⁸|Não finja que se importa
Dizem que é preciso algo acontecer apenas uma vez para aprendermos uma lição, mas comigo isso nunca funcionou. Já perdi as contas das vezes que suas palavras me magoaram, mas eu continuo tentando, continuo aguentando. Um dia, talvez eu pare. Mas receio que até lá já não me restará mais um coração.
A nova casa do meu irmão e da minha melhor amiga é de tirar o fôlego, com um design moderno e sofisticado.
Ao subir os degraus largos ladeados por plantas bem cuidadas que levam a entrada, observo as janelas amplas que permitem vislumbrar parte do interior bem iluminado.
Na garagem espaçosa e integrada à estrutura da casa, estão os dois carros do casal e a moto, o que significa que ambos estão em casa – ou pelo menos meu irmão já que ele não sai sem aquela moto – e que eu não errei o dia da nossa reunião.
Paro na entrada principal, que é marcada por uma porta alta e imponente, e toco a campainha.
Alguns segundos depois, desço meus olhos para encarar Kate quando ela abre a porta.
— Ah, é você? — Kate diz, sem nem se dar ao trabalho de um 'oi’. Ela me dá as costas e volta para dentro, dizendo por cima do ombro: — Esqueceu o código?
— É bom te ver também. — Fecho a porta atrás de mim, seguindo-a em seguida. — Eu só quis ser educado.
Kate bufa, como se a ideia fosse absurda. Pobre coitada, está se acostumando aos maus hábitos do marido.
— Cadê meus irmãos? — Me jogo no enorme sofá da sala deles. Tá aí uma coisa que irei comprar quando também estiver morando em uma mansão. É macio pra caramba.
— Khalil está no banho e Eros ainda não chegou.
Anuo, pegando o controle para ligar a TV, enquanto Kate mexe em uma mochila que eu tenho certeza que não é dela, pois aposto que ela não usaria um broche do Homem de Ferro.
— Fuçando as coisas do seu enteado? — provoco.
— Uma boadrasta nunca faria isso — diz, se gabando do apelido que Dean deu a ela. — Estou vendo se ele está levando tudo. Vamos pra casa da Genevieve e ele vai dormir lá, porque ele e Freya vão assistir algum tipo de live de jogo.
E falando nele, Dean aparece na sala.
— E aí, garoto. — Fazemos nosso toco de mão. — Gostei do cabelo. — Aponto para o seu penteado com tranças nagô.
— Valeu. Foi a vovó que fez. — Seu sorriso orgulhoso me lembra de quando eu tinha sua idade e minha mãe também fazia esse penteado em meu cabelo. Eu me achava pra caramba.
Quando eu era menor, não deixava meu cabelo crescer o suficiente para que minha mãe fizesse essas tranças. Sempre pedia para ela cortar quando ele estava um centímetro maior do que na semana anterior. Minha mãe nunca entendeu, até ouvir uns garotos do colégio me zoando um dia em que não deu para ela cortar. Eram um grupinho racista de merda, que rapidamente foram colocados em seu lugar quando minha mãe os entregou para a diretoria. Naquele dia, ela sentou comigo e me fez prometer que eu jamais deixaria de ser quem eu era por conta de uns idiotas que se achavam melhor que nós, mas que no fundo eram apenas pessoas amargas que buscavam qualquer coisa para semear o ódio, até mesmo a cor da nossa pele ou o nosso cabelo, mas que isso não era culpa minha ou das pessoas como nós, e que a melhor forma de nos “vingar” era sermos nós mesmos porque não há nada pior para um opressor do que a mente de alguém que tem certeza de quem é e dos seus ideais.
Depois disso, eu sempre pedia para ela fazer algum penteado estiloso. As garotas adoravam.
Quem sabe eu não volte a usar um dia.
— Querido, vá se despedir do seu pai. Já vamos sair — Kate avisa, ainda verificando a mochila. Tenho a impressão que ela já olhou tudo umas três vezes. Quando Dean já subiu as escadas para o segundo andar, ela se dá conta de algo e grita: — E pegue sua escova de dente!
— Tá bom!
Olho para minha melhor amiga, mas dessa vez com um olhar diferente. Não é a primeira vez que eu vejo Kate na função de madrasta, mas é a primeira vez que chego a uma conclusão.
— Você será uma ótima mãe, Kate — digo, então. — Já está sendo, na verdade. — Porque o cuidado que ela tem com Dean é perceptível para qualquer um que veja mesmo de longe.
Minha amiga para, mas rapidamente retorna o que estava fazendo.
— Espero que sim.
Não temos tempo de falarmos mais sobre o assunto porque Dean e Khalil estão descendo as escadas.
— Não durma muito tarde — Khalil está dizendo ao filho. Dean revira os olhos, bufando.
— É sábado, pai. Dá um desconto, vai.
— É melhor você estar na cama à meia noite. — O tom do meu irmão não tem espaço para discussão.
Foi estranho, logo no início, começar a vê-lo como pai de alguém, principalmente depois de tantos acontecimentos, mas ao longo do tempo fui, não apenas me acostumando, mas percebendo o quanto meu irmão é bom nisso. E assim como é óbvio o carinho de Kate por Dean, também é muito claro o amor do meu irmão por esse garoto. Todos nós o adoramos, na verdade. Ele nasceu para ser um de nós.
Depois de uma despedida muito exagerada dos recém-casados onde Dean e eu ficamos fazendo sons de nojo até Kate jogar uma almofada em nós, eles se preparam para sair. Dean pegou sua escova de dentes, e já estão prontos para ir para a casa de Genevieve. Pelo que entendi, as três também terão uma reunião essa noite. Não me permito pensar na terceira mulher que estará presente.
— Boa noite, tio Eros. — Ouvimos Dean dizer da entrada.
— Boa noite, garoto.
— Ai! — definitivamente é a voz de Kate agora. Eu apostaria minha coleção de luxo do Senhor dos Anéis que ele puxou o cabelo dela. — Seu idiota pateta.
— Também te amo, tampinha.
Assim que Eros aparece na sala, ouvimos a porta da frente fechar.
Meu irmão se joga no sofá ao meu lado. Ainda está de terno, então só posso imaginar que estava na empresa resolvendo alguma coisa.
— Quem vai cozinhar? Estou morrendo de fome — resmunga, tirando os sapatos e jogando os pés em cima da mesinha de centro. Um segundo depois, ele está recebendo um chute de Khalil, fazendo-o tirar seus pés da mesma mesinha. — Ei!
— Kate detesta que eu faça isso — Khalil explica, sentando no outro sofá após tomar o controle da minha mão. Ele é do tipo “minha casa, minhas regras”.
— Ela não está aqui e eu não sou você.
— Mas ela vai saber, porque ela sempre sabe, e vai achar que fui eu — resmunga.
Eros parece que vai refutar, mas acaba desistindo com um suspiro.
— É, Genevieve também sempre sabe quando eu uso o shampoo dela. E eu só pego um pouquinho.
— Por que você usa o shampoo da sua esposa? — pergunto genuinamente curioso. É nisso que os homens se transformam depois do casamento, ladrões de shampoo feminino?
Eros cruza os braços, fungando, e eu tenho a leve impressão que suas bochechas ganharam cor.
— Deixa o meu cabelo supermacio.
Balanço a cabeça, ainda sem acreditar. Meu irmão está completamente perdido.
É bom que nunca irei me casar.
🍸
Khalil está limpo faz mais de um ano e não vê problema em bebermos perto dele. Claro que, por respeito e consideração, Eros e eu nunca bebemos nas nossas reuniões, mas hoje precisei quebrar o nosso acordo não verbal.
Eu precisava de uma bebida. Amo meus irmãos, mas não estava conseguindo me concentrar em uma única palavra da nossa conversa porque meus pensamentos sempre me levavam de volta para ela. E eu não queria que meus irmãos percebessem que há algo de errado porque não suporto mais termos que falar do mesmo assunto todas às vezes porque eu sou um idiota que ainda insiste em ter contato com a mesma mulher que quebrou meu coração mais vezes do que eu sou capaz de contar.
Estou devendo uma garrafa de vinho a Kate agora, mas pelo menos consigo prestar atenção no jogo de sinuca o suficiente para ficar em segundo lugar.
O cheiro de queijo derretido e molho temperado paira no ar, misturando-se ao eco abafado dos arremessos na TV. No canto, a luz verde da mesa de sinuca ilumina os tacos apoiados contra a parede.
Aos olhos de qualquer um, três homens adultos e responsáveis estariam, em um sábado à noite, discutindo negócios ou algo assim, mas meus irmãos e eu achamos mais divertido jogar sinuca enquanto assistimos basquete e comemos pizza na sala de jogos. Essa, com certeza, é a minha parte preferida da casa.
— Freya sonhou que Kate estava grávida. De gêmeos. — A revelação de Eros faz Khalil errar a tacada, e acertar a trave.
— Esperto — admito. Eros dá de ombros e, com a tranquilidade irritante de quem nunca erra, encaçapa duas bolas seguidas. Khalil estreita os olhos para ele, mas não diz nada.
— Ela realmente sonhou isso? — Khalil questiona alguns momentos depois. Ele se inclina sobre a mesa, calculando o ângulo. O taco desliza suave entre seus dedos antes de ele bater na bola branca. O estalo ecoa na sala, mas a bola colorida bate na borda e para a centímetros do buraco.
— Sim. Tem umas duas semanas. Achei que Genevieve tinha comentado com Kate. — Eros sorri de canto ao ver Khalil errar, girando o taco entre as mãos como se já previsse o resultado.
Observo o rosto de Khalil. Mas com o semblante livre de expressões, é difícil de saber o que ele está pensando. Sempre admirei essa habilidade. Certamente é algo que eu gostaria de dominar.
— Vocês estão tentando? — pergunto, já que adivinhar o que ele está pensando seria mesmo que esperar todo o Iceberg descongelar.
Khalil dá de ombros, se posicionando para sua próxima jogada.
— Não seria ruim se acontecesse. Temos mais três quartos vagos. — Pelo seu sorrisinho, ele está falando sério. Que Deus dê forças a Kate.
— E você e a Gen? — pergunto a Eros. — Querem outro filho depois da Íris?
— Eu não reclamaria. Ter uma casa cheia de crianças correndo pra lá e pra cá seria uma dor de cabeça que eu abraçaria de bom grado e com muito orgulho, mas não é uma decisão minha. É o corpo de Genevieve, e teremos quantos filhos ela quiser. Se ela achar que não devemos ter mais, serei grato pelas duas que já temos.
Em momentos como esse é fácil enxergar porque meus irmãos são minhas maiores referências na vida.
— E você? — Esperava essa pergunta de Eros, mas não de Khalil.
— Eu o que? — No entanto, me faço de desentendido, mesmo sabendo que isso não cola com esses dois enxeridos.
— Não vai agraciar nossa mãe com nenhum neto? — Eros pega um giz, passando-o em seguida na ponta do taco.
— Nah. Vocês já estão fundando um time de futebol. Vou deixar os meus para a próxima encarnação.
A risada vem fácil, como sempre, porque no fundo, é só uma piada... mas tem um fundo de verdade. Meus irmãos só não imaginam que a verdade por trás das minhas palavras é que eu receio nunca encontrar alguém que eu vá amar de verdade, a ponto de querer ter filhos com ela. Já fiz isso uma vez, e nós sabemos como acabou.
🍸
Foi um pouco vergonhoso ter meu irmão me trazendo para casa depois que eu esvaziei uma garrafa de vinho sozinho.
Felizmente Eros me livrou de um sermão, e não insistiu quando eu disse que estava bem e não precisava de ajuda para subir. Meu eu do passado – o Anthony universitário – teria vergonha de me ver agora: levemente bêbado com apenas uma garrafa de vinho.
Eu consigo pegar o elevador sem problemas, mas tenho certeza que cochilo por uns segundos, e acordo com o barulho suave das portas abrindo.
Com algumas passadas, estou quase chegando ao meu apartamento, quando esbarro em alguém.
No meio da confusão do álcool, meu cérebro reconhece o perfume dela: jasmim, âmbar e um leve toque de frutas. Nesse momento de incoerência, parece muito com o cheiro de felicidade.
— Anthony. — Ignoro como sua voz soa sedosa. Com certeza que é apenas o álcool suavizando a sua frieza de sempre.
Murmuro um “desculpe” pelo esbarrão e me dirijo até a porta familiar de número 26.
— Não sou o suficiente para você?
— Você demorou para perceber.
Não sei o que eu esperava ao convidá-la para jantar – não fiz por segundas intenções ou esperança de algo –, mas confesso que, mesmo já acostumado com ela, ainda não esperava por aquelas palavras. Ou que elas me magoassem tanto. Foi definitivamente uma surpresa, porque achei que ela já não tinha mais efeito sobre mim, como um remédio que ao ser tomado em excesso, perde o efeito. Mas eu ainda fiquei sentado na cozinha, por uns bons minutos, encarando a porta pela qual ela saiu.
Você demorou para perceber.
Bem, agora eu sei.
Ainda estou lutando para achar minhas chaves e torcendo para não tê-las esquecido na casa de Khalil, quando sua voz preenche o silêncio do corredor.
— Eu… Desculpe por ontem — sua voz soa baixa, e se não fosse o álcool, eu diria que ela parece insegura com suas palavras, algo tão raro para ela que eu tenho certeza que é coisa da minha cabeça. — Eu não estava no meu melhor dia ontem e sinto muito se…
— Pare — peço, suspirando. Posso viver com a verdade de que não sou o suficiente para ela, mas não posso ouvi-la tentar se desculpar por algo que eu tenho certeza que ela não sente nem um pouco. Além disso, ela disse a verdade, certo? Não há porque se desculpar por isso também.
— Desculpe.
Viro-me para ela, sabendo que irei me arrepender.
Lorelei já está me encarando. Há uma vulnerabilidade em seus olhos castanhos salpicados de verdes que eu ignoro.
— Pare — peço outra vez. — Não finja que se importa.
— Não queria magoar você.
Não consigo controlar a risada fria que me escapa. É muito engraçado ouvir isso da sua boca depois de todos esses anos.
— Isso funcionava com o seu ex-marido? — atiro de volta. Observo como seus lábios se separam e em como ela parece recuar minimamente. — Imagino que não, já que ele te deixou.
Cale a boca. Pare de falar.
Para uma mente bêbada, a minha até que é sensata.
E eu percebo o porquê. Está bem na minha frente. A leve mudança no semblante de Lorelei. A surpresa pelas minhas palavras, mas algo mais. Algo que eu nunca pensei que poderia lhe causar: mágoa. Eu deveria ficar pelo menos um pouquinho satisfeito. Uma parte mesquinha minha gostaria que eu sorrisse agora e aproveitasse o momento. Mas eu não consigo. Não sei nem se poderia. Porque não importa o que essa mulher faça comigo, eu nunca poderei devolver na mesma moeda e ficar feliz com isso.
Dou um passo para frente, a desculpa na ponta da língua, mas Lorelei é mais rápida, recuando.
— Boa noite, Anthony.
Então ela se vira, abre a porta e entra no seu apartamento.
E eu fico aqui parado no corredor, me perguntando como o jogo virou tão rápido e o babaca de repente sou eu. E como é que eu posso consertar essa merda.
💚
Oiiii. Estavam com saudades do nosso trio???
Confesso que eu sim. Sempre dá uma saudade de voltar a escrever sobre eles😭😭.
Oq acharam do capítulo?? Acham que o Anthony foi babaca? Perdoaram a Lola pq ela foi pedir descupas ao nosso pitico????
Enfim, até o próximo capítulo!!!!!
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INSTA: AUTORA.STELLA
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É isso, 2bjs, môres✨️
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