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Capítulo 34

Vagarosamente, abri meus olhos e me sentei na cama. Sequer sabia como havia chegado alí, mas ainda estava processando minha própria existência para pensar em questionar. Um longo e preguiçoso bocejo escapou de meus lábios, quase me desmotivando de levantar. Tateei a mesa de cabeceira em busca do despertador simples, errando o botão algumas vezes antes de finalmente desligar o aparelho.

As cortinas brancas com detalhes de girassóis deixavam transpassar uma quantidade sutil do Sol da manhã, iluminando suavemente o quarto bagunçado, que seria motivo de reclamação da mamãe mais tarde.

Me arrastei pra fora da cama ainda sonolenta, coçando de leve os olhos pesados por baixo do desastre natural que eu chamava de cabelo. Ainda enfiando as pantufas de qualquer jeito nos pés, alcancei o corredor em alguns passos preguiçosos.

Saindo do próprio quarto, meu irmão parecia tão destruído quanto eu, após nossa longa noite jogando videogame sem a permissão da mamãe na sala. Ele riu quando me viu, o largo sorriso de dentes perfeitos em seu rosto me arrancou um grunhido irritadiço, mesmo que ouvir sua risada tivesse me trazido uma sensação inexplicavelmente boa. Eu havia perdido a primeira rodada do nosso campeonato anual de férias.

-Como vai, a minha escrava favorita? - ele cantarolou ainda com a voz rouca, tirando do rosto as mechas curtas e irritantemente lisas de seu cabelo acobreado.

-Aquilo não valeu, você trapaceou! Não sou escrava coisa nenhuma! - ralhei cruzando os braços, o sorriso irritante do ruivo apenas aumentou, fazendo com que seu nariz sardento ficasse sutilmente arrebitado.

-Oh, mesmo? Então, serei mais honesto... Começando por informar à mamãe que não foi o gato do vizinho que derrubou aquele bule caríssimo de porcelana, e sim uma nanica de nove anos com uma bola de futebol brasileiro... O que acha? - ele ergueu uma das sobrancelhas grossas ao falar, sua expressão de óbvio divertimento me tentou ainda mais a lhe aplicar o chute giratório que aprendi nas aulas da semana passada.

-Claire, Kalel! Onde vocês estão? O café vai esfriar! - a voz de mamãe no final do corredor me fez congelar no lugar, e sem outra opção, fui obrigada a ceder àquele chantagista juvenil. Quatorze anos de idade e meu irmão já chantageia crianças, eu diria que é um ótimo currículo pra chefe da máfia no futuro.

-Isso vai ter troco! - resmunguei ao garoto, ele apenas riu e passou por mim bagunçando meu cabelo.

Segui emburrada em seu encalço até a sala de jantar, mas minha irritação imediatamente se desfez com o cheiro maravilhoso de panquecas recém feitas e suco de laranja que dominou meus sentidos. Uma lágrima solitária escapou involuntariamente de meu olho com aquele cheiro. Era estranho, mas de certa forma, eu sentia que não experimentava uma panqueca a muito tempo.

Confusa, atravessei a sala de jantar a passos largos. Porém, um breve vislumbre do espelho no centro da cristaleira grande me fez estacar no lugar, antes mesmo de alcançar a porta da cozinha. Um suspiro de susto escapou dos meus lábios, e mesmo temerosa, fui incapaz de controlar o impulso de me aproximar do espelho.

Na superfície reluzente, uma mulher desconhecida me encarava com óbvio temor. Os cabelos sujos e desgrenhados cortados à faça acima dos ombros emolduravam um rosto cansado, com fundas olheiras abaixo dos olhos escuros e várias cicatrizes antigas e novas, perdidas abaixo de toda a sujeira e manchas de sangue que cobriam seu corpo inteiro e as roupas largas e velhas que vestia.

Levantei vagarosamente a mão com o intuito de tocar o espelho, mas me afastei em um salto quando a mulher cansada no espelho imitou meus movimentos. Estava prestes a dizer algo, quando meu irmão subitamente entrou no cômodo.

-O que está fazendo, Claire? Vou comer sua parte das panquecas se não vir logo! - ele anunciou e voltou para a cozinha.

Quando encarei o espelho novamente, a mulher havia desaparecido, dando lugar a mesma garota magrela de nove anos de sempre. Decidi por fim que aquilo fora apenas o sono e corri até a cozinha.

-E então, filha... Animada com as férias? - mamãe perguntou quando me sentei à mesa, me servindo um grande copo de suco de laranja e um prato maravilhoso de panquecas com manteiga.

Sorri feliz para ela, realmente feliz pelo simples fato de ela me perguntar algo, e novamente a sensação de não sentir aquilo a muito tempo me dominou. Antes de poder me controlar, me levantei do lugar e abracei a mamãe com força. Ela soltou um pequeno suspiro assustado, mas sorriu e retribuiu o abraço carinhosamente.

-Clarife Hale, fendo tão carinhosa pela manhã? Está foente maninha? - meu irmão perguntou confuso, as palavras saindo abafadas por estar com a boca cheia de panqueca.

-Não seja tão chato! - me aproximei do garoto sorrindo e o abracei também, ele riu da minha atitude, mas retribuiu o abraço deixando um beijo oleoso na minha bochecha.

-Mal posso esperar para rever vovô e vovó... E a Estrela! - comecei por fim a falar sobre as férias, a animação de falar sobre a viagem com a minha família e a alegria de rever minha égua, Estrela, me fizeram esquecer a cena estranha com o espelho.

Papai chegou de missão algumas horas depois, o som tão familiar da porta da frente se abrindo foi o suficiente para me arrancar do sofá. Sem nem mesmo notar o que fazia, corri até a entrada da casa com todas as minhas forças e me joguei em seus braços sem qualquer ressalva. Uma sensação que eu não sabia descrever me preencheu ao vê-lo alí, sentir o cheiro de loção pós barba que ele sempre emanava. Eu estava tão feliz naquela manhã que poderia explodir, mas no fundo de mim algo parecia tão irreal.

-Calma, pequena! Também senti sua falta! - papai riu, devolvendo o abraço e acariciando meu cabelo, uma sensação estranha envolveu meu coração e novamente eu estava chorando sem perceber - Ei, minha linda... O que aconteceu? Está tudo bem? - ele perguntou cauteloso, sua face antes cansada se transformou em uma expressão preocupada em instantes.

-E-eu estou bem... Só estou feliz... - gaguejei, secando rapidamente o rosto, não gostava de chorar na frente de ninguém.

-Tudo bem, é normal se emocionar... Mas sabe que pode me contar tudo, não é? - ele questionou novamente e eu assenti abrindo um sorriso pequeno.

Segui meu pai casa a dentro, observando enquanto ele abraçava Kalel e então mamãe, deixando um beijo terno nos lábios da esposa e dizendo o quanto a achava linda, como fazia sempre que tinha a chance. Hoje em especial, aquela ocasião parecia tão desesperadamente rara.

Aos poucos, mas não lentamente, aquela cena feliz me pareceu cada vez mais e mais estranha. Irreal. Falsa.

Meu olhar se atraiu até minhas mãos de repente, e a sujeira que cobria aquelas mãos grandes demais para uma criança me assustou. De alguma forma, eu sabia quem eu era. A mulher do espelho, que distoava gritantemente daquela casa e família felizes.

Lancei um último olhar à minha família, tentando guardar o máximo que podia daquele momento na memória, e saí pela porta da frente silenciosamente. O mundo feliz da minha infância não existia mais, e eu tinha um papel a cumprir no novo mundo, no mundo que precisava ajudar a reconstruir.

Mais uma vez, meus olhos se abriram não vagarosamente, mas assustados. Não havia despertador ou o cenário familiar do meu quarto, apenas uma enfermaria lotada e o desespero tão recorrente do apocalipse. Aquilo era real, a dor gritante do meu ombro deslocado sendo colocado no lugar sem qualquer mínima anestesia era real. E não importava o quão decadente minha vida tenha se tornado, eu escolheria mil vezes a realidade de uma vida difícil, do que a fúlgida falsa felicidade dos sonhos aos quais eu não pertencia.

XXX

-Clarisse? Ouviu o que eu te disse? - a voz calma de Siddiq me fez saltar sutilmente na cadeira, me arrancando dos meus devaneios repentinamente. O que ele tinha dito mesmo...?

O sonho que tive naquela noite, a noite em que a guerra finalmente chegou ao fim, ainda atormentava vívido meus pensamentos. Mesmo que quase dois meses tivessem se passado após aquilo, a sensação intensa de que eu não pertencia mais ao passado que tanto desejava como futuro, me perseguia dia após dia.

-Desculpa, pode repetir? - murmurei envergonhada, minha concentração não andava das melhores nas últimas semanas.

-Não se preocupe. Estava apenas te explicando que seu ombro parece relativamente bem. A fisioterapia foi bastante efetiva e pelo que observei, você provavelmente estará totalmente curada em uma ou duas semanas no máximo, mas mesmo assim vou te entregar alguns analgésicos para caso sinta dor. - o médico buscou duas caixas de remédio enquanto falava, me entregando ambas com um sorriso gentil - Se as dores não diminuírem com os remédios, volte até mim para uma nova avaliação. E por favor, sem... - ele começou, mas completei a frase por ele, enquanto ajeitava minhas roupas e recuperava minha mochila e Jack, que estava deitado ao lado da mesma no canto da "sala".

-"Sem armas ou lutas desnecessárias." Eu sei... Não vou me meter em confusões, nem se eu quisesse os outros deixariam. - imitei a voz pacífica de Siddiq ao pronunciar a frase que ele fazia questão de repetir cada vez que me via, ele riu da minha cara de tacho.

-Eu não precisaria repetir isso tantas vezes se você cumprisse corretamente o repouso. Mas vou confiar na sua palavra. Diga um "oi" a Carl por mim. - ele falou por fim.

-Está bem. Obrigada pelo remédio, vou repor quando me deixarem voltar às buscas. Até mais, Siddiq. - me despedi por fim, o homem acenou do trailer quando saí de seu consultório improvisado, e foi atender o próximo paciente de uma longa fila.

Do lado de fora do trailer do médico, a neve fofa recobria o chão em uma grossa camada. Seguindo o calendário de Alexandria, provavelmente estávamos na metade de fevereiro, sendo assim o inverno ainda marcaria sua presença gelada em mais algumas semanas.

Após o fim da guerra, todos os feridos no combate foram trazidos para Hilltop, que era a comunidade mais próxima e bem equipada no momento. Eu não fui uma exceção, é claro. Gostaria de ter ficado em Alexandria para ajudar no trabalho árduo de limpeza dos mortos e reconstrução da comunidade. Porém, com o braço direito inutilizado por uma luxação séria, um dedo faltando e vários outros ferimentos que eu sequer me lembro dos nomes, não me restaram muitas chances de protesto. Hoje seria a primeira vez que eu voltaria para casa, e saber que teria de enfrentar as consequências de ter forjado minha morte e a de Carl por lá, me deixava apreensiva.

Eu não sabia se seria capaz de olhar Rick nos olhos novamente depois de tudo o que o fiz passar. Ele iria se deixar morrer naquela noite, iria deixar que Negan o matasse. Vi no rosto dele como parecia ter desistido naquele momento, e sabia que o motivo havia sido a minha mentira. Fazer um pai pensar ter perdido um filho de forma tão brutal era cruel demais, até para os meus padrões, mas eu tinha de enfrentar a situação. E mesmo que Rick decidisse me expulsar de vez de Alexandria, ou mesmo me executar, eu aceitaria sem reclamar.

As últimas semanas foram difíceis, muitos dos nossos ficaram gravemente feridos e além da escassez de insumos médicos básicos e até mesmo dos próprios médicos, as perdas foram inevitáveis. Enid e eu tentamos ajudar, a garota muito mais do que eu, é claro, considerando meu ombro ferrado. Até mesmo Maggie, que acabou ocupando o posto de líder do desgraçado do Gregory - que acabou morto por um caminhante, após ter fugido por uma brecha do portão quando soube que Maggie tinha sobrevivido - na comunidade, passava horas ajudando na enfermaria. Mas, no fim, nem mesmo metade dos feridos sobreviveram até o momento.

Eu não busquei saber o que aconteceu com os escassos Salvadores que sobreviveram, e estava grata por ninguém ter tocado no assunto comigo. A sensação inquietante de arrependimento por ter matado tanta gente a sangue frio em uma única noite ainda me tirava o sono, me fazia questionar repetidamente em que eu estava me transformando, mas agora não havia como voltar atrás.

Ainda assim, de uma dessas mortes eu sequer era capaz de me arrepender. Querendo ou não, Negan era um ser vivo, e o que mais me aterrorizava é que eu sequer hesitei em puxar aquele gatilho. As pessoas me intitularam a " Demônia de Alexandria", como se esse apelido fosse um troféu, mas era apenas uma lembrança constante do quão cruel eu tenho me tornado.

O confronto tirou muito de nós, rostos conhecidos e queridos na comunidade como Denise, Olívia e Tobin, agora eram apenas um adicional aos vários nomes pintados no memorial improvisado em um dos muros de Alexandria. Covas adicionais ao cemitério que o mundo inteiro virou.

-Clarisse? - uma voz feminina me chamou, o segundo susto do dia.

-Sinceramente... Vocês precisam parar com essa mania de me chamar do nada. - reclamei, com a mão sobre o peito pelo breve susto, a garota riu se abaixando para acariciar Jack que correu em sua direção.

-É você que tem andado no mundo da Lua! Como está o ombro? Estou vendo que Siddiq te deixou tirar a tipóia. - ela sorriu.

-Já não era sem tempo, fazer tudo com a mão esquerda é um porre. Estava me sentindo literalmente um zero à esquerda. - movimentei sutilmente o braço direito, ainda havia um pouco de dor, mas já era um grande avanço ter meu braço direito de volta, mesmo que com um dedo a menos.

-Está pronta para sair? Daryl deve chegar logo pra te buscar... Vou sentir sua falta aqui. - sua voz perdeu o ânimo ao longo da frase, a mesma sensação precoce de saudade me dominou.

-Tem certeza de que não quer voltar comigo? Mesmo antes de mim, Alexandria já era sua casa. - perguntei novamente, mesmo que já soubesse da resposta, ela negou com a cabeça e sorriu plácida.

-Casa é onde sua família está. Eu vou sentir falta de Alexandria, mas meu lugar é com os Rhee. - ela falou calmamente, e eu me senti feliz por ela, por Enid ter conquistado uma nova família.

-Bom... De toda forma, isso não é uma despedida. Voltarei em breve, pra te encher o saco. - brinquei, um sorrisinho sacana nos lábios, a garota riu e me abraçou.

-Até logo, Insolação. - ela riu, usando o apelido que Cyndie me deu.

A morena havia voltado a OceanSide a alguns dias, mesmo que ainda não estivesse 100% do tiro que tomou no abdômen, uma líder não podia ficar tanto tempo longe de sua comunidade. Nenhuma delas havia me contado nada abertamente, mas eu sabia que Enid e Cyndie haviam se dado mais do que bem nas últimas semanas, sentia isso na forma quase boba como elas se olhavam. Porém, não insisti realmente no assunto, apenas soltei uma ou outra piadinha.

-Vocês duas estão até mesmo pegando as manias uma da outra! Se eu não for a madrinha desse casamento, serei a louca que aparece com uma metralhadora no "fale agora, ou cale-se para sempre." - assim que soltei a frase, tive de desviar de uma soco quase fraco da loira.

-Deuses, Hale! Vá embora de uma vez, não sei como Carl te suporta! - Enid reclamou, muito mais corada que um segundo atrás, caí na gargalhada.

-Ele é bem mais insuportável que eu, por isso combinamos. Até mais, loira! - me afastei ainda rindo e ela me mostrou o dedo do meio entre o aceno de despedida.

No portão, três figuras me aguardavam, rindo de minha interação com Enid. Eram Paul, Henry e Benjamin. Ben e seu irmãozinho Henry, que descobri apenas depois ser o nome do garotinho loiro que estava junto de Mia e Judy naquela noite, foram uma grata surpresa no meio de toda essa confusão.

Havia me aproximado bastante dos dois em minha estadia aqui, mas Ben se tornou quase tão próximo de mim quanto Enid. Ele tem a mesma alma generosa e altruísta que Kalel tinha, mesmo que tenha muito menos malícia que o meu irmão, e isso me fazia sentir em casa com ele. Era errado tentar tapar buracos de entes queridos perdidos dessa forma, mas acho que no fundo da minha alma, eu precisava verdadeiramente dessa ajuda para seguir em frente.

-Vocês são tão carinhosas uma com a outra... É inspirador. - Ben brincou, fazendo Henry gargalhar enquanto bagunçava a pelagem macia do meu cão, que pulava no garotinho e sujava suas roupas.

-Carinhosas como coice de mula, só se for! - o loirinho ironizou, e eu lhe dei a língua, rindo. Paul observava a conversa em silêncio, com um sorriso tranquilo no rosto, ele parecia quase aliviado com aquela interação.

-Vou sentir falta de vocês... - murmurei, de repente muito emotiva, Henry se aproximou de mim e me abraçou forte, escondendo o rosto no meu casaco.

-Você podia ficar aqui... Todo mundo gosta de você em Hilltop... - o mais novo murmurou tristonho, deixei um beijo sutil no topo de sua cabeça.

-Vamos... Não fique tão desanimado, eu vou voltar em alguns meses... Prometo até te ensinar alguns golpes de Muay Thai, para assustar os outros garotos! - prometi, arrancando um sorriso largo do menor, que me deu um último abraço rápido antes de se afastar.

-Vocês dois não têm jeito! - Ben reclamou, mesmo que estivesse sorrindo, e me abraçou apertado, fazendo com meus pés se afastassem alguns centímetros do chão por ser mais alto que eu.

-E você adora a gente exatamente por isso, Cachinhos Dourados! - minha voz saiu abafada por seu casaco, ele riu do apelido idiota, mas não reclamou.

-Vou sentir sua falta, Girassol... - ele sussurou, se afastando alguns segundos depois, lhe dei um sorriso emocionado e me virei para Paul.

Sem dizer nada, meu primo também me abraçou, me levantando do chão e girando no ar, como Kalel também fazia. Ainda era estranho receber tantos abraços, como era no mundo antigo, mas eu estava me acostumando com isso.

-É bom te ver rodeada de tantos amigos... Fico realmente aliviado por não te ver mais tão solitária. - Paul sussurou, como se aquele fosse o maior segredo do mundo, e talvez fosse.

Fiquei um pouco surpresa e atordoada com suas palavras, ouvindo a frase se repetir mesmo após ter me despedido de Maggie, Glenn e todos os outros e entrado no carro que me levaria de volta a Alexandria. Observando a alva paisagem invernal em volta do veículo quando os portões de Hilltop se abriram, eu percebi que pela primeira vez em muito tempo, eu não precisava estar sozinha.

-Tem certeza de que não esqueceu nada, garota? - Daryl perguntou, quando joguei a mochila no banco de trás, fechando a porta quando meu cachorro se aninhou no banco ao lado dela, e me sentei no banco do carona.

-Duvido que você tenha a paciência de me esperar buscar, se eu disser que sim. - retruquei com uma sobrancelha arqueada, o arqueiro soltou a insinuação de uma risada pelo nariz.

-Pelo visto já entendeu as regras, baixinha. Vai ser uma companheira de viagem menos irritante. - ele respondeu simples, mas para os padrões do Dixon, eu sabia que era o mais próximo de um "você fez falta" ou elogio que teria dele, e estava feliz com isso. Daryl tentava manter sempre a fachada de machão inabalável, mas com toda a certeza é uma das pessoas mais gentis que já conheci.

-Já conheço um pouco da sua má vontade. - provoquei, ele negou com a cabeça mas eu podia ver a sombra de um sorriso em seu rosto.

-Coloca a porcaria do cinto, não vou parar o carro se cair na neve. - Daryl avisou ao dar partida, eu sorri tranquila enquanto ajeitava o cinto.

-Fica tranquilo... Eu até corro atrás do carro, se for preciso. - respondi com um sorriso emotivo.

Depois de tudo o que aconteceu... Eu faria qualquer coisa para voltar pro meu lar, e pro meu garoto.

XXX

"

Bem-vindo à zona segura de Alexandria.

Misericórdia aos perdidos.

Vingança aos saqueadores.

"

Era a inscrição na placa enferrujada ao lado do grande portão. A mesma placa que marcou minha leviana chegada e que agora, meses depois, parecia muito mais acolhedora do que uma ameaça clara. Da primeira vez em que a vi, acho que me preocupei demais apenas com a palavra vingança, porque a minha vida era meramente isso. Um mar de vingança, amargura e solidão.

Sem lar, sem ninguém, eu acreditava ferrenhamente que Jack era o único ser vivo em que ainda podia confiar em um mundo tão grande. Estava fadada a uma morte trágica, mas insignificante demais até para mim mesma. É desconcertante admitir, mas a verdade é que naquela época eu sequer sabia o significado real de estar viva. Agora, mesmo que trouxesse na bagagem alguns traumas a mais além das poucas roupas emprestadas, eu estava começando a compreender.

O baque suave da porta do carro se fechando sequer chegou aos meus ouvidos, tudo parecia pequeno e distante demais naquele momento, porque a única coisa capaz de atrair minha atenção era a figura alta que caminhava sorridente em minha direção. Não me lembro em que momento nos abraçamos, ou mesmo cheguei a perceber minha pequena corrida até ele, porque a forma como nossos corpos pareciam tão certos juntos mesmo sob a grossa camada de roupas de inverno, me deixava extasiada demais.

Me afundei vagarosamente no peitoral acolhedor que me salvou de mim mesma tantas vezes, e me permiti esquecer completamente da realidade a minha volta pela eternidade daquele abraço. Ele acariciou meus cabelos com cautela, como se precisasse se certificar de que eu não fosse quebrar como um frágil castelo de areia.

Acompanhando seu movimento, ergui lentamente a mão e segurei a dele sobre minha bochecha. Nossos olhos se encontram, o mar emotivo do dele se misturando à tempestade dos meus, e então nossos lábios seguiram o exemplo.

A mão grande do garoto se perdeu na eterna bagunça do meu cabelo, e eu não fui capaz de me importar quando meu gorro se perdeu no asfalto úmido pela neve. Trouxe meu garoto para mais perto de mim e coloquei cada gota de sentimento em mim naquele beijo.

Toda a saudade e a preocupação de quase dois meses sem nos falar direito, transformada em suspiros entre as carícias de seus lábios macios. A felicidade de finalmente ter voltado para seus braços, o lugar de onde eu não queria ter saído nunca, se transformando em delicados puxões nos fios macios do garoto.

Apenas quando nos afastamos alguns centímetros, completamente sem ar e com muito mais calor do que qualquer ser vivo deveria estar em pleno inverno, fui capaz de me lembrar do resto do mundo. Pude ver Carol, Mia e Michonne a poucos metros de nós, sorrindo cúmplices para mim, enquanto esperavam em silêncio até que fôssemos capazes de respirar novamente. A pequena Judith parecia travar uma luta árdua para fugir do colo de Michonne e correr até nós.

Carl deu um passo pro lado, rindo da situação, e eu apenas me coloquei de joelhos no chão e abri os braços para a criança que corria em seus passinhos curtos e desajeitados na neve até mim. A abracei com força assim que ela mergulhou contra o meu corpo, e acariciando os cabelos da pequena Grimes que enchia meu rosto com beijinhos, tive que fazer força para não desatar a chorar.

Eu estava começando a entender o significado de viver, com essas pessoas até pouco tempo desconhecidas para mim. Acho que no fim, gastar a minha última bala para ajudar aquele desconhecido com problemas na floresta, foi o maior acerto na minha vida. No dia em que eu havia escolhido para morrer, acabei encontrando a vida na única íris azul daquele desconhecido.

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