1 - Uma tão escondida saudade
A construção da nova casa da família Fontana estava a todo o vapor. As paredes erguidas e os barulhos do canteiro de obras soavam como a primavera, de Vivaldi, nos ouvidos de Amélia.
— Tam tam tamrãrã tam tam taaaam... — ela cantarolava sorridente, controlando-se para não começar a dançar no meio do que seria a sala e espalhar mais poeira e cimento.
E o cheiro destes soava como o perfume da rosa mais cara, e isso ficou mais próximo quando uns farelos de reboco seco caíram em seus cabelos e em seu rosto. Sua mãe abria o sorriso magro e jovial enquanto limpava a pele parda, que dava forma ao rosto de traços latinos, e os fios castanhos da menina, os que ficaram fora do capacete amarelado de proteção. E o pai punha moderada raiva em seu rosto rústico italiano e reclamava com o pedreiro desastrado que dava o acabamento na parede e não percebia onde jogava as rebarbas de cimento.
Os lábios finos de Amélia curvavam-se mais de alegria quando chegava onde seria seu quarto. Um local pequeno, de uns quinze metros quadrados. Foi o primeiro cômodo a ficar pronto, de tão nanico. Nele mal cabia a felicidade que guiava os olhões castanhos de sua dona, em cada cantinho dali, onde ela imaginava cada detalhe de cada decoração, no lugar cujas paredes pareciam ter tantas flores quanto as fachadas das casas de Spello, Itália, vilarejo onde seu pai nasceu.
Fechou os olhos e imaginou-se ouvindo a primavera, caminhando nas ruelas de Spello e sentindo o aroma das flores.
*
A vida no interior era agradável para Amélia, mas a mudança para a cidade não tinha um gosto negativo. A solidão como filha única também tinha seus agrados, mas a notícia de que brevemente alguém a chamaria de irmã não a decepcionara nem um pouco.
A melhora na saúde financeira dos pais foi a responsável por trazer essas mudanças na vida do trio de parentes. O pai, Giovani, tinha sido promovido na empresa de administração e a mãe, Paola, conseguira um trabalho numa creche conceituada, admissões essas que não tiveram problema algum em serem transferidas para novas unidades em São Paulo.
Após dez meses em construção, a casa na capital paulista estava no término da fase de acabamento. E as várias visitas de uma distância longa compensaram, pois o orgulho de construir o primeiro lar do zero e com o próprio dinheiro não aparecia só nos pais, mas era entronizado também em Amélia.
A cidadezinha onde ela cresceu, no interior do estado, não era um caos, suja e involuída, os estereótipos que alguns imaginam quando se fala de uma cidade do interior. Era um lugar bem organizado, limpo, arborizado e até seguro. As oportunidades eram limitadas, claro, mas era uma vida satisfatória. Eram todos muito amistosos com a família, a qual pagava um aluguel razoável.
A única mudança que tinha efeito imediato em Amélia ficava por conta de seu amigo André, o qual conhecia desde a pré-escola.
— A gente vai se falar. E eu vou te visitar sempre que quiser. — O amigo sorria para ela, ambos sentados no banco, no pátio da escola.
— Você tem só quatorze anos. Como que vai me visitar? Seus pais deixam?
O outro ficava encabulado, esfriando automaticamente o sorriso para um rosto pensativo.
— Você pensa demais... que droga. Não costumava fazer isso... — A expressão mudava novamente para sorridente. — E se eu for escondido no caminhão de mudanças? Eu sou magrelo e pequeno. Você sabe que eu consigo me esconder na geladeira. Lembra daquele susto que te dei?
Eles se encaravam de maneira jocosa e riam, enquanto esqueciam por um momento que uma despedida estava bem próxima. Os segundos de esquecimento se esvaíam e o que vinha a seguir não era uma cena dramática, regada a lágrimas e sons de lamúria. E essa era a relação que tinham, a que foi resumida em uma foto que André entregava à ela. A imagem tinha um céu todo azul e um dia alegre, e via-se nela os amigos sorridentes e com os braços erguidos, num carrinho de uma montanha-russa.
Eles cumprimentaram-se, prometendo mais uma vez manterem contato. Despediram-se um do outro, mas não queriam que os momentos que passaram juntos também se despedissem de suas memórias.
E com a vida do interior na mente, Amélia partiu com a família para a cidade grande. Sem manifestada tristeza, comum de aparecer em tal ocasião. Em vez de deixar pingarem lágrimas na calçada da casa em que nasceu, lembrou-se como foi feliz ali e continuou a adiar uma tão escondida saudade.
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