Capítulo 12
Carl franziu os lábios, sua expressão aos poucos perdeu a frieza e se tornou apenas angustiada, ele suspirou audivelmente mas não disse nada. O garoto caminhou até mim, passou meu braço por seus ombros e me guiou até seu quarto com cautela. Meu coração martelava loucamente as costelas com seu silêncio, mas eu não tive coragem de me pronunciar novamente.
Me deixando sentada em sua cama, Grimes caminhou até sua cômoda e tirou da gaveta alguns materiais de curativo. Ao olhar um pouco para baixo, notei que o meu estava encharcado com o líquido carmesim que, com toda a certeza, não deveria estar do lado de fora do meu corpo.
Não contestei nem questionei nada enquanto o garoto limpava toda a área em volta do ferimento, quase fingindo que não existia realmente naquela cena, sem coragem suficiente para erguer o olhar até seu rosto ou encarar seu corpo seminu. Ao terminar o curativo ele me lançou um rápido e indecifrável olhar e então caminhou até a porta, pensei que ele me deixaria, mas sua voz me fez estacar no lugar.
-Vou terminar o banho, espere por mim. - e assim ele sumiu porta a fora.
O barulho do chuveiro ecoou pelo corredor e sem ter muito o que fazer, eu me afundei entre os lençóis do garoto. O travesseiro coberto por uma fronha azul tinha o cheiro dele, o cheiro bom que sempre emanava de seu cabelo quando estávamos abraçados. Sem pensar muito, enterrei o rosto no objeto macio inalando profundamente o perfume.
Alguns minutos se passaram e permaneci no mesmo lugar, evitando prestar atenção em minha mente badernada. Queria aproveitar aquele perfume até o último segundo, porque se o garoto simplesmente me dissesse para ficar longe dele como eu fiz naquela maldita noite, eu gostaria de guardar na memória aquele cheiro tão reconfortante.
-Clarisse...? - ele me chamou da porta de repente e eu me levantei em um pulo, sentindo a vergonha aquecer minhas bochechas.
-Sabia que e-essa fronha é super macia?! - a pergunta saiu antes que eu pudesse controlar minha língua, o nervosismo sempre me fez falar idiotices, Carl assentiu um pouco confuso.
Nossos olhos se encontraram e nos encaramos pelo que pareceu uma eternidade. Observei lentamente a indiferença abandonar o mar tempestuoso em seu olhar e se transformar em angústia, até que a expressão do garoto se tornou mais branda e ele se aproximou em apenas uma passada.
Os braços longos me envolveram com um cuidado que fez meu coração se partir e eu afundei meu rosto em seu peitoral, apertando fortemente o tecido de sua camisa escura entre meus dedos. As lágrimas chegaram sem aviso e quando percebi eu já tremia e soluçava baixo envolta em seus braços protetores, murmurei diversos pedidos de desculpas entre os soluços, mas tudo o que ele fez foi acariciar meus cabelos enquanto sussurrava palavras reconfortantes.
-Está tudo bem... - ele começou, mas eu o interrompi, negando com a cabeça enquanto buscava ar para falar.
-N-não... Não está... Eu fui uma imbecil com você... Tudo porque eu sou medrosa demais... Eu fiquei com tanto medo que só quis fugir...! - falei ainda chorando, os nós dos meus dedos ficaram brancos com a força com que eu apertava o tecido da camisa de Carl.
-Por que ficou com medo, Clarisse...? Eu quero ouvir de você... A verdade... - ele falou enquanto lentamente ergueu meu queixo, acariciando minha bochecha com o polegar, senti as barreiras que eu passei anos erguendo derreterem.
-As pessoas perto de mim sempre acabam morrendo, Carl... E eu não quero perder você... Não vou suportar te ver morrer também... Porque você se tornou importante demais pra mim. - falei aos sussurros, as poucas lágrimas restantes de minha breve crise de choro ainda escorriam por minha face.
-Você... Vai acabar me enlouquecendo...! - Carl reclamou antes de me abraçar novamente, escondendo o rosto na curva do meu ombro - Você também é importante pra mim, Clarisse... E por isso eu quero enfrentar os problemas com você... Não quero viver nesse eterno "morde e assopra"! - ele falou em tom de súplica, senti meu coração doer.
-As coisas vão piorar... Tem uma tormenta grande vindo aí... Eu tentei não pensar nisso durante esses dias, mas o que aconteceu naquela estrada vai ter consequências... - expliquei baixo, Carl levantou o rosto para me encarar.
-Então me deixa enfrentar isso com você, do seu lado...! Eu não estou com medo, Clarisse! - ele disse, valente e determinado, um misto de medo e satisfação me preencheu.
-Não irei a lugar algum... Só espero que a sua valentia não se torne sua ruína... - falei, acariciando o rosto bonito do garoto, o azul de seu olhar agora era límpido e sincero.
-Seria uma honra ser arruinado por você, Clarisse Hale. - um sorriso iluminou seu rosto, varrendo todas as minhas incertezas e medos para debaixo do tapete, assim como o alvorecer esconde a noite apenas temporariamente.
XXX
A igreja no centro de Alexandria estava lotada, o grande aglomerado com todos os adultos do lugar deixava o espaço claustrofóbico e sufocante, eu sempre odiei essas malditas multidões. Minhas mãos tremiam enfiadas nos bolsos da calça preta, mas eu mantinha a expressão firme, sabia que Rick me chamaria naquele altar em breve.
-Não precisa se fazer de durona, vou até lá com você se não gostar de falar em público... - Carl sussurrou perto do meu ouvido, puxando delicadamente minha mão para si e entrelaçando nossos dedos escondidos dentro do bolso de sua camisa de flanela.
-Eu não sou chegada em multidões... Mas tenho que fazer isso sozinha, eles nunca vão me respeitar se eu não mostrar que mereço isso. - falei baixo, o garoto assentiu com um sorriso leve.
-Vou estar aqui se precisar, está bem? - ele informou, me deixando mais tranquila, acariciei a mão do garoto com o polegar por baixo da camisa.
-A reunião de hoje é para tratar de um assunto preocupante, uma potencial ameaça. - a voz de Rick me retirou de meus pensamentos, os murmúrios entrecortados encheram a igreja.
-É um novo bando de monstros? - um homem no fundo perguntou, era minha deixa.
Rick me chamou para ficar ao seu lado na frente da multidão, Carl deu um último aperto reconfortante em minha mão antes de me deixar ir. Ignorei o tremor em minhas mãos e pernas, ignorei meu coração acelerado contra minhas costelas, e ignorei todo o medo da rejeição que me corroía. Caminhei até o altar e encarei a multidão com um olhar firme, as fofocas e comentários baixos preencheram o ambiente, mas eu também os ignorei.
-Há uma semana, durante uma missão para buscar suprimentos, um grupo hostil nos interceptou na estrada e alguns de nós foram feridos. - comecei a falar, Daryl havia tomado um tiro no ombro, mas a bala passou de raspão.
-Mas esses homens foram eliminados, por que estamos aqui? - uma mulher no canto me interrompeu, senti meu estômago revirar com o olhar de desprezo que ela me direcionava.
-Aqueles que estavam na estrada, sim... Mas eu conheço esses desgraçados o suficiente para saber que são como ratos... Quando você pensa que matou todos eles, os Salvadores sempre ressurgem. - cerrei meus punhos, sentindo a raiva percorrer minhas veias ao falar daquele grupo maldito.
-Como conhece tanto assim esse grupo? - ouvi alguém gritar em tom acusatório.
-Eu sabia que essa garota era problema desde que chegou aqui! - outra pessoa berrou, a multidão se agitou, despejando insultos sobre mim como se eu fosse uma bruxa amarrada em praça pública no período medieval.
-Essa vadia é uma traidora, com certeza veio desse outro grupo, vai matar a todos nós! - um homem.
-Prendam ela, essa mulher é uma ameaça! - uma mulher.
-Traidora nojenta! - outro homem.
Eu estava paralisada, os insultos apenas pioravam e eu não sabia o que fazer. Minha única intenção era ajudar aquelas pessoas, mas o medo de todos eles me transformou em seu monstro ideal. O pânico me dominou e eu travei, não conseguia me mover, mesmo quando um objeto foi arremessado em minha direção. Fechei os olhos e esperei o impacto, mas tudo o que chegou a mim foi o perfume de Carl, o calor reconfortante de sua pele e então um baque nas costas do garoto, a confusão cessou. Ele me protegeu com o próprio corpo...
-Você está bem...? - Carl perguntou baixinho, enquanto a garrafa d'água que jogaram em suas costas rolava lentamente pelo chão.
- D-desculpa... - sussurrei ainda assustada, o garoto apenas acariciou meu rosto.
-Daryl! Tire quem jogou essa garrafa daqui! - a voz de Rosita preencheu meus ouvidos, Carl saiu da minha frente e eu pude ver quando Daryl agarrou um homem pelo colarinho com brutalidade.
-Vamos conversar lá fora! - foi tudo o que Daryl disse ao sair com o homem, Carl me deu um sorriso doce e então se afastou, ajeitando o chapéu na cabeça enquanto seguia Daryl com um olhar sombrio.
-Vocês deveriam se envergonhar desse comportamento, parece que ainda estão na idade média! - Rosita gritou de onde estava - Eu também duvidei da garota no início, e quero me desculpar publicamente por isso! Clarisse salvou minha vida naquela estrada, se mostrou mais corajosa que boa parte de nós... E se ela diz que a ameaça é real, eu acredito nela! - a morena finalizou com firmeza, ninguém mais ousou contestar, lancei um olhar agradecido a ela e me enchi de coragem para seguir falando.
-Os homem que encontramos na estrada, são parte de um grupo maior chamado "Os Salvadores." Encontrei com esse grupo dois anos atrás, o desgraçado que lidera esses ratos matou meu pai na minha frente e levou meu irmão e meu primo pra morte. Eles são fortes, tem armas e roubam coisas de outros grupos... O líder deles... Aquele maníaco não deixa nada barato, nós matamos os caras na estrada... Esse merda vai querer uma guerra por isso. Alexandria é a casa de vocês, mas eu quero proteger este lugar também, só preciso que confiem em mim e eu lutarei por cada um de vocês até a última batida do meu coração. - falei tudo o que queria, com a sinceridade queimando em minha carne, Rick caminhou até mim e pôs a mão no meu ombro.
-Alexandria está com você, Clarisse. - o pai de Carl falou, e eu assenti com gratidão. Mesmo que tudo não fossem flores, acho que finalmente encontrei meu lugar.
XXX
A brisa fria de início de noite soprava as cortinas do meu quarto, bagunçando sutilmente meus cabelos. Meu quarto era simples, uma cama, um guarda-roupas e uma escrivaninha, as paredes eram claras e as cortinas de um tom suave de amarelo. Eu gostei do lugar, mas confesso que o quarto de Carl era bem melhor, o cheiro do garoto fazia falta em meus lençóis.
Estava espalhada em minha cama, Carl ficou com a vigia essa noite e eu não tinha muito o que fazer. Na manhã seguinte iríamos iniciar um treinamento coletivo de autodefesa para todos. As pessoas de Alexandria podem ter lidado com a invasão daquele bando de monstros em que Carl perdeu o olho, mas suas experiências contra outros seres humanos ainda eram baixas demais.
Nossos inimigos são fortes, e eu sabia que era apenas questão de tempo para que nos encontrassem. Os muros podem nos proteger do errantes, mas serão apenas um empecilho simples no caminho dos Salvadores. Eu não quero perder mais pessoas, não aqueles que me acolheram e me deram um lar, não aquele que trouxe a vida de volta pra mim. Fui retirada de meus pensamentos por uma batida suave na porta, estranhei o fato de Carl ter voltado tão cedo, mas me surpreendi com as figuras esguias de Maggie e Enid ao abrir a porta.
-Em que posso ajudar...? - perguntei confusa com a visita, as duas sorriram.
-Viemos te fazer um convite. - Maggie começou, sempre gentil.
-Você só fica enfiada nesse quarto ou conversando com Carl, então decidimos te roubar um pouco do Xerife Júnior. - Enid sorriu de canto e Maggie riu com a sinceridade da garota.
-E qual seria a ocasião, minhas sequestradoras favoritas? - brinquei, saindo do quarto e fechando a porta atrás de mim.
-Noite das garotas na casa da Maggie. - Enid explicou animada, meu sorriso vacilou um pouco com a ideia de ter outras pessoas lá, mas decidi não questionar.
Nós caminhamos juntas até a casa de Maggie e Glenn, o asiático estava na vigia junto com Carl, então realmente não teriam homens na casa, a não ser o pequeno Hershel Jr de dois anos que dormia no quarto. Ao entrar na sala, me deparei com duas outras garotas da minha idade que eu geralmente via andando com Enid. Dei um "boa noite" educado a todas, elas responderam baixo e eu me sentei no sofá. Enid se sentou perto de mim no chão e Maggie se ajeitou na poltrona.
-E então, o que vamos fazer? - tomei coragem para perguntar, nunca tinha estado em uma "noite das garotas" com garotas que eu sequer conhecia, o que eu fazia com minhas amigas antes do apocalipse era mais como uma noite de filmes, já que Kalel geralmente assistia conosco, mas me arrependi de perguntar quando duas delas soltaram risadinhas.
-Bom, podemos procurar algo para jogar, pintar as unhas ou falar mal dos garotos, o básico. - Enid falou, olhando para as duas em aviso, eu apenas concordei com a cabeça.
-Eu vou buscar alguns jogos de tabuleiro e vocês escolhem o que jogar. - Maggie avisou antes de sair da sala.
-É bem surpreendente que você tenha vindo... Clara, não é? - uma das garotas falou, era loira e tinha olhos verdes, não gostei da forma esnobe como ela me olhava.
-Clarisse... Por que a surpresa? - perguntei, já me sentindo desconfortável no meio de tudo aquilo.
-Ouvimos dizer que você não é muito sociável. - outra garota de cabelo escuro disse, me observava com a expressão fechada, parecia não gostar muito de mim.
-Vocês deveriam ser menos fofoqueiras. Chega disso, Alya e você também Mia! - Enid se intrometeu, me senti grata por ela ter me defendido, mas estava me cansando de continuar aceitando todos os comentários maldosos em silêncio.
-Só consegui encontrar um tabuleiro de Banco Imobiliário, o que vocês acham? - Maggie perguntou com gentileza, todas concordaram e a mais velha trouxe um lanche antes de começarmos o jogo.
Nós comemos e jogamos por mais ou menos três horas, as garotas de antes se comportavam bem na presença de Maggie, pareceriam intimidadas com a mulher, mas os comentários maldosos reiniciavam sempre que Maggie se afastava. Eu nunca gostei de discutir com outras mulheres. Essa coisa de rivalidade feminina sempre me irritou, mas aquela garota loira em específico, a tal de Mia, estava testando a minha paciência.
-Acho que Hershel Jr acordou, podem continuar o jogo entre vocês. - Maggie falou, sumindo corredor a dentro em seguida.
-É a sua vez de jogar, Clarinha. - disse a loira, Mia, de modo esnobe. A forma como ela pronunciou aquele apelido idiota me deu nos nervos.
-Você poderia me chamar só pelo meu nome? - perguntei ainda tentando conter a irritação.
-Não prefere que te chamemos de Traidora? Afinal, é isso que você é. Alguns dos outros podem acreditar nesse seu papinho, mas você não passa de uma mentirosa. - ela continuou, o veneno escorria em suas palavras, minha paciência chegou ao limite.
-De que merda está falando, garota?! - retruquei com raiva, cerrando os punhos para não avançar nela.
-Você está inventando toda essa história de guerra pra chamar a atenção de todo mundo! Não se contenta em viver perseguindo Carl, ainda quer que todos te vejam como uma heroína, mas eu vou te dizer... Todo mundo aqui te odeia! - a garota riu com maldade, e então eu finalmente entendi o motivo de ela não gostar de mim.
-O que foi, querida... O garoto Grimes te deu um fora? Não desconte a sua raiva em mim, se ele não te quis, a culpa não é minha. - arqueei um sobrancelha com um sorriso provocativo, interrompendo Enid antes que ela me defendesse de novo, a expressão da garota rapidamente se tornou raivosa e Enid riu de sua reação.
-Ele era meu antes de você chegar, não pense que vai ficar com Carl, ele nunca vai gostar de você! - a garota berrou, mas antes que eu pudesse retrucar, a voz de Maggie se fez presente na sala.
-O que está acontecendo aqui? - Maggie perguntou firme, a garota apenas me lançou um último olhar irritado, antes de forçar um sorriso para a mais velha, eu não estava no clima pra essa merda.
-Agradeço o convite e a comida, Maggie, mas eu estou com muito sono. Te vejo depois, Enid. - me despedi antes de sair da casa, as pessoas são sempre complicadas demais.
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