06. Presente
ᴇᴜ me virei relutante.
Meus olhos se depararam com uma mulher alta, negra, de cabelos lindamente cacheados que caíam ao redor de seu rosto. Para completar, seus olhos eram de um verde tão vivo que reluziam, analisando minha alma. Ela usava um vestido que era adornado de muitas flores, assim como seu cabelo. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi que ela estava com os pés descalços.
— Não consegue ficar de fora das coisas nem por um minuto, não é, humana?
Engoli em seco. Ela deu dois passos a frente e, do lugar que ela tirou o pé, uma flor nasceu.
— Você é uma garota que odeia o inverno, e eu entendo perfeitamente essa característica da sua personalidade. No entanto, ao invés de estar me ajudando, só complica minha situação.
Respirei fundo. Eu não fazia ideia de que outro espírito rondava aquela floresta.
— O que isso quer dizer?
A mulher chegou bem perto de mim, a ponto de eu sentir a respiração dela quando falou:
— Significa que eu te quero longe, humana. Você já deixou marcas o suficiente nos meus planos.
— Quem é você?
Não sei como minha voz não tremeu. Por mais linda que ela fosse, sua presença era intimidante e parecia carregar uma amargura que saía de sua essência. Se eu fosse pintá-la, metade de seu rosto mostraria aquelas flores coloridas, já a outra seria feita com traços de cinza e preto.
— Sou alguém que veio te dar um conselho, Kaira. — mais alguém que sabia meu nome sem perguntar — A questão é, você quer ouvi-lo?
— Sinto que mesmo se eu negar você o dirá da mesma forma, porque não se trata de um conselho, mas de uma ameaça.
Ela sorriu. Seus dentes eram incrivelmente brancos, e aquele seria até um sorriso orgulhoso se os seus olhos não me perfurassem como adagas.
— Garota esperta. — o sorriso se desfez — Fique longe de tudo isso, ou você sofrerá as consequências.
A árvore de metal vibrou com as palavras dela. Alguma coisa em mim pedia para eu protegê-la.
— De novo, quem é você? — falei entredentes, fuzilando a mulher na mesma intensidade que ela fazia comigo. De repente, ouvi sua gargalhada.
— Já que quer tanto saber, sou sua segunda estação favorita. E por ser tão bem apreciada, deixarei um presente. No entanto, a próxima a recebê-lo será você, Kaira.
Dito isso, ela literalmente desapareceu, deixando no lugar uma linda tulipa. Olhei para aquela flor no chão e meus olhos se arregalaram. Eram as flores favoritas do meu pai, assim como também eram as que as pessoas levaram ao seu enterro.
Meu sangue gelou.
Ela era minha segunda estação favorita, ou seja, Primavera. O mesmo espírito que Hazard falou que amaldiçoou os gêmeos, sendo justamente esse motivo para eles precisarem de um guarda-costas.
— Ela disse que deixaria um presente.. — senti um arrepio percorrer meu corpo com o pensamento — Não, não, não!
Comecei a correr na direção de onde tinha vindo, o medo soando como um alarme na minha cabeça. Gritei pelos gêmeos até minha garganta começar a doer, poderia ter se passado apenas cinco minutos de busca, mas parecia uma eternidade.
Para o meu desespero, ouvi um grito vindo de alguns pinheiros de distância. Coloquei minhas pernas para funcionarem da melhor forma que podiam, para que não fosse tarde demais. Porém, quando cheguei, minha ajuda parecia ser atrasada.
Snow estava emaranhada em cipós, com várias tulipas a cercando. Flake chorava, abraçando a si mesmo, como para se reconfortar. O último elemento ali presente era Hazard, que tirava Snow daquela armadilha.
— Snow.. — sussurrei, tentando chegar perto dela, mas Haz colocou um braço na minha frente, enquanto afastava os cipós e depositava a garota sobre a neve.
Ele se ergueu, puxando Flake para atrás de si, e me encarou. Seus olhos glaciais me direcionaram algo que eu nunca havia sentido vindo dele antes, frieza. Talvez fosse meu karma por nossa briga.
Mesmo assim, eu ainda não entendia o que estava acontecendo.
— Haz, eu...
— Eles deveriam estar praticando magia. Você nem se importou em perguntá-los?
— Eu achei que você só estava resolvendo alguma coisa, como da outra vez.
— Outra vez? — Hazard olhou para Flake, que me fitou e sacudiu a cabeça de leve.
— Nós só estávamos brincando de esconde-esconde, nunca imaginei que isso fosse acontecer. Na realidade...
Hazard bufou, cortando-me. Ele se aproximou de mim e eu recuei um passo. Meu coração afundou no peito.
— Não me interessa o que você estava fazendo. Você poderia ter evitado o ataque se estivesse perto de Snow. Poderia tê-lo evitado se tivesse perguntado aos gêmeos o que eles estavam fazendo aqui sem mim.
O tom de voz de Hazard era extremamente baixo, o que tornava tudo pior. Eu preferia que ele gritasse, porque aí eu poderia colocar a culpa no calor do momento, mas ali, com ele falando tão calmamente, não poderia pensar outra coisa a não ser no quanto aquelas palavras eram o que ele sentia de fato.
— Isso foi um feito da Primavera. Ela não pode tirar a vida deles, mas pode machucá-los. Sabia que esses cipós são venenosos? E que os dois são alvos muito mais fáceis por não terem seus poderes completamente desenvolvidos ainda?
— E-Eu...
— Você sente muito? Eu também. — Hazard suspirou e olhou para os gêmeos, Snow ainda desacordada e Flake a segurando. Ele se voltou para mim. — Se você não estivesse aqui, isso não teria acontecido, Kaira.
Um soco teria doído menos. Uma facada teria doído menos.
O ar ficou preso na minha garganta, enquanto eu sacudia a cabeça. Lágrimas ameaçaram cair. Eu já não sabia o que era respirar. E, mesmo assim, consegui responder.
— É isso? Pra você, se eu não estivesse aqui, os problemas se resolveriam? — senti uma onda de raiva ressoar e explodir na minha garganta. Para liberá-la, eu gritei. — É ISSO QUE VOCÊ QUER?
Hazard ficou mudo. Não sabia se era de raiva igual a mim ou se ele havia percebido a carga de suas palavras agora que eu as repetia. Trinquei os dentes e cerrei os punhos. Eu me sentia traída. De novo.
— Considere seu desejo uma ordem.
Falei, cada palavra fazendo minha língua pesar feito chumbo. Usei todas as minhas forças para me virar de costas para eles.
— Cuide bem dos gêmeos. Já que, pelo visto, você é o melhor indicado para tal.
Comecei a andar de volta para casa e pude ouvir Flake chamar meu nome, mas não ousei olhar para trás. Eu não tive nem tempo de me desculpar com Snow, de vê-la acordar para ter certeza se estava tudo bem. Simplesmente fiquei com a mente tingida de uma única cor: vermelho rubro. Raiva, simples raiva.
Quando cheguei, entrei e bati a porta com toda a força que consegui. Respirar estava sendo difícil e minhas mãos tremiam, e tudo que eu conseguia pensar era: por que Hazard estava sendo tão frio?
Fui até meu quarto, fechando a porta com mais delicadeza dessa vez, e me joguei na cama, sem nem tirar minhas botas. Não sei por quanto tempo permaneci daquele jeito, tentando processar tudo, a aparição de Primavera, o ataque a Snow, Haz.
Aconteceu tudo tão rápido, um efeito dominó. Se aquela mulher era capaz disso, o que mais não estaria fazendo?
Antes que eu pudesse chegar a qualquer conclusão, meu telefone tocou. O nome Valquíria apareceu na tela. Sentei-me desajeitada e atendi.
— Alô?
— Oi, Kai! Tenho boas notícias. — eu conseguia sentir o sorriso na voz da minha mãe. Não pude deixar de ficar um pouco feliz também. Nas últimas duas semanas, ela estava de fato seguindo com sua promessa. — Vou conseguir te visitar daqui três dias.
Respirei fundo. Eu não costumava voltar atrás com minhas palavras, e não seria agora que iria começar.
— Val?
— Sim, pequena?
— Eu acho que quero morar com você.
E esse foi o capítulo de hoje! Ele realmente foi um pouco menor, mas acho que muitas coisas aconteceram, né? Inclusive, o que acharam da Primavera? E dessa postura do Haz?
Falando nele, teremos um foco maior em sua pessoa no próximo capítulo, que se chama "Ajuda". Já adianto que estamos chegando nas minhas partes favoritas da história!
Bom, vejo vocês na terça! Até! :3
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