3 - O sabor da vaga memória
Nada como uma boa noite de sono para acostumar o corpo e a mente a um novo espaço. Pequenas dores nas articulações, herdadas da mudança, não tiravam o aspecto alegre do rosto de Amélia enquanto ela abria a cortina e deixava o sol forte entrar.
Foi até a cômoda escolher o que vestiria. Não hesitou em pegar um vestido amarelo e florido, a roupa preferida e uma das que sempre vestia quando estava de bom humor. Ela tinha uma espécie de código de vestimenta, mas dificilmente usava outra cor que não fosse clara e alegre.
Aquela sexta-feira seria longa, então precisava de um café da manhã reforçado. Amélia chegou na cozinha de cerâmicas brancas e com aroma doce do bolo que estava sobre a mesa. Esta era de madeira clara, e ficava no centro do cômodo grande, cercada da geladeira, do fogão... Era coberta por um pano de lã branca e bordada e estava decorada de frutas, acima de uma travessa em seu centro. Ao redor, uma garrafa de café, uma jarra de leite e outra de suco de limão, pães, requeijão, presunto e queijo fatiados, além do bolo de fubá que acabara de ficar pronto.
Paola adorava cozinhar quando estava feliz, então o marido e a filha sempre poderiam esperar algo novo e quentinho pra forrar a barriga.
— Quando vou começar na escola nova? — Amélia perguntava para mãe enquanto esta passava requeijão numa banda de pão francês.
— Se conseguirmos entregar os documentos e fazer a matrícula ainda hoje, segunda você já começa.
Amélia estava ansiosa pela nova turma. Saíra no meio do ano letivo da antiga escola. Ela mal podia esperar pela passagem do fim de semana, para que pudesse conhecer os novos professores e colegas. Adorava estudar. Lembrava-se claramente da última aula que teve, antes de despedir-se.
— Mãe, a senhora sabe pra quê existem as membranas plasmáticas? — Ela servia-se de café com leite, não reparando no rosto inquisitivo da mãe. — Elas protegem as células e fazem com que aconteça a eliminação de substâncias do metabolismo celular. Ela controla o que entra e o que sai. Legal, não é?
E antes que a mãe pudesse responder, Giovani apareceu na vista, admirado com a beleza da mesa.
— Papo nojento de biologia e bolo de fubá são perfeitos de manhã — ele falou com rosto alegre, deu um beijo na esposa e na filha e sentou-se com elas.
— Não é nojento... Sabia que nossos intestinos têm bactérias boas, que... — Amélia foi interrompida por uma fatia de bolo que sua mãe enfiara em sua boca.
Ela até se sentiria incomodada com a atitude, mas aquele bolo a impedia de prosseguir com tal sentimento. Estava tão bom como todas as aparências externas sugeriam. Macio como os dentes imaginavam e doce como a língua salivante previa. Seria uma pena interromper tamanho prazer para reclamar da... do quê mesmo? Ela nem se lembrava mais.
*
Aquele ensolarado dia de agosto combinava com o vestido leve que Amélia usava. Estava quente, mas era um clima fresco para aproveitar a brisa nos cabelos e encima da bicicleta, como costumava fazer no interior. Mesmo assim, ela escolheu ir de ônibus, com a mãe, até onde seria a nova escola.
Logo no ponto de descida já estava a calçada do destino. O local movimentado ficava ao lado de uma avenida que ligava diversos pequenos bairros da região em que agora morava. Amélia consegui ver, por cima do muro de uns dois metros, que a escola era um lugar arborizado, além de uma cobertura que imaginou estar sobre uma quadra.
Dobraram a esquina e entraram pelo lado, no estacionamento descoberto, com objetivo de chegar até a secretaria. Havia uma grande macieira bem perto do portãozinho que dava acesso ao lugar, além de alguns arbustos cheios de espinhos e outros lotados de azaleias cor de rosa, ambos rente às paredes.
Enquanto sua mãe conversava com a atendente pela janelinha gradeada da diretoria e entregava-lhe alguns papéis, Amélia olhava para dentro do local cheio de armários, pastas e alguns troféus em prateleiras altas e ouvia ruídos e vozes do que ela deduziu serem dos alunos no pátio na hora do intervalo. Tentava acostumar a mente com o local como podia.
— Será que nos deixam entrar pra conhecer melhor a escola? — ela cochichava para a mãe, enquanto a atendente imprimia algumas cópias de documentos.
— Segunda você já vai conhecer. Por que não transforma essa ansiedade em algo bom? Imaginando como ela deve ser, por exemplo.
A mãe entendia a filha. Sabia que a menor não se aguentava em seu próprio ânimo, e teve certeza de que contornou isso com a resposta positiva em forma de sorriso que Amélia lhe deu.
Então a menina sentou-se no banco de pedra do local e começou a pensar nos cenários que teria lá dentro. Atrás da entrada, do portão de madeira robusta, ela pisaria num chão de ladrilhos, onde aos seus dois lados uma grama verde e acima arbustos acompanhando até o final o piso esverdeado, em metade de sua largura. Ao final dos ladrilhos ela veria duas quadras. À direita fica uma poliesportiva, a que provavelmente seria a principal da escola, a da cobertura que viu, e é cercada por grades e redes de proteção. A outra quadra era de vôlei, e não tinha separação nela, permitindo ser identificada como tal somente pelo piso de pedra lisa, pela pintura no chão e pela rede no meio.
Atravessando esta, ela abriria o portão do extenso pátio, onde, à sua direita, no começo e no final, tinha as entradas das salas de aula.
— Vamos, querida. — Foi quando sua mãe a chamou que ela se lembrou já ter visto a planta da escola na internet. Começou a gargalhar enquanto encarava a grande macieira, achando graça de tal esquecimento.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro