Aquela situação estava tornando-se insustentável.

Didi era melhor amiga de Leo desde o jardim de infância, e o vira passar por todas as fases boas e ruins de sua vida. Ela sim o conhecia. Como ele chegou àquele ponto? Tornar-se um agente de destruição de sua própria existência por causa de uma garota esquisita que, em um dia comum, caiu por cima dele no bar? Leo não era aquele tipo de homem louco, descontrolado e passional. Didi sabia quem ele era: Sensível, poético, boa praça, inteligente e compreensivo.

Leo estava mais bêbado do que sua melhor amiga ousaria comentar, mas visão turva jamais o deixaria enganado. Vinha bebendo demais nas últimas semanas, seu cabelo estava comprido e a barba por fazer há dias. Quem se importava?

Didi importava-se muito com Leo. Ele foi a única pessoa que a ajudou na pior fase de sua vida, ou melhor, em todas as piores fases de sua trágica e inútil vida. Ela coçava os olhos por debaixo dos óculos de armação grande, por causa do excesso de bebida e por causa do sono que começava a cobrar seu preço.

Por que Didi não o deixava sozinho? Ele só queria deitar a cabeça naquele atrativo tampo de madeira escura do Bar do Manoel, chorar um pouco como o moleque desolado que na verdade era, e esvaziar mais algumas doses de tequila. Odiava aquela atitude protetora e compreensiva da jovem mulher franzina sentada na cadeira à sua frente. As lágrimas viriam logo e ele não desejava contar com platéia para seu tormento e desgraça. Estava destruído, aniquilado, destroçado.

A jovem suspirou longamente e prendeu a respiração no momento em que Leo começou a soluçar. Abriu e fechou a boca inúmeras vezes na tentativa de dizer alguma coisa que pudesse consolá-lo, esticou as mãos sobre a mesa na intenção de segurar as de Leo que apertavam com força o copinho de vidro que jazia vazio. Parou o movimento no meio do caminho, ele não precisava daquele gesto. O tremor que atingiu o corpo magro do amigo reverberou no interior de Didi.

Leo encarou a imagem borrada de sua melhor amiga, ciente de que sua alma rasgada e dilacerada estava exposta pelas lágrimas grosseiras que agora manchavam seu rosto, avermelhando seus olhos e fazendo as narinas inflarem delicadamente. Ele até pensou em usar de ironia para perguntar-lhe se estava satisfeita com contemplação em primeira mão de sua destruição, mas faltava coragem até para isso. Ele só queria enrolar-se numa bola, sacudindo-se de um lado para o outro. O peito doía demais, tornando difícil o mínimo esforço para enfiar oxigênio pulmões a dentro. O copinho de tequila que estava preso entre seus dedos partiu-se ao meio num estampido surdo, ele sentiu o calor do sangue grudento que começava a escorrer lenta e silenciosamente pelos cacos de vidro, emplastando seus dedos.

O corte causado pela dor era terrivelmente profundo.