01. Surpresas
As cores se espalhavam pela floresta. A grama era como um cobertor fofo e as flores explodiam por todos os cantos, algumas pétalas sendo carregadas pelo vento fresco, sendo convidadas a passear pela extensão azul tranquila do céu.
Havia vida em cada detalhe da paisagem, vibrando e declarando a primavera como a estação dominante.
No meio de alguns pinheiros, um guaxinim reunia pinhas em um pequeno amontoado. Com as patinhas hábeis, ele as segurava, analisava e, caso elas provassem seu valor, eram escolhidas.
Eu estava atrás de um tronco de árvore, à espera, e sabia que não estava sendo percebido. O guaxinim estava absorto em sua tarefa, repetindo-a e repetindo-a sem checar seus arredores.
Sorri internamente. Aquele era meu momento oportuno.
Abaixei-me um pouco mais, deixando a cauda rente ao chão. Com um impulso que cavou sulcos na terra, corri em direção ao guaxinim, jogando-me em cima dele.
Provei a vitória quando o guaxinim me encarou com seus olhos verdes arregalados, exibindo mais ainda o contraste que faziam com a faixa de pelo escuro que os cruzava. Senti minha cauda abanar um pouco e um riso leve escapar da minha garganta, soando como um ganido de raposa.
Antes que o guaxinim me enxotasse de seu espaço pessoal, comecei a cutucá-lo com meu focinho, e logo eu não era o único a rir. A risada foi tomando proporções a ponto de eu regredir à forma humana sem pensar muito.
Quando consegui respirar melhor e olhar para baixo, percebi Kai também na forma humana. Ela tentava parar de rir, e eu me perdi admirando sua expressão.
Seu cabelo castanho mel se abria como um leque, adornado com algumas rosas-chá que combinavam com a cor de seu vestido. O sorriso iluminava suas feições e seus olhos verdes estavam estreitados, acho que para tentar criar um ar de ultraje.
— Não tem graça, Ice! — ela me deu um tapinha — Pare de me matar de susto assim.
Eu sacudi a cabeça, um sorriso enviesando pelo canto da boca.
— Claro que tem graça. — eu me abaixei o suficiente para dar um selinho em Kai — Até você está rindo, meu amor.
Kaira estalou a língua e eu gargalhei. Tomei impulso para sair daquela posição e a puxei junto a mim, sentando-me com ela em meus braços.
— Está bem, eu posso admitir que é um pouco engraçado. É mais ainda quando sou eu a te assustar.
— Por isso preciso agir primeiro, não posso perder essa guerra. — eu a beijei na bochecha e Kai se acomodou melhor em nosso embaraço — Faz parte da estratégia.
— E faz parte da minha estratégia te convencer a me ajudar a levar aquelas pinhas para o chalé.
— Não precisa de muito para me convencer. Vindo de você, eu cobro barato. — fitei-a de soslaio com um ar cômico e a percebi revirando os olhos, mas sorrindo.
— E quanto cobraria por seu árduo serviço, senhor?
— Hum... — fingi pensar por alguns segundos, encarei a pilha de pinhas e tentei não transparecer que minha postura havia mudado de brincalhona para curiosa — Meu preço são algumas respostas.
Minha namorada possuía ideias criativas demais mesmo se estivéssemos falando de gravetos e um pouco de terra, e eu duvidava que fosse capaz de adivinhar sua próxima criação. Por isso, era sempre mais fácil questionar diretamente.
Eu quase sempre conseguia uma explicação, as quais adorava ouvir. Quase, já que havia momentos que Kaira cedia a sua vontade natural de fazer mistério.
— Pode fazer as perguntas que quiser, só não significa que responderei todas hoje.
Esse parecia um dos momentos no limiar do quase. Fitei Kaira exasperado por voltar uma fala antiga contra mim, o que a fez rir.
— Pelo Universo, quando que essa provocação vai morrer? Já faz dez anos! Só diz isso porque no dia que conheceu minha forma humana eu não quis explicar tudo dos espíritos de uma vez, era uma questão de confiança.
— Sei bem. E pensar que confiei em você desde o primeiro momento, afinal, poucos teriam ido atrás de uma raposa.
— Uma pessoa meio doidinha, eu diria.
— Aposto que você agradece todos os dias ao Universo por ter essa doida na sua vida. — ela me deu um beijo na bochecha e manteve o rosto perto ao continuar falando, sua respiração fazendo cócegas — Mas por que não espera um pouco? Todas as respostas virão logo.
Ajeitei meus braços ao redor da cintura de Kai e a analisei, erguendo um pouco as sobrancelhas.
— Está dizendo que é uma surpresa para mim?
— Talvez. — o sorriso sapeca estava de volta. Meu coração acelerou um pouco, e eu quis beijá-la até que uma expressão mais intensa surgisse.
Quando estava perto dela, perdia-me no tempo. Ainda me sentia como um adolescente, com a euforia presente e intensa, mas sentia a década que partilhamos na intimidade que nos cercava.
Percebi-me recordando alguns momentos, todos os percalços que passamos, como crescemos e melhoramos como pessoas, nos dedicando a manter nosso sentimento vivo. Eu ainda queria cultivar muitas memórias ao lado dela.
Com um sorriso, estendi a mão e entrelacei nossos dedos. Recebi um olhar intrigado, possivelmente pela forma como encarava Kai, como se ela fosse todo um mundo em meus braços. E era, de fato. O meu mundo.
— O que foi, amor? — questionou. Havia um certo nervosismo em sua voz que não entendi, mas isso sumiu quando encostei minha testa na dela.
— Eu de fato agradeço todos os dias por ter você perto. Você é a melhor surpresa que eu poderia ter recebido do Universo.
Nossos olhares se encontraram no momento exato em que Kai arfou um pouco, suas bochechas se avermelhando. Ali eu percebi que sentíamos o mesmo: as borboletas em nossos estômagos não haviam se acomodado.
Kaira colocou uma mão em minha bochecha e me beijou. Meus sentidos foram dominados por ela, o momento perdurou e uma paz me invadiu. A existência se resumiu à sensação dos meus lábios nos dela.
— Eu te amo, Glacier. — Kai sussurrou, acariciando meu rosto com a ponta dos dedos. Segurei sua mão e beijei o dorso.
— Eu também te amo, Kaira.
Naquele instante, eu decidi. Estava na hora de surpreender Kai de alguma forma, para tentar retribuir o presente que ela representava para mim.
Duas semanas depois e a paz daquele beijo havia aberto caminho para um mar de nervosismo e planos contidos, que eu não expressava por acreditar que seria capaz de lidar com tudo sozinho. Só que já havia me perdido em meus próprios objetivos.
Só notei que estava distraído, de novo, e que havia excedido no açúcar quando enfiei a colher no pote pela quinta ou sexta vez. A água fervia, e o chá com certeza sairia doce demais.
Eu ainda morava com meus pais e meus irmãos no mesmo chalé, e Kai com Ivaar e Valquíria. Nós dois nunca havíamos pensado em mudar isso, já estando a poucos metros um do outro, mas logo isso não seria suficiente, não se...
— O que está fazendo, Raspadinha? — a pergunta fez meus pensamentos evaporarem, a pessoa se denunciando pelo apelido. Olhei para a porta da cozinha e vi Flake de cenho franzido, coçando os olhos.
— Chá.
Tentei soar natural. Meu irmão não comprou a atitude.
Mesmo já no que chamávamos de fim da adolescência espiritual, Flake ainda possuía um ar inocente e gentil. Seu semblante ainda estava confuso, mas seu tom era carinhoso.
— Glacier... — ele sussurrou, checando um dos relógios na parede. A coleção da família só havia crescido. — São duas da manhã.
Olhei o relógio também, como se não soubesse que horas eram. Como se não estivesse acordado desde muito antes.
— Como diz a mamãe, é sempre uma boa hora para o chá.
— Eu acredito que mesmo se ela estivesse aqui, concordaria que era melhor você estar descansando.
Flake puxou uma das cadeiras da mesa e se sentou, sem tirar os olhos dos meus. Éramos apenas os dois em casa naquela noite, pois nossos pais haviam levado Snow para uma etapa especial de seu treinamento como espírito da neve.
Isso alimentava mais a vontade que eu estava de deixar um pouco do que me alarmava sair. Contar para apenas uma pessoa não estragaria tudo, estragaria?
Mordi a língua para me conter, mas meu irmão não deixaria passar.
— O que está acontecendo?
Suspirei e apaguei o fogo. Guardei o açúcar, coloquei duas canecas em cima da mesa e apanhei o bule de chá. Quando fiz menção de nos servir, meu irmão pegou o bule e encheu as canecas, indicando com a cabeça para eu me sentar.
Sem mais opções e não querendo fugir, o fiz. Prendi o ar.
— Camomila. Você de fato estava procurando se acalmar, o que...
— Eu estou planejando pedir a Kai em casamento. — expirei, confessando de uma vez. Flake paralisou, o bule pairando no ar.
Ele deixou o bule de qualquer jeito em cima da mesa e se esparramou na cadeira, a boca um pouco entreaberta. Quase comecei a rir, mas acho que teria um fundo de desespero.
— Acho que estou começando a entender por que você está ansioso.
—Você acha?
— Sim, só acho. — Flake enroscou as mão na caneca, o choque substituído por um leve sorriso — Porque não vejo como poderia dar errado.
Eu pisquei. Queria ter o mesmo otimismo do espírito do vento.
— Ela pode dizer "não", o pedido pode não atingir as expectativas dela, talvez ela saia correndo e...
— Raspadinha, não acha que metade desse desespero está apenas em sua mente? Você e a Kai se amam, e é nessa certeza que você deveria se basear.
Percebi que a cada dia que se passava, Flake conquistava o apelido de "Winter Dois", por ter o mesmo ar conselheiro de nossa mãe. Fiquei alguns segundos em silêncio.
— Mas e então, como está pensando em fazer isso? — e lá estava o outro lado irreverente de Flake vindo à tona: o romântico irrefreável.
Ele estava com a mesma expressão de quando descobriu que eu gostava da Kai. Eu ri um pouco, a nostalgia tirando parte da tensão.
Como fiz daquela vez, contei tudo. Depositei em palavras o que zanzava em minha cabeça. Flake me ouviu como o bom vento calmante que representava e foi capaz de me guiar por uma linha de raciocínio onde meus medos não tinham tanta força.
Tudo iria acontecer da melhor forma possível.
Eu repeti essa frase como se buscasse continuamente por um chá de camomila, até quando me vi já diante da porta dos fundos da casa de Kai. Para não denunciar tanto meu estado de pilha de nervos, eu apenas avisei que gostaria de pedir alguns conselhos para ela naquela noite.
Então, não me surpreendi muito quando bati algumas vezes na porta e Kai demorou alguns minutos para responder. Ela apareceu com um avental por cima de uma jardineira jeans e um pincel na mão, o cabelo preso em um coque desajeitado.
Quando me viu, recebi um sorriso que respondia a minha expressão boba alegre. Ela estava linda.
— Oi, Ice. — recebi um beijo suave — Pode entrar.
— Olá, senhorita artista. O que estava pintando? — Kai riu de leve. Passei pela porta e olhei ao redor. — E cadê o resto da família?
— Estava pintando algumas encomendas que recebemos pelo site. E minha mãe e meu avô foram justamente até a cidade comprar alguns materiais que estávamos precisando.
A família de Kai expandira os negócios, trabalhando com pedidos pela internet. Valquíria cuidava da parte de administração e fotografia, enquanto Ivaar fazia os móveis e Kaira os quadros, sem aparecer muito na publicidade para proteger sua identidade como espírito.
— Depois me mostre os quadros, sim? — tentei parecer casual e não ceder à vontade de enroscar minhas mãos — Mas antes, será que eu poderia te distrair do trabalho um pouco?
— Claro. — Kai sorriu, colocou o pincel em um bolso do avental e o dependurou no porta casacos vazio — Sobre o que queria conversar, amor?
Quando eu mordi o lábio, ela se aproximou e segurou minhas mãos. Antes que eu deixasse Kai consternada, beijei-a na testa.
— Na verdade, eu gostaria de te mostrar um lugar.
— Ah, bom, podemos ir. — o cenho dela estava franzido. Era engraçado ver Kai começar a desconfiar. — Creio que estou pronta.
Por hábito, chequei os pés dela. Desde que se tornara um espírito, Kai andava descalça quando não havia neve. Ela dizia que sentir a terra a revigorava, porém, já havíamos tido alguns acidentes.
— Eu vou descalça. — ela declarou em prontidão e eu ri — Não iremos encontrar ninguém, iremos?
— Não, seremos só nós dois.
— Ótimo, não preciso fingir que sou civilizada perto de você. — agora eu tinha gargalhado, esquecendo-me como foi possível ficar ansioso. Eu tinha certeza que era essa companhia que queria para o resto da minha vida.
— Você não precisa fingir nada. — beijei-a na bochecha, escondendo meu sorriso travesso e aproveitando a proximidade para pegar Kai no colo. Ela soltou um gritinho de susto misturado com riso. — Mas assim terei de carregá-la, para não machucar seus lindos pés.
— Por favor, carregue-me então, meu salvador. — Kaira enroscou os braços ao redor do meu pescoço e calou minha resposta em um beijo. Iniciei o teletransporte, deixando o arco íris de magia nos carregar.
Quando Kai se afastou, ela notou a mudança de ambiente e olhou os arredores. Observei com deleite seu semblante maravilhado.
Estávamos em um vale entre montanhas, em uma clareira, no meio de uma floresta que não era de pinheiros. Árvores de copas arredondadas expunham seu verde escurecido pelas sombras da noite, e um lago brilhante refletia o céu de estrelas. Grilos cantavam e alguns vaga-lumes ousavam mostrar seu brilho.
Aos fundo, as montanhas escalavam pelos graus de altitude para formarem seus picos, arranhando o céu. Elas eram como sentinelas daquele lugar.
— Onde estamos? — ela sussurrou ao descer dos meus braços, sem muita fala. Supreendê-la, checado.
— Se chama Cama das Ninfas. — eu sorri, sentindo-me um ótimo guia turístico — É aos pés de uma cadeia montanhosa conhecida como Costelas de Gigantes.
— Você adora me levar para lugares com montanhas... — a piada morreu nos lábios de Kai — Costelas de Gigantes? Glacier, isso é na Ilha das Flores!
— Exatamente.
— Você nos teletransportou cruzando parte do oceano! — ela piscou algumas vezes ao falar — Por que... Por que viemos tão longe?
— Porque eu tenho uma coisa a te contar. — sussurrei, e tudo pareceu mais quieto.
Eu indiquei uma pedra perto para que ela se sentasse. Kaira se sentou e musgo cresceu por toda a superfície rochosa. Seus sentimentos estavam se extravasando por manifestações mágicas. Agachei-me diante dela, segurando suas mãos.
— Quando eu era pequeno, meus pais e eu visitamos esse lugar uma vez. Eu tenho memórias ótimas de um dia inteiro brincando aqui, e por vezes ainda sonho com essas montanhas e esse lago. Eu nunca mais voltei, e queria voltar em uma ocasião especial, por isso estamos aqui.
Kai acariciou minhas mãos com seus polegares.
— O que vai fazer o dia de hoje especial? — seu tom também era baixo. Eu sorri.
— Eu tenho um pedido para te fazer, amor.
Kai prendeu a respiração. Aquela era a hora.
— A cada dia eu quero passar mais tempo ao seu lado, compartilhar cada etapa, desde as mais simples às mais complexas. — à medida que falava, sentia meu peito transbordar, pulsante com todo o carinho e zelo que tinha por ela. Eu também estava me expressando por magia, e senti que a Aurora Boreal apareceu no céu, refletindo minha aquarela de amor. — Me apaixono por você de novo e de novo, e gostaria de continuar me apaixonando por muito tempo.
Fixei meus olhos nos de Kai. Suas íris verdes estavam agitadas, escrutinando meu rosto. Ela mordia a parte interna da bochecha, ainda mantendo a carícia com seus polegares.
Gentilmente, puxei uma das minhas mãos para fora de seu toque e fiz uma pequena caixinha aparecer entre meus dedos.
— Você aceita passar todos os seus invernos, primaveras, verões e outonos ao lado desse espírito, Kaira Heather?
Senti as Luzes do Norte explodirem junto com as retumbadas que meu coração dava no peito. Kaira tentou abrir a boca algumas vezes, mas não conseguiu. Os segundos foram ficando mais longos, sem ela responder.
Quando conseguiu ter alguma reação, lágrimas escorregaram por suas bochechas, mas algo em seus olhos me dizia que não eram só felicidade. Havia um misto ali, algo mais fundo que eu não soube decifrar.
Senti Kaira enterrando o rosto em meu pescoço, descendo da pedra e fazendo nós dois ficarmos sentados no chão. Seus braços me envolviam, apertados, com o mesmo vigor de quem não quer soltar uma boia salva vidas.
Ela soluçava, e o aperto em meu peito começou a ser de preocupação.
— Meu amor, o que foi? — me vi questionando, passando os dedos pelo cabelo dela. Kaira se distanciou um pouco, respirando fundo.
— Eu preciso te mostrar uma coisa. — seu rosto estava vermelho quando ela me olhou. Eu assenti, a falta de palavras sendo minha agora.
Só fui capaz de guardar a caixinha em meu bolso ao observá-la. Kaira se levantou, virando-se de costas. Seus ombros subiram e desceram algumas boas vezes em respirações fundas.
Kai se concentrou, estendendo as mãos na frente do corpo enquanto sua magia era invocada, uma energia verde amarelada, que tinha cheiro de lírios e tulipas. Quando ela terminou, segurava uma tela, virada para além da minha vista.
— Desculpe não ter te contado antes. Tem uns dias que eu estou criando coragem. E desculpe ter chorado e te assustado. — ouvi seu suspiro, e a imaginei fechando os olhos — Mas eu não poderia aceitar seu pedido antes de te contar, Glacier.
— Me contar o quê, Kai? — minha voz saiu, quase apagada pelo canto dos grilos. Senti a Aurora Boreal oscilar em sua dança.
— A sua surpresa das pinhas, ela está pronta.
Kaira se virou, mostrando a tela. Era um quadro emoldurado com pedacinhos de pinhas, repartidos, protegendo uma imagem pintada no centro: um céu banhado pela Aurora, refletindo diversas cores em um conjunto de pinheiros mais abaixo. Havia três silhuetas entre as árvores.
A primeira silhueta era uma mulher com um vestido e uma coroa de flores na cabeça, e percebi que acima dela algo se espelhava nas Luzes: um guaxinim. Na outra ponta, a terceira silhueta era de um rapaz, com a imagem refletida nas Luzes sendo a de uma raposa. Éramos Kai e eu.
Porém, eu estava boquiaberto para a silhueta entre nós dois. A silhueta de uma criança, dando-nos as mãos, sem uma imagem definida refletida na Aurora Boreal do quadro.
Meu coração me esmurrava de dentro para fora, e uma onda de sentimentos contagiantes me invadiu. Encarei Kaira, a boca um pouco aberta. Ela desatou a falar, seu olhar não encontrando o meu.
— Eu queria ter contado antes. Fiz o quadro para que fosse uma surpresa mais fofa. — ela fechou os olhos ao apoiar a tela contra a pedra — Mas as inseguranças foram tantas que eu sempre me pegava duvidando de como deveria contar, se era a hora certa, se seria uma notícia boa ou se tiraria o chão debaixo dos nossos pés.
Eu levantei, alcancei Kai e coloquei uma mão em seu rosto. Enfim, ela me fitou diretamente, vulnerável. Eu funguei, querendo rir, chorar de alegria, fazer infinitas coisas, mas só fui capaz de perguntar:
— Há quanto tempo você sabe?
— Há um mês. — a voz dela ainda era um fiapo.
— Você compartilhou com mais alguém? — ela sacudiu a cabeça, e seu lábio tremeu — Ah, meu amor... — eu a puxei para um abraço, beijando-a no rosto algumas muitas vezes — Esse é o dia mais feliz da minha vida.
Com minhas palavras, Kaira finalmente pareceu relaxar. Ela cedeu ao abraço e ficamos interligados por um tempo, sentindo a presença um do outro.
— E você? — eu sussurrei em algum momento — Como está se sentindo?
— Agora? — a voz de Kai soou abafada contra minha blusa — Aliviada. Feliz. Com sorte.
— Isso significa que sua resposta é "sim"? — eu me afastei um pouco para fitá-la.
— Nunca existiu outra resposta para mim além do "sim". — Kai segurou meu rosto, deslizando a ponta dos dedos desde a minha bochecha até o contorno dos meus lábios — Eu vou amar passar minha vida ao seu lado.
Eu a tomei em um beijo, sentindo-me completo. Realmente, concluí, não existiu um momento em que estive tão feliz.
— Desculpe ter desandado a ordem das coisas. — Kai apoiou a cabeça em meu ombro — Mas eu não ando sendo capaz de controlar muito das minhas emoções.
— Não há pelo que se desculpar. Nós demos surpresas um ao outro, foi isso. — eu a cutuquei na bochecha, brincando com alguns fios de seu cabelo — E você escondeu muito bem nosso filho, hum?
Eu a vi sorrir quando disse "filho". Eu a imitei, meu coração derretendo junto das minhas feições.
— Diria que guardei a informação, porque ainda não há muito o que esconder, olha. — Kai guiou uma mão minha até seu ventre. Ela tinha razão, só por saber que eu conseguia sentir a sutil alteração em sua figura. Mesmo assim, senti minha alma vibrar, e a Aurora Boreal junto. — Inclusive, você quem jogou a ordem das coisas pela janela. A Aurora Boreal não brilha tão intensamente na primavera.
— Agora brilha, com licença? — retruquei e nós dois rimos.
— Ela brilha só para mim essa noite também? — minha noiva me fitou, um sorriso aberto no rosto. Eu retribuí, beijando-a na têmpora e enroscando os dedos de nossas mãos sobre o ventre dela.
— Hoje ela brilha para vocês dois. Terá de aprender a dividir, meu amor.
Com uma risada em resposta, voltamos a observar as Luzes do Nortes. Em algum momento, eu tirei a caixinha do bolso, abrindo-a para revelar dois anéis. Ambos eram de uma base de ouro, com duas pedras entrelaçadas: uma azul cor gelo e outra verde.
Coloquei a caixinha ao alcance dos olhos de Kai ao dizer:
— Mas podemos dizer que hoje as Luzes estão no céu para estabelecer sua união com a Primavera.
— Ice! São perfeitos. — o último resquício de nervosismo me deixou e eu tirei o anel de Kai. Segurei a mão dela e deslizei a aliança em seu dedo.
Foi um momento silencioso, nós trocando sorrisos e olhares eternizados em nossas almas pelo carinho e cumplicidade que demonstravam. Quando Kaira me colocou a aliança, selando nosso amor, eu agradeci ao Universo por ela ter sido doida o bastante de me seguir floresta adentro aquela noite, há dez anos.
E esse foi o primeiro capítulo do bônus! Finalmente os pombinhos retornaram!
O que acharam? Gostaram de reencontrar a Kai e Glacier depois dessa pequena quebra de tempo? E da novidade deles?
Quem sabe eu até faça igual chá de revelação e pergunte a aposta de vocês, se é menino ou menina 🤣Mas vocês vão saber em breve, porque o segundo capítulo sai sexta e ele tem o título de "Despedida"!
Até lá!❤️
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