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09. Ivaar e Valquíria

ᴀᴏ ᴠᴇʀ a filha correr para longe, Valquíria imediatamente tentou ir atrás, mas Ivaar nem olhou para Kaira enquanto ela corria, apenas segurou o pulso da mãe desesperada.

— Pra onde você vai?! Kaira! — ela gritou e tentou se desvencilhar da mão de seu pai — Me solta!

— Ela consegue vê-los, Valquíria.

Ivaar finalmente olhou para Val, que parou de se mexer com a declaração. Ela o encarou, como se não entendesse, apesar de suspeitar do que poderia ser. Para confirmar, indagou em um sussurro:

— O quê?

— Kaira consegue enxergar os espíritos. Eu soube desde a primeira semana. Ela viu a mesma raposa que você costumava ver na floresta nas noites em que a Aurora Boreal aparecia.

Val se jogou na cadeira que estava ocupando ao esperar pelos dois e passou as mãos no rosto. Então, não eram coisas de sua cabeça?

— Mas com essa idade? Eu os via somente quando era criança. E como você sabe que ela saiu correndo por causa de um deles?

Ivaar suspirou e se sentou na cadeira de frente para Valquíria. Ele entrelaçou as mãos em cima da mesa, pensando qual seria a melhor forma de dizer aquilo. Parecia muita viagem para uma pessoa de sua idade.

— Aquela raposa, ela estava ali, na pista de taxiamento. E parece que ela veio buscar a Kai.

— Co-Como assim? Está nevando lá fora, o que aquela menina vai fazer? E se alguma coisa acontecer?

— Essa nevasca também é um plano da raposa, dá pra sentir, Valquíria. Você não precisa se preocupar, eles vão proteger a Kai.

— Você tem certeza?

— Você também não confiava neles quando era mais nova? Confie agora também.

Val o encarou, estupefata. Quando criança, ela se lembra de ter medo de contar aos seus pais o que via naquela floresta. Desde que se entendia por gente, eles diziam que a floresta era diferente por espantar os animais, mas ela era capaz de ver além do senso comum.

O medo de dizer o que enxergava residia em como seus pais reagiriam. Sua mãe foi a primeira a saber, já que Val deixou escapar que uma raposa em um livro de figuras se parecia com a que ela via entre as árvores.

Quando Ivaar soube, não teve muita reação, e só pediu para a filha tomar cuidado. Val achava que ele nunca acreditara e que nem se lembrava mais disso, mas era o completo oposto.

— Você os vê desde quando? — ela encarou o pai, que hesitou por um instante.

— Desde antes do acidente, eu imagino. Sempre os vi.

Valquíria arrepiou com a menção ao acidente. Quando Ivaar tinha por volta de 20 e poucos anos, ele apareceu misteriosamente em frente ao hospital de Tundra, machucado e pedindo por ajuda, tanto que desmaiou no meio do pronto socorro. Ninguém soube o que aconteceu e ele acordou sem se lembrar de nada. Procuraram registros na prefeitura, mas Ivaar não era das redondezas.

O diagnóstico foi amnésia, sem uma causa específica, se Val se lembrava bem. Apesar de aquilo lhe causar arrepios e de nem gostar de imaginar como Ivaar se sentiu na época, ela era grata à ocasião porque seus pais se conheceram no hospital. Bera era uma enfermeira iniciante na época, e ajudou a cuidar de Ivaar. Desde então, nunca se desgrudaram até o falecimento dela.

Lembrando-se do ocorrido, Val detectou a aliança no dedo do pai. Ele nunca a tirou, então, refletiu. Com um gosto amargo na boca e tentando se tranquilizar quanto à situação de Kaira, Valquíria ergueu o olhar.

— P-Pai... — sua voz saiu hesitante, e Ivaar a fitou, levemente surpreso — E-Eu queria conversar com você sobre umas coisas desde a morte da mãe.

Com um aceno de cabeça da parte dele, Valquíria desatou a falar. Contou sobre como ela se arrependia de seu afastamento, pois era inegável que Bera era o elo que mantinha a família unida, mas foi imperdoável como a filha o deixou quando mais foi necessário.

Val também disse que todo aniversário de morte da mãe, ela pensava em ligar, assim como no aniversário dela e no aniversário do próprio Ivaar, ou em qualquer data comemorativa que fosse desculpa suficiente para discar o número no telefone.

Ela também disse que sempre dava para trás porque achava que poderia machucá-lo mais ainda, e pensava que ele estava melhor sem ela. Assim como foi com Ruan e Kaira.

— Valquíria... — Ivaar a chamou, mas a mulher  continuava tagarelando. Ele conteve um sorriso, parecia sua esposa. — Filha.

Como se a palavra funcionasse igual um feitiço, Val ficou muda. Ivaar estendeu as palmas de suas mãos voltadas para cima sobre a mesa e, relutante, Valquíria as segurou.

— Filha, está tudo bem. Eu só fico feliz de termos concertado as coisas antes de ter sido tarde demais.

Lágrimas surgiram nos olhos de Valquíria. Ela respirou fundo.

— Mas foi tarde demais, o Ruan..

— Ele te amou até o último suspiro dele nessa Terra. E ele foi embora mais leve que uma pluma, não guardou nenhuma mágoa.

— Como você sabe disso?

Uma lágrima escorreu pela bochecha dela. Ivaar se inclinou para limpá-la com o polegar.

— Ele mesmo me disse, em várias ligações. Agora, minha filha, acho que tem algo mais a se discutir.

— O-O que seria?

A voz de Valquíria estava falha, mas Ivaar sorriu.

— Se lembra daqueles livros de filosofia da sua mãe? — Val assentiu — Um deles é sobre o Helenismo, e nesse período havia uma escola chamada Estoicismo. Nela, eles diziam que o destino é inalterável.

Valquíria queria questionar como aquilo a ajudaria, mas conteve a pergunta. Ouviria até o fim, precisava aprender a não contestar tanto seu pai.

— Mesmo assim nós somos capazes de ressignificar a realidade. Eu acho que você deveria fazer isso com suas circunstâncias atuais, Valquíria.

— Como assim, pai?

Ela não se conteve e Ivaar sorriu, já esperando a pergunta.

— Seu passado não vai mudar e tudo o que restou foram as consequências, no entanto, ao contrário do que você pode imaginar, você pode se adaptar a elas. E pelo visto já começou a perceber isso, pois já buscou mudança. Mas há uma circunstância que é muito mais complicada do que conseguir perdão de mim, Ruan ou Kai.

— Pai, você está falando em grego para mim.

Ivaar riu e pegou as mãos da filha.

— Para conseguir seguir em frente, você precisa perdoar a si mesma, Val.

E esse foi o capítulo de hoje! O que acharam?

Como disse anteriormente, ele seria um bônus — por isso a narração em terceira pessoa —, mas eu decidi colocá-lo na linha principal da história.

Esse momento "pai e filha" de certo modo é um marco importante, é quando a Valquíria percebe que ela mesma estava se prendendo todo o tempo por causa de pensamentos que vinham dela e não eram reais. Além disso, foi dito que Ivaar vê os espíritos desde sempre! Vocês esperavam por isso?

Enfim, o próximo capítulo tem o título de "Reencontro" (não se incomodem comigo  separando uns lencinhos aqui, é que sou sensível T^T)

Bom, até sexta! :3

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