estava brincando.
— O que é isso?!
— Isso, humana, é minha maldição, que começou há alguns séculos e está para se encerrar. — ela sorriu — Você sabe o que é ser o espírito que dá vida ao mundo mas não consegue gerar nenhuma?
Lembrei-me de quando conheci os gêmeos e Haz explicou que eles ainda eram crianças porque Primavera invejou a mãe dos dois e os amaldiçoou. Justamente porque não conseguia ter seus próprios filhos.
— E por isso você amaldiçoou Snow e Flake também?
— Sim, mas o alvo principal acabou sendo Hazard. Ele é o primeiro filho dos espíritos da neve e do céu.
Encarei Haz com o cenho franzido. Ele ainda se apoiava em mim, mas assentiu de leve e eu voltei a fitar Primavera, agora juntando algumas peças.
— Para te explicar melhor, humana, os espíritos da natureza ou nascem assim, sendo filhos de espíritos, como Hazard e as duas praguinhas — quis bater nela quando se referiu aos gêmeos dessa forma —, ou nascemos humanos e, em algum momento da vida, o Universo nos escolhe para nos tornar espíritos, renovando as forças que mantém o equilíbrio. Para isso, a alma humana precisa entrar totalmente em contato com o Universo. E, no meu caso, eu era humana.
"Durante o contato direto com o Universo, escutei uma voz que me prometia uma nova chance para começar, com a garantia do meu maior desejo da minha existência humana: ser capaz de gerar vida.
Eu senti gratidão no momento. No entanto, quando eu voltei como espírito, percebi que eu continuava com minhas limitações humanas. Eu ainda era estéril. Eu ainda não poderia ter uma família.
E foi aí que eu descobri que o espírito do inverno, ou Winter, como ela gosta de ser mais conhecida — o que eu acho uma frescura — teve um bebê, e ele seria o novo Guardião, eu entendi tudo. O Universo queria me torturar com esse papel de espírito da primavera, nada mais. Afinal, como que aquela mulher fria de uma estação morta podia ter filhos e eu não?
Eu aguentei todo aquele castigo sem sentido por séculos. No entanto, em uma reunião das estações, Winter anunciou que estava grávida novamente. Não existiam condições para aquilo. Talvez eu até teria aguentado mais um bebê do espírito que era meu completo oposto, mas quando vieram gêmeos, eu surtei.
O Universo só poderia estar de brincadeira.
Para começar, eu amaldiçoei as duas praguinhas para não crescerem. Winter ficou arrasada, eu até ri na época, mas não esperava que o Guardião viesse tirar satisfações comigo. Não imaginei que ele me subestimaria tanto.
Hazard até tentou travar uma batalha comigo, mas eu lhe joguei uma maldição nova e vinculei a de seus irmãos a sua. Caso o contratempo do Guardião fosse solucionado, os gêmeos voltariam a crescer, caso não, eles ficariam assim para sempre e Hazard desaparecia.
Além disso, adicionei a linda parte que a família se esquecia dele, e o Guardião foi dado como uma lenda, um espírito esquecido por todos, menos por mim e pelo Universo.
Queria dar um pouco do gosto de como era minha vida, sem ninguém. Confesso que valeu muito a pena vê-lo agonizando, seus pais achando que ele era apenas o 'guarda-costas' de seus filhos, como um espírito inferior que eles salvaram e devia a eles sua vida. Com seus poderes diminuídos, nem seu verdadeiro nome ele tinha mais."
— Você tirou tudo dele?
— Igual o Universo tirou de mim.
— Mas o Haz não estava envolvido nesse seu drama com o Universo!
— Foi o que pensei a princípio. — Primavera sorriu de novo — Depois, eu percebi que havia atingido uma das peças mais importantes do equilíbrio: quem tomava conta das almas. Sempre quis me vingar do Universo por tudo que ele me fez passar. E como uma de minhas qualidades sempre foi a paciência, não me incomodei de esperar alguns séculos pelo meu triunfo.
— E como isso seria revertido?
— Estava esperando por essa pergunta e por esse brilho desesperado em seus olhos. — quis bater nela, de novo — Essa linda árvore de metal é a chave disso tudo. Ao longo dos séculos, ela passaria pelas quatro estações, começando pela favorita de Haz: o inverno. De uma árvore sem graça, ela ganharia flores na primavera e ficaria com folhas verdes no verão.
— E agora ela está no outono?
— Exatamente, no último estágio. — Primavera encarou as últimas folhas que faltavam. Não passavam de seis. — Para se salvar, seu amiguinho precisaria reverter a situação de um humano que tivesse problemas com o inverno, e o indivíduo teria de declarar isso em voz alta. E por isso você conseguiu ver os espíritos, porque você sempre odiou o inverno, não é mesmo, Kaira?
Por que aquilo soava muito mais do que somente a estação? Primavera parecia me olhar com algum tipo estranho de empatia.
— De início — Haz finalmente falou alguma coisa, chamando minha atenção — eu tentei com crianças. Crianças são capazes de ver os espíritos e são mais fáceis de lidar. E realmente tinha uma garotinha pelas redondezas que odiava o inverno e, mesmo depois de mostrar a ela os lados positivos e ela declarar que amava a estação, não funcionou.
Sem saber, Hazard comprovou a teoria que surgia em minha mente. Arregalei os olhos e estava prestes a contá-lo, agora fazendo sentido quando Primavera disse que eu estava atrapalhando seus planos, quando mais duas folhas de âmbar caíram de uma vez.
Ele prendeu a respiração e se apoiou mais em mim. Fuzilei Primavera, que me encarava da mesma forma.
— Quando a última folha cair, eu terei ganhado. Não há mais saída, Kaira.
Desesperada, coloquei-me de frente para Haz e segurei seu rosto, obrigando aquelas duas geleiras quase sem energia a me encarar.
— Haz! Não é a estação, é algo interno. Primavera sempre odiou sua mãe por ela ser a personificação do que ela sempre sentiu em sua alma: um inverno eterno. Ela apareceu para mim um dia porque sabia que eu era uma ameaça, pois eu era a primeira pessoa com quem você realmente poderia quebrar a maldição e quis atrapalhar.
Finalmente entendi porque ele queria que eu fosse embora, para me proteger de algum modo. Mesmo que tenha sido errado tentar decidir por mim, eu entendia sua vontade.
— Kaira.
Primavera avisou, estalando os dedos e mais uma folha caiu no chão. Faltavam só três agora. Haz fechou os olhos com força, lidando com a dor, e meu coração acelerou.
— Como assim, Kai? — ele sussurrou, esforçando-se para entender.
Plaft. Mais uma folha no chão.
— Você teria de curar a alma de alguém, Haz! E você já fez isso, porque...
Fui cortada pelo barulho de mais uma folha atingindo a neve. Eu tinha de estar certa para tirar a expressão de vitória do rosto daquela mulher.
— Digam adeus, casalzinho.
Hazard colocou a palma sobre minha bochecha e sacudiu a cabeça, como se tivesse desistindo. Meu pulso estava a mil e ecoava em meus ouvidos, segurei sua mão sobre meu rosto e falei o mais rápido que pude:
— Você descongelou o meu inverno, Hazard, você foi quem me devolveu o sol que derreteu toda a neve e restaurou minha alma.
Vi Primavera preparada para estalar os dedos e fechei os olhos com força, prendendo a respiração. Minhas esperanças foram cortadas quando ouvi a última folha de âmbar se desprender do galho de prata.
Hazard caiu sem energia sobre mim e eu abri os olhos, já sentindo minhas bochechas quentes por algumas lágrimas. Segurei seu rosto novamente e comecei a repetir o que tinha acabado de falar, desesperadamente.
— Você não me ouviu, Haz? Você me tirou de um inverno sem fim, me fez ver que aquilo não seria para sempre. E me conquistou no processo.
Primavera ria do meu estado. Ela parecia comemorar, e consequentemente plantas cresciam ao seu redor.
Completamente sem rumo, arrisquei a primeira suspeita de como acabar com uma maldição.
Aproximei-me mais de Hazard e uni meus lábios aos dele, sentindo sua maciez já quase inerte. Ele acabou ficando como uma princesa da Disney, e eu só queria que Haz acordasse para fazer alguma piada com aquilo.
Um soluço meu escapou no meio do processo e resolvi me afastar, para quem sabe ter a chance de decorar cada detalhe dele para poder pintá-lo com mais exatidão algum dia, antes que ele desaparecesse, para eternizar sua memória. No entanto, me senti ser envolvida em um abraço e o beijo ser retribuído, carinhoso.
— Haz! — exclamei, distanciando-me e observando suas orbes glaciais cintilarem e um pequeno sorriso surgir em seus lábios.
Lábios que eu havia beijado. Queria cavar um buraco na neve e me esconder.
— Eu te disse que não era a Bela Adormecida.
— Mas você acordou mesmo assim.
Com o som da voz dele e minha risada de alívio, Primavera se virou boquiaberta. Ela não teve tempo de processar o que houve, pois Haz a aprisionou pelo que se pareciam algemas de luz.
— No último segundo, eu não acredito! — ela gritava, desolada — Mais uma coisa que perdi, por quê?! — lágrimas marcaram a pele escura dela, e todas as flores que surgiram com sua comemoração, morreram.
— Primavera, não deveria ser assim. — eu disse. Ela deveria carregar uma nevasca infinita para ter tanta raiva do mundo.
— CALADA! — esbravejou e eu apenas torci para que ela ficasse bem, toda a vontade de cair no tapa com ela se evaporando — Nós ainda nos veremos, Glacier.
— Espero que seja em outras circunstâncias. — Hazard quem respondeu, deixando-me confusa.
Antes que pudesse perguntar qualquer coisa, Primavera gritou de ódio e simplesmente sumiu, libertando-se das algemas. Junto de seu sumiço, a árvore de prata começou a desaparecer, da ponta dos galhos até a base do tronco, deixando para trás uma única folha de âmbar, a última que caiu, mas não chegou a consumar a maldição.
Peguei a folha discretamente e a guardei no bolso do casaco. Eu iria querer pintá-la depois.
— Eu deveria ir atrás dela? — Haz perguntou, virando-se para mim.
— Você acha que deve?
Ele suspirou.
— Vou deixar isso para o Universo. Ele sabe o que fazer a partir de agora. — assenti, assimilando as ideias ainda. Lembrei-me do que fiz e senti a vergonha crescer.
— Haz, eu...
— Me chame de Glacier, Kai. — ele deu um sorriso enorme — Esse é meu verdadeiro nome.
— Glacier? "Geleira"? — eu ri — Combina perfeitamente, seus pais sabiam o que estavam fazendo quando escolheram seu nome.
Os olhos dele se arregalaram com a menção à família.
— Pelas Luzes, Kai! Eles se lembram! — fui puxada para um abraço apertado e minhas bochechas queimaram mais — Muito obrigado, isso é graças a você!
— So-Sobre isso, Glacier, desculpa... — ainda era estranho se referir a ele daquela forma, mas eu gostei — Eu passei dos limites, estava meio desesperada.
— Você não disse que eu te conquistei? — Glacier provocou, desfazendo o abraço e eu sorri sem jeito —Não estou reclamando. Eu vou adorar debater isso com você mais tarde, mas eu preciso ver meus irmãos.
— De-Debater?
— Exatamente. Me encontre na entrada da floresta 20:30, por favor. — não sabia o que dizer, então assenti — Até mais, Kai. — Glacier me puxou pela mão e depositou um beijo carinhoso no topo da minha cabeça. Àquela altura, meu rosto parecia um balde de tinta vermelha.
Ele sorriu e foi circundando pelas cores das Luzes do Norte, sumindo em sequência. Passaram-se alguns minutos para eu finamente conseguir sussurrar:
— Até.
Era impossível parar de sorrir.
E esse foi o capítulo! O que acharam? Deu para compreender a maldição? E o método da Kai de acordar o Glacier?
Confesso que esse capítulo me faz surtar. Toda. Vez. Justamente porque eu fiquei imaginando ao escrever como aconteceria esse primeiro beijo dos dois e quando aconteceu, não encontrei uma forma de ser melhor, porque apesar de tudo eu não queria tornar o momento da Primavera tão pesado assim, acho.
Aliás, só agora eu acabei traduzindo o nome "Glacier" (geleira), porque queria guardar a "surpresa" para junto da Kai também XD
Enfim, espero realmente que tenham gostado! O próximo capítulo tem o título de "Família".
Até sexta! :3
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