Capítulo 27
Querido diário,
Estou com medo, não sei o que está acontecendo, mas parece ruim. O papai foi convocado para trabalhar há apenas uma semana, mas voltou para casa antes do tempo. Ouvi ele e a mamãe falando que tem uma doença desconhecida fazendo mal às pessoas, espero que consigam um remédio pra isso rápido.
Acho que vamos viajar, vi a mamãe montando uma mala. Kalel não quis me contar pra onde vamos, fica dizendo pra não me meter em conversa de adultos. Ele é apenas alguns anos mais velho, tem 16 anos e eu 11, isso é tão injusto!
...
Querido diário,
É estranho perceber que um mês se passou desde a última vez que escrevi algo aqui. Não ando tendo tempo pra isso, a mamãe aumentou as aulas de luta e as coisas estão cada vez mais estranhas. Mamãe disse que não vamos poder voltar pra casa ainda, eu gosto da fazenda do vovô, mas sinto falta da escola e das minhas amigas.
Pessoas estranhas entraram na fazenda do vovô hoje, mataram algumas das vacas. Não sei o que elas tinham, mas não pareciam bem. Meu irmão me levou pra dentro, mas tenho certeza de ter visto um daqueles homens tentar morder o vovô quando ele chegou perto.
...
Querido diário,
O vovô está muito doente, estou preocupada. Ele tem uma marca de mordida no braço e está com febre.
Ouvi a mamãe chorando na cozinha.
...
Querido diário,
O vovô morreu, enterramos ele hoje. Vou sentir falta dele...
Espera, isso foi um tiro?!
...
Querido diário,
Acho que já fazem seis meses que não escrevo aqui. Perdemos a fazenda, o tio e a tia também morreram. Estou com fome e as pessoas viraram monstros.
Quero minha vida antiga de volta...
...
Querido diário...?
Acho que essa porcaria não faz mais sentido, minha mãe está morta e a culpa foi minha.
Acho que também quero morrer...
...
Oi,
Quanto tempo faz que eu não escrevo aqui? Anos? Perdi as contas do tempo, sequer sei em que ano estamos e pegar em um lápis novamente é estranho. Minha letra está horrível, e acho que esqueci como se escrevem algumas palavras.
Meu irmão está rindo, eu não deveria ter deixado ele descobrir essa droga de diário. Achamos uma câmera polaroide hoje, vou deixar algumas fotos com você, elas são valiosas hoje em dia.
Ainda sinto falta da minha mãe, às vezes acho que estou esquecendo do rosto e da voz dela. Mas não adianta chorar o leite derramado agora. Temos que seguir viagem agora, é estranho notar que já atravessamos dois estados inteiros. Chegaremos à Virgínia em dois dias, espero que haja algo lá para nós, além de tanta morte e sofrimento.
...
Velho amigo,
Acho que você é tudo que eu ainda tenho, tudo o que restou deles. Minha família inteira já era, aquele desgraçado chamado Negan matou meu pai na minha frente, levaram meu irmão irmão e meu primo pra algum lugar.
Explodi a base de satélite onde aqueles infelizes me mantiveram pelas duas semanas mais infernais da minha vida, haviam civis lá também, acho que não tenho mais alma agora. Fazem semanas que estou na estrada, a comida acabou de novo. Não encontrei nenhum rastro de qualquer outra base dos Salvadores, talvez minha busca pelo meu irmão seja inútil.
Não sei se vou sobreviver pra escrever aqui de novo, mas foi legal enquanto durou.
...
Hey,
Talvez eu reclame demais da minha própria sorte. Achei uma cidade pequena depois de tanto tempo perdida. Comida enlatada vencida é um máximo, parece Natal!
... Quem eu estou tentando enganar?
Acho que não faz sentido mentir para um caderno velho... Eu quero muito morrer. Provavelmente só não desisti ainda porque alguma esperança idiota de ver meu irmão vivo, ainda existe em mim.
Estou realmente muito cansada de lutar...
...
E aí,
Não tenho ideia de como explicar tudo que aconteceu ontem a noite, mas vou tentar resumir. Depois de semanas perdida, eu estava pela milionésima vez fugindo de uma horda daqueles monstros, quando topei com duas garotas.
Elas me ajudaram, mesmo que a mais nova insistisse que a outra deveria me matar. A outra garota parece ser pouco mais velha que eu, talvez uns dois anos, e é meio fútil pensar isso em um apocalipse, mas ela é muito bonita... Mesmo que pareça não ter ido com a minha cara.
As duas me levaram até uma comunidade chamada OceanSide, só tem mulheres no lugar e nenhuma delas pareceu gostar muito de mim. A líder, uma tal de Natania e avó de Cyndie, a garota bonita, disse que eu poderia ficar aqui alguns dias até me recuperar.
Não sei se confio nelas, mas não tenho mais nada a perder.
...
Você não vai acreditar,
Mas eu tenho uma casa e um novo amigo canino. É estranho que eu tenha me adaptado tão rápido a OceanSide, faz pouco mais de um mês que cheguei, mas eu me sinto em casa aqui.
O cãozinho que encontrei há dois dias é muito esperto, parece ter algo quatro ou cinco meses. Infelizmente a mãe e os irmãos dele não sobreviveram, aquele maldito zumbi os feriu demais.
Acho que vou chamar o cachorrinho sobrevivente de Jack, como o Capitão Jack Sparrow, porque estamos perto do mar. Cyndie disse que eu posso ficar com ele, ela é legal depois que se conhece, gosto muito da companhia dela.
...
Sei que vai parecer estranho,
Mas eu beijei Cyndie na praia. Foi meu primeiro beijo. As coisas foram um pouco diferentes do que eu imaginava, não é tão glamouroso quanto os filmes fazem parecer, mas na minha opinião foi um bom beijo.
Acho que isso é o tipo de coisa que pessoas que se amam fazem, mas sinceramente, eu não sei o que é o "amor." Cyndie é bonita, forte e engraçada às vezes, mas acho que não nos olhamos como o papai e a mamãe se olhavam quando eu era criança, ou como Kalel e Paul se olhavam...
Sinto falta deles, e mais ainda de Kalel. Não consigo parar de imaginar se o meu irmão realmente está morto, ou se está em algum lugar precisando de mim, Paul também faz falta, ele saberia me aconselhar sobre Cyndie, ele sempre sabia o que fazer. Tomar decisões é difícil demais...
...
Querido diário,
Eu provavelmente sou a pior pessoa nesse mundo ferrado, mas eu realmente não consigo conviver com essa dúvida. Natania me contou o motivo de não haverem homens na comunidade, os Salvadores os mataram, e elas só sobreviveram porque fugiram.
Essas mulheres confiaram em mim, me deram casa e comida nos últimos dois meses, mas eu não posso continuar aqui. Tenho que continuar procurando meu irmão, mesmo que no final de tudo esteja buscando apenas um cadáver.
Jack é tudo o que vou levar comigo, e talvez seja muito egoísmo arrastar um filhote de pouco mais de seis meses para o inferno que o mundo virou, mas sei que me mataria se fosse embora sozinha de novo.
Se você encontrar isso, espero que possa me perdoar, Cyndie.
Adeus, diário, agradeço por ter aguentado minhas lamúrias nos últimos anos, mas dessa vez você não vai comigo.
XXX
Um longo suspiro escapou de meus lábios ao ler a última anotação do velho caderno de couro amarelo claro, que eu tinha comigo desde antes do apocalipse. Me esqueci dele depois que fui embora de OceanSide, quase dois anos atrás. Algumas fotos antigas fugiram de seu esconderijo entre as páginas sujas, e uma lágrima solitária escapou involuntariamente de meu olho dolorido e inchado ao ver as imagens.
Nas fotos em que posava fazendo caretas, abraçada a Kalel e Paul, eu deveria ter por volta de 14 anos. As coisas eram difíceis naquela época, meu pai tinha se tornado um homem frio depois da morte da mamãe, mas o resquício de um sorriso preenchendo seus lábios em uma das fotos, me mostrou que eu não tinha do que reclamar.
Meus pensamentos nostálgicos, porém, foram interrompidos quando a porta do pequeno quarto em que eu me encontrava trancada se abriu. Cyndie passou pela porta com uma bandeja em mãos e me encarou por alguns instantes antes de entrar totalmente.
Estar nesse quarto, que me era tão familiar já que foi onde passei as noites da minha primeira estadia aqui, e com Cyndie, me trazia boas lembranças. Guardei novamente o diário na caixa empoeirada onde peguei e me virei para a mais alta, que se aproximava com certo receio do colchão velho onde eu me encontrava sentada. Apenas um lampião nos iluminava, e observando a escuridão do lado de fora, eu havia apagado por no máximo uma hora.
-Onde está Carl? - foi a primeira coisa que eu pensei em perguntar, me arrependendo logo em seguida quando ela me encarou seriamente e então revirou os olhos.
-O seu namoradinho irritante está vivo, se é o que quer saber. Não é como se eu fosse mandar atirarem nele no momento em que você desmaiou, eu poderia, mas não faria isso. - a mais alta respondeu desanimada, a pouca intimidade que restou entre nós era incômoda.
-Eu sei... Me desculpe... - murmurei sem graça, ela riu sem humor.
-Está se desculpando por ter feito uma pergunta idiota, ou por ter sumido durante todo esse tempo? Acho que você deveria rever suas prioridades. - Cyndie se sentou a minha frente, sem me olhar no olhos, estava magoada e com razão.
-Sei que não fui correta com você, nem com todo mundo que me acolheu em OceanSide... E eu sinto mesmo por isso, mas eu precisava dessa viagem, nós duas sabemos que Natania não me deixaria ir se dissesse a verdade... Duvido que ela sequer acreditaria em mim. - tentei explicar, mas ela me interrompeu ao bater a bandeja no chão.
-Você poderia ter me contado! Sabe que eu teria te apoiado, que teria...! - ela começou, se mostrando bem emotiva em relação a esse assunto, mas eu a interrompi antes que terminasse a frase.
-Você teria me seguido, teria ido comigo até o inferno se eu pedisse, porque essa é você! Eu não seria capaz de assinar a merda da sua sentença de morte!! - berrei, sem conseguir mais me conter, fazendo com que Cyndie baixasse o olhar e se calasse por alguns instantes.
Ao observar a bandeja, notei que ela havia trazido material de curativo e alguns panos que imaginei serem roupas limpas.
-O garoto caolho disse que você está ferida, ficou gritando dentro da cela até eu vir cuidar pessoalmente de você. - Cyndie deu de ombros, entediada, eu não pude segurar um sorriso. E ele me chama de teimosa!
-Por que ele está numa cela? - perguntei de repente, confusa com a situação.
-Porque ele me ameaçou com um prego que achou no chão, na frente de um grupo de mais de trinta mulheres armadas, simplesmente pra te "defender". Tem gente até agora me perguntando porque ambos ainda estão respirando, depois do showzinho de uma hora atrás. - ela fez aspas com os dedos e bagunçou os cabelos irritadiça.
Senti meu coração errar uma batida com a mera ideia de o garoto ter se arriscado tanto por mim. Teríamos que conversar depois, e além disso, eu me sentia mal por colocar a autoridade de Cyndie em jogo com nossa chegada repentina.
-Levante a blusa e me deixe te remendar de uma vez. - ela mandou de repente, e eu não pensei muito antes de obedecer.
A sutura no corte em meu abdômen doeu como o inferno, mas depois de ter tomado um banho rápido e vestido roupas limpas, eu me sentia muito menos como um cadáver. Cyndie me deu um analgésico e fez os curativos nos pequenos ferimentos em meu rosto, resultantes da nossa "briga", o cuidado dela comigo ainda me lembrava a garota que eu conheci a alguns anos.
-Claire... O seu irmão...? - ela perguntou baixo da porta do banheiro, sem rodeios, enquanto eu ainda estava desembaraçando meus cabelos.
Soltei o pente na pia e me apoiando na mesma deixei um longo suspiro escapar. Minha cabeça se moveu em negativa vagarosamente e ouvi Cyndie suspirar. A garota se aproximou de mim e me abraçou por trás com cuidado, me virei para ela e a abracei de volta, levando alguns segundos para me recompor.
-Sinto muito... - a mais alta sussurrou baixinho enquanto acariciava meus cabelos, sabia o quanto ela compartilhava da minha dor, afinal Negan também havia lhe tirado seu irmão, mesmo que Arat quem o tenha matado.
-Eu não quero mais sentir... - murmurei de repente, me afastando de Cyndie devagar - Não quero que ninguém mais sinta isso, por isso voltei... Porque preciso de ajuda pra terminar essa bagunça que já durou tempo demais, preciso que OceanSide lute! - declarei, olhando a garota nos olhos de forma significativa.
-Já perdemos para os Salvadores uma vez, tivemos sorte somente por conseguir fugir, por que acha que as coisas mudaram agora? Eu não posso arriscar tudo por um sonho, Clarisse! - ela bradou, desviando o olhar para o chão em seguida e abraçando o próprio corpo.
-Você me conhece, Cyndie! Acha mesmo que eu viria aqui por um sonho?! - perguntei, soando mais ofendida do que gostaria de demonstrar, o olhar que a garota me lançou me fez estremecer.
-Esse é o problema... Eu não conheço mais você, não depois de todo esse tempo... Te deixei entrar na comunidade com aquele garoto por consideração aos velhos tempos, quebrei regras importantes por isso... Mas o que está me pedindo é loucura, Hale! - seu tom distante e a forma como ela pronunciou meu sobrenome fez meu coração doer, como se eu lhe fosse pouco mais que uma estranha agora.
-Você está se ouvindo?! A Cyndie que eu conheço nunca se deixaria levar pelo medo... Quando você ficou tão covarde?! Vai mesmo virar as costas a pessoas inocentes, mesmo sabendo que pode ajudar?! - gritei, socando o batente da porta completamente indignada.
-Esse é o problema aqui, dois anos se passaram e parece que você continua sendo a mesma pessoa... A mesma pessoa que acredita como uma maldita fanática, que é capaz de salvar um mundo que já se perdeu! Eu amadureci porque pessoas morreriam se eu não tivesse, amadureci porque minha avó adoeceu e eu era tudo o que restava para cuidar desse lugar! Você tem ideia do que é isso?! - ela retrucou amarga e eu me calei.
Ficamos em silêncio por longos e incômodos segundos. No fundo eu sabia que ela estava certa, sabia que eu estava sendo egoísta, mas toda a situação era muito complicada. Me assustei um pouco quando dedos finos e cálidos envolveram meu ombro, mas relaxei um pouco quando encontrei os olhos escuros da garota me observando com um pouco mais de suavidade.
-Escuta... Você acabou de chegar, e eu sinceramente não quero brigar... Vamos jantar e talvez depois retomar esse assunto, imagino que esteja com fome depois de tudo o passou pra chegar aqui... E além disso, aquele garoto chato disse que não vai comer nada até te ver. - ela riu sutilmente com a última frase, concordei devagar com a cabeça e franzi os lábios antes de perguntar o que queria.
-Você... Não está... Brava, não é? Pelo que nós tivemos e tudo... - questionei baixo, extremamente nervosa com toda a situação, mas a risada tranquila da garota me acalmou.
-Não surte com isso, no final de tudo nós sempre fomos mais amigas do que "namoradas." Não vou negar que as seções de amassos foram boas, mas não estávamos apaixonadas, pelo menos não de jeito que você e aquele irritante estão. É fácil de perceber até pela forma bobalhona como vocês falam um do outro. - ela sorriu brincalhona com a última frase e eu senti meu rosto esquentar. Estava tão na cara assim?
-O jantar está pronto, vão esperar até que a comida congele?! - a voz mandona de Rachel chamou nossa atenção, e rimos juntas da situação. Eu senti falta desse lugar.
XXX
Eu sempre gostei do fogo, a forma como as chamas parecem tão vivas ao consumir tudo a sua volta é uma boa metáfora para descrever a própria humanidade. Ninguém nunca soube a verdade sobre o surto da doença, se veio de algum animal radioativo, de uma droga estranha ou de um alienígena.
Eu acreditava ferrenhamente que a própria humanidade havia buscado esse desastre para si. A ganância do homem em sempre querer consumir tudo a sua volta para viver mais, talvez tivesse recebido seu devido castigo no fim.
Meus pensamentos foram interrompidos quando uma mão gelada envolveu meu ombro com cuidado, e então Carl se juntou a mim e algumas outras mulheres que eu conhecia em volta da fogueira. O gesto delas de aceitar que o garoto permanecesse na comunidade, mesmo que isso fosse perigoso para elas, me deixou profundamente agradecida.
-Então... Vocês namoram ou estão só "ficando", como os jovens dizem? - Beatrice perguntou com um sorriso de canto, eu gostava da mulher, não nos demos bem na época em que eu cheguei a esse lugar, mas depois ela se mostrou uma boa pessoa.
-Eu até me casaria com essa mulher se ela quisesse, mas ela só está me enrolando. - Carl respondeu antes de mim, arrancando uma risada coletiva de todas quando meu rosto ficou completamente vermelho.
Dei um soquinho na lateral do braço do garoto, que também havia tomado um banho e ganhado roupas limpas, mas enlacei nossas mãos discretamente.
-Ser jovem e estar apaixonado é bom, aproveitem isso o quanto puderem. Esse mundo é imprevisível. - Beatrice falou por fim, com seus olhos perdidos no céu escuro, e eu não precisava ser um gênio para saber que ela deveria estar se lembrando de seu marido. Mais uma das vítimas de Negan...
Um silêncio pesado recobriu o pequeno grupo em volta da fogueira, enquanto o fogo desenhava padrões inteligíveis de sombra e luz nos chalés em volta. OceanSide provavelmente havia sido um pequeno hotel composto por chalés que recebia turistas antes disso, que vinham para curtir o lazer e a praia. Um lugar que provavelmente nunca foi a casa de ninguém, mas agora era tudo o que essas pessoas tinham. Eu tinha mesmo o direito de pedir para que elas abandonassem seu lar, apenas para lutar por um destino incerto...?
- Claire... - ouvi a voz baixa de Rachel me chamar, e quando me virei para ela não pude conter um sorriso nostálgico.
Ela estava segurando um violão velho, o erguendo em minha direção. Apanhei com cuidado o instrumento que eu tanto conhecia, acariciando vagarosamente desde os adesivos colados na madeira arranhada até os desenhos feitos com caneta esferográfica. Pensei que elas o jogariam fora quando fui embora, mas aqui estava o meu inseparável parceiro de viagem, antes mesmo da chegada de Jack.
Ergui o olhar para Cyndie, que estava encostada em uma pilastra próxima com os braços cruzados e lhe dei um sorriso agradecido. Ela apenas revirou os olhos, mas um sorrisinho se mostrava quase imperceptível em seus lábios cheios.
Precisei apenas disso para saber que ela quem o guardou pra mim, que ela esperou a minha volta depois de todo esse tempo, e me senti imediatamente mal por ter fugido, mas não havia arrependimento em mim. No fundo, mesmo com toda a mágoa entre nós, eu sabia que ela me entendia.
-Pode cantar hoje? - Rachel perguntou baixinho, se sentando perto do fogo também.
-Bom... Se esse violão não se desfizer no meio da música, eu posso. - brinquei arrancando risadas baixas de todos, mas sabia que aquele violão não me deixaria na mão tão fácil, a parte que eu tive de remendar após ter batido em um zumbi com o instrumento dizia isso.
Meus dedos brincaram lentamente com as cordas, arrancando notas desafinadas do violão. Levei alguns segundos para afinar o instrumento e sorri quando acertei as notas. Fechei os olhos inconscientemente e a melodia de Through the Valley lentamente preencheu o ambiente. Minha voz e minha alma abraçaram cada palavra e cada segundo da letra, tomando para si cada sentimento naquela música.
Quando cheguei ao final da letra, abri meus olhos devagar e encontrei Cyndie também sentada perto do fogo. A forma como ela me olhou, como cada milímetro de suas íris escuras pareceram emotivas... Eu senti no fundo da minha alma que ela lutaria ao meu lado em Alexandria, e talvez isso matasse todos nós de uma vez, mas acho que a morte não era uma punição tão ruim nesse mundo ferrado. O arrependimento era a verdadeira punição, e ambas sabíamos que ela se arrependeria se não tentasse.
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