Capítulo 9 - Luís
O momento do disparo ficou gravado para sempre em minha memória.
Antes mesmo que Mike tocasse o chão após o disparo, ele desapareceu e reapareceu limpando o sangue da camisa ao lado de Laquesis. Ele nem ao menos tentava esconder que era um Moira. Com certeza já imaginava que eu teria descoberto aquilo antes de atirar em Camila, mas dessa vez algo estava diferente em Mike.
- Acho que assim a minha aparência fica melhor. - Disse Mike arrumando sua camisa.
Para pouco de meu espanto, assim como Laquesis, Mike agora possuía apenas um olho. Não muito depois, Cloto também apareceu do lado dos outros dois. Ele também só tinha um olho.
Minha surpresa era tanta em finalmente tê-los encontrado, que fiquei paralisado. Um garoto, uma moça e um dos melhores amigos... Era incrível pensar que tanta coisa aconteceu por causa dessas três criaturas, que mais pareciam humanos normais. Todos eles pareciam completamente calmos, mesmo eu achando que havia os colocado contra a parede.
- Como esperado, você nem ao menos se espantou quando eu me joguei na frente da bala. - Mike dizia sorrindo um pouco. - Já deve ter percebido que sou um deles tem um tempo, não é? Desde a morte de Anna ou desde que assistiu o vídeo sobre nós? Bem, não que faça diferença agora, você finalmente conseguiu o que esperava... Está frente-a-frente conosco, mesmo quase sacrificando Camila no processo.
Camila ainda estava com uma expressão de terror no rosto, não a culpava, muito pelo contrário... A culpa era minha, mas não demorou muito e percebi que ela não se movia.
- Que rosto horrível o dela! - Disse Laquesis aparecendo ao lado de Camila. - Ela tem sorte que não decidimos o destino de cada um só pela aparência...
- Saía de perto dela! - Gritei.
- Calma, bonitinho. - Laquesis se afastava um pouco de Camila. - Não é como se eu fosse atirar nela ou coisa assim.
As folhas das árvores não se mexiam mais, eu nem ao menos sentia mais o vento ao meu redor, eu tinha certeza que aqueles três haviam feito algo como ter parado o tempo ou coisa assim. Eles não queriam mais esconder nada.
- E agora, Luís? - Mike perguntou. - Nos achou, estamos frente-a-frente, agora o que fará?
- Nunca achei que eu poderia os matar e tive ainda mais certeza disso depois que você levou o tiro e se levantou. - Eu dizia. - Mas quero saber o porque fizeram tudo aquilo e se algo estiver ao meu alcance, irei pará-los mesmo que eu tenha que desistir da minha vida para isso!
- Desculpa, mas isso foi bastante clichê. - Laquesis disse se juntando às outras Moiras. - Mas claro, podemos te contar tudo que queira saber, talvez seja o único modo que podemos fazer para te parar.
- Me parar? - Perguntei.
Laquesis apareceu exatamente na minha frente e sem que eu pudesse reagir, tirou a arma da minha mão e a apontou para o meu rosto.
- Todas aquelas fotos, em partes, foram feitas para te matar. - Mike explicava um pouco de longe. - Mas mesmo assim, cá está você, vivo como se nada tivesse acontecido... Continua por aí mudando destinos como se fosse um de nós, desse jeito tudo que fazíamos contra você se tornou inútil com o tempo.
Inútil?
Assim que Mike terminou de falar, Laquesis puxou o gatilho da arma. Instintivamente, eu fechei os olhos e me encolhi. Foi a pior sensação que eu já senti na minha vida, era como se eu já estivesse morto, mas ainda nesse mundo. Meu coração estava prestes à explodir e minha respiração estava pesada, eu não parava de tremer e não conseguia sair daquela posição. A arma não havia disparado, mas mesmo assim, era como se algo tivesse me acertado. O pavor que Camila havia passado.
- Mesmo sendo um humano, você é diferente de todos os outros. - Laquesis explicava enquanto jogava a arma para o lado. - Não conseguimos te matar não importa o que façamos... É como se o destino sempre estivesse ao seu lado.
- Poderíamos até mesmo dizer que você é "imortal". - Mike dizia. - Quero dizer, você morrerá de velhice algum dia, mas nunca por algum acidente ou coisa do tipo... Mesmo sendo a trindade que decide o destino de tudo que vive, não podemos tocar em nada que seja relacionado diretamente à você.
Lágrimas caíam dos meus olhos sem que eu percebesse. Eu ainda tremia bastante, mas ao menos eu consegui me levantar. Laquesis ainda estava na minha frente, com um sorriso de orelha em orelha, Mike estava completamente sério e Cloto parecia entediado.
- Quer que expliquemos quem realmente somos e como fizemos tudo isso? - Laquesis disse voltando para onde os outros dois estavam. - Cloto não é muito de falar, então eu e Átropos faremos a explicação.
- Como já sabe, somos as Moiras, os três espíritos, "seres" ou "deuses", não importa como vocês humanos nos chamam, que controlam o destino de todos os seres no mundo. Desde o destino de uma formiga ao destino de um humano, o que não é tão diferente. - Mike dizia.
- Cloto aqui representa o nascimento e início da vida, eu represento tudo que acontece no meio da vida de alguém... - Láquesis dizia.
- E eu a morte. - Mike disse.
Isso tudo eu já tinha uma boa ideia, então eu precisava recuperar o fôlego e fazer as perguntas que eu mesmo queria, mas antes que eu conseguisse, alguém me interrompia.
- Você deve ter descoberto que "Purson" é o nome de um demônio, não é? - Láquesis dizia. - Esse era o nome que humanos antigos nos deram, afinal, o "destino" sempre foi um grande mistério para vocês humanos.
"Purson" foi baseado neles mesmos? Talvez por isso o símbolo do site era achado mesmo em fotografias tão antigas, já que a própria lenda de "Purson" era uma história bastante antiga. Parecia que tudo que as Moiras fizeram já estava planejado faz tempo, então é assim o controle delas sob o destino de tudo?
Sem que eu percebesse quando aquilo se iniciou, Cloto havia se tornado um urso e Láquesis havia se tornado um homem nu. Assim como na vez em que fui salvar Anna, Mike se tornou uma fumaça negra e voou até a cabeça de Láquesis, transformando-a em uma cabeça de leão.
Eu nunca havia me sentido tão apavorado na minha vida. Estava falando com os três até pouco, mas a aparência humana deles deixava tudo aceitável, mas o modo que estava agora era completamente assustador. Parecia até mesmo algo saído de algum tipo de ritual, era completamente bizarro e nojento. O peitoral do corpo era completamente peludo, como se fosse de algum ser primitivo, já o urso possuía inúmeras feridas pelo corpo, algumas até mesmo abertas, possibilitando a vista da carne e dos ossos dele, da cabeça do leão saía sangue, como se ele tivesse acabado de matar mais uma presa, o sangue escorria até o peitoral, fazendo o sangue se juntar aos pêlos. Aos poucos aquela aberração com cabeça de leão montou no urso, formando a descrição de "Purson" que eu havia visto na internet, mas mesmo já sabendo como seria, ver aquilo na minha frente nem se comparava.
- Assustado? - "Purson" dizia com uma voz alta, áspera e grossa, como se fosse um rugido. - Pois era assim que enxergavam o "destino", como uma fera bizarra que ninguém ousaria enfrentar.
Por estar paralisado por causa do falso disparo e com essa criatura na minha frente, eu não podia respondê-los. Mal conseguia ouvir meu próprios pensamentos. Naquela hora eu percebi o quanto eu era inferior à eles.
- Durante toda a história, humanos sempre quiseram lutar contra o destino que tecemos para eles. - "Purson" continuava dizendo. - Alguns deuses ou seres mais importantes eram imunes à nós e exatamente por isso humanos tentavam ser eles, queriam ser deuses e se tornar imortais, como se viver para sempre fosse uma dádiva. Não podíamos permitir algo assim, então sempre fomos tratados como monstros ou demônios, mas quer ver qual a aparência de um verdadeiro monstro?
Os três se tornaram fumaça mais uma vez e se juntaram para se transformarem em alguma outra forma. Dessa vez, eles haviam se transformado em mim.
- Este é o verdadeiro monstro, o verdadeiro demônio que todos deviam temer. - A voz desse outro corpo era uma junção das vozes de Mike, Láquesis e talvez Cloto, mesmo tendo a minha aparência, era claro que não era humano. - Enquanto todos precisam seguir o destino, você apareceu e quebrou tudo isso...
- Vocês... Vocês dizem tanto que eu sou o vilão aqui, mas... Foram vocês que mataram todas aquelas pessoas na explosão. - Eu disse com o pouco de ar que eu consegui.
- Mas não matamos ninguém. - As Moiras diziam. - As pessoas estavam lá por seus próprios motivos...
- Isso é mentira! - Gritei, ficando mais uma vez sem fôlego. - Vocês postaram a foto do "Sorriso"... E isso fez... Com que as pessoas fossem para lá...
- Acha mesmo que todos ali foram por causa da foto? - Assim que as Moiras disseram isso, todo o lugar ao nosso redor mudou.
Demorei um pouco para perceber, mas o lugar em que estávamos era a avenida onde aconteceu a explosão. Haviam várias pessoas andando pelas calçadas, como qualquer outro dia. Era um dia ensolarado, eu podia até mesmo sentir o calor daquele momento, mesmo sem saber se aquilo era uma ilusão ou não, mas foi quando um rapaz passou correndo do meu lado que percebi o quão aquilo não era real.
- Espero que todos estejam me vendo e me ouvindo bem. - Disse Dave correndo.
Eu não podia acreditar no que meus olhos estavam me mostrando. Dave estava ali na minha frente, ao meu alcance novamente, mas ao mesmo tempo que fiquei alegre, percebi o que aquilo queria dizer. Era o dia da explosão e estávamos apenas minutos antes dela acontecer.
- Está vendo todas essas pessoas? - Disse Mike, agora separado das outras Moiras. - Cada uma delas veio para o centro por um motivo. Aquela moça de vestido veio comprar um presente para a sua filha de quatro anos que acabou de sair do hospital, aquele homem de chapéu acabou de deixar sua noiva no emprego dela, aquela outra garotinha veio comprar um presente para o aniversário de sua melhor amiga, etc., etc., etc... Como pode ver, as pessoas que realmente vieram aqui pelas fotos, é uma minoria minúscula.
Sem que ninguém ao redor percebesse, Cloto saiu do meio de um grupo de pessoas que estavam na frente do restaurante Aureo. Era o lugar onde as pessoas que estavam esperando pelo "Sorriso" estavam... Aquelas eram as pessoas que foram levadas ali por causa da foto.
- Nosso trabalho não é só cuidar do destino das pessoas, bonitinho. - Disse Láquesis saindo do meio das pessoas do outro lado da rua. - Precisamos lidar com anomalias também, pessoas que vão contra o que decidimos previamente.
- Por exemplo, existe uma garota que devia viver até os seus setenta anos e ter uma vida boa, ter filhos e até netos... Nós decidimos esse tipo de coisa desde o nascimento das pessoas, mas digamos que alguém apareça e mate essa garota... - Mike dizia andando através das pessoas na rua, como se ele fosse apenas um espírito. - Essa pessoa quebrou todo o destino que criamos para essa garota, não só isso, mas todos os filhos e netos que ela teria simplesmente não vão mais existir...
- Chamamos isso de "interromper o destino", são pessoas que matam alguém sem causar algum bem para o mundo. - Láquesis explicou.
- Então é só fazer com que o destino de nenhum outro seja interromper o destino de alguém! - Eu disse.
- Luís, você é mais inteligente que isso... - Mike dizia com um sorriso no rosto. - É óbvio que não somos os únicos seres "sobrenaturais" que existem, alguns deles abusam e manipulam da mente de outras pessoas, seja prometendo riquezas ou simplesmente para alimentar o ego de alguns, esses seres fazem com que outras pessoas matem, ou seja, faz com que interrompam destinos.
- E não podemos deixar que pessoas "corrompidas" continuem vivendo. - Láquesis dizia. - Existe uma diferença em matar um assassino e matar uma vida qualquer... Pessoas que foram "corrompidas", ou seja, já interromperam ou mudaram o destino de alguém se tornam inúteis para esse mundo e é dever nosso, das Moiras, de dar um fim nessas pessoas, antes que façam coisas piores.
Era muita informação ao mesmo tempo. Então há outros seres que manipulam pessoas para que eles matem outras pessoas, fazendo com que o destino dessas pessoas seja interrompido e estragando tudo que as Moiras haviam planejado, mas se uma pessoa matasse um assassino ou coisa assim, não seria considerado algo ruim? Era um pouco confuso, mas ao mesmo tempo me lembrava as leis criadas pelos homens. As Moiras então precisavam dar um fim nessas pessoas "corrompidas" para que eles não matassem ainda mais pessoas, talvez seja por isso que estão atrás de mim, pois eu "mudo destinos"?
- Nosso dever é manter todos os destinos no mundo de maneira equilibrada. - Láquesis dizia. - Fazemos isso cuidando de destinos que podem ser benéficos para a humanidade e punindo destinos "corrompidos" feitos somente para acabar com outros... E eliminamos também destinos "vazios", pessoas que não mais vivem, que ficam apenas tomando espaço do mundo. Você conheceu uma pessoa assim, não foi? Fui eu quem pedi para Anna fazer tudo que ela fez, o que ela aceitou de bom grado, já que o futuro dela era apenas apodrecer em casa, ela aceitou se sacrificar para salvar a vida de uma mulher e de um bebê que ainda nem havia nascido, mas você conhece a história... Você apareceu e a mulher e o bebê morreram mesmo assim.
- Para que você tenha uma ideia, nós não podemos alterar o destino de alguém diretamente. - Mike explicava. - Não podemos cortar a linha do destino da pessoa no momento que quisermos, muito menos podemos matar a pessoa com nossas mãos, por isso as manipulamos para que façam isso por escolha própria, como aconteceu com Dave, Anna, Carlos o "Sorriso" e Danilo, o homem que você viu morto agora a pouco.
- Todas as pessoas que estão ali junto de Cloto. - Láquesis apontou para onde estavam as pessoas que foram fazer stream ou tirar fotos do "Sorriso". - Todos eles são pessoas corrompidas, cada um com um crime imenso contra o destino de alguém.
- Um deles estuprou uma menina na escola em que estudava, um outro envenenou um agiota para quem ele devia dinheiro, cada um deles acabou com todo um destino traçado e dessa vez é a vez deles pagarem por isso. - Mike disse com um sorriso no rosto.
- Precisávamos de um modo que chamasse a atenção de todos eles e os levasse para o mesmo lugar, para que o destino de todos eles acabasse no mesmo local. - Láquesis dizia apontando para a frente do Restaurante Aureo. - Foi Cloto quem teve a ideia de criar o site Purson, a foto do futuro e som no fundo do site que fazia com que todos compartilhassem a imagem assim que a vissem. Uma ideia tão trágica e ao mesmo tempo, tão bela.
Rick havia contado sobre uma garota que foi estuprada na escola dele, me perguntei se o caso que as Moiras contaram era o mesmo. Tudo estava mais claro agora, mas ainda assim, havia uma grande falha nessa história de "proteger destinos" que as Moiras contavam.
- Mas por causa daquela porcaria de foto, Dave veio parar aqui e ele não acabou com o destino de ninguém! - Eu gritei. - E vocês também queriam que eu viesse para esse lugar, mesmo eu nunca tendo matado ninguém!
Eu entendia que se eu realmente "mudasse destinos" como eles diziam, eu seria provavelmente punido, mas não fazia sentido Dave ser e mesmo que eu tenha mudado o de alguém, nunca matei ninguém, então não há porquê eu ser punido igual os outros.
- Dave não acabou com o destino de ninguém? - Mike dizia. - Talvez se lembre de uma vez que estávamos na cobertura da escola e ele nos falou sobre a morte dos pais. Naquele dia ele estava um tanto diferente, mais cabisbaixo e depois daquilo ele falava bem menos que antes, isso porque ele estava se lembrando aos poucos do que realmente aconteceu com a morte do pai dele...
Vozes cochichavam na minha cabeça. Eram as lembranças daquele dia, foi quando Dave nos contou sobre o triste destino de sua família. O pai havia matado a mãe pelo dinheiro e logo depois matou a amante e por fim, se matou. Naquele dia Dave estava realmente mal, como se algo tivesse acontecido e o forçado a lembrar daquilo.
- Ele provavelmente apagou aquilo da própria memória por ter sido um trauma de quando ele era mais novo, mas aquilo continuou em sua consciência, mesmo que de maneira mais fraca. - Mike dizia enquanto ia em direção à imagem de Dave, que estava parado na frente do Restaurante Aureo. - Por isso quando ele se mudou para essa cidade, ele não quis morar com sua avó, pois tinha medo de machucá-la, afinal, foi ele quem matou o próprio pai e a amante.
- Não tem como isso ser possível... - Eu estava incrédulo, não havia como eu acreditar que aquilo era verdade, mas antes que eu pudesse perceber, o lugar ao nosso redor novamente mudou.
Inesperadamente, agora estávamos em uma sala de estar. Havia um homem bêbado jogado no sofá, bebendo ainda mais e no chão, havia o corpo de uma mulher toda ensanguentada. Eu já conseguia imaginar que lugar e momento era aquele, mas isso não me fazia mais relaxado.
- Normalmente, Dave não sofreria uma punição por matar seu próprio pai, já que ele também era um ser "corrompido", mas... - Mike dizia se sentando em um dos sofás da sala, como se aquilo fosse completamente normal.
Tanto Dave quanto o pai ficaram espantados quando Dave conseguiu entender tudo aquilo que havia acontecido de maneira rápida. Sem pensar duas vezes, Dave pegou a arma que estava em cima da mesa, a mesma arma que havia sido usada para matar a mãe, e então atirou na cabeça de seu pai que não conseguiu reagir, já que estava completamente bêbado. Após ouvir o barulho do disparo, a amante saiu do banheiro para ver o que havia acontecido e sem ter chances de fazer nada, Dave atirou nela também.
- A "amante" era inocente nisso tudo, mesmo que depois Dave colocou na cabeça que foi ela quem manipulou o pai para matar a mãe, mas ela estava de mãos atadas por estar com o pai de Dave. - Mike dizia andando ao redor da sala. - Ela também chegou na casa após a morte da mãe, logo, com medo de que também fosse acontecer com ela, após uma discussão com o pai, ela se trancou no banheiro e esperava ele se acalmar ou adormecer para então fugir e chamar a polícia.
A verdade era tão diferente de tudo que eu havia imaginado. Nunca esperei que Dave fosse um assassino, mesmo que não havia muito como culpá-lo ali, sua mãe havia acabado de ser assassinada e ele ainda era uma criança, ele agiu por instinto...
Dave desmaiou depois do segundo disparo, mas antes que ele caísse no chão, as Moiras e eu estávamos de volta na avenida em que a explosão aconteceria.
- Por que não puniram ele antes então? - Perguntei. - Qual a lógica em deixar ele vivo por mais tantos anos?
- Porque ele mesmo iria se matar. - Láquesis disse, passando a mão no rosto de Dave, que ainda estava congelado no tempo. - Como ele havia apagado tudo aquilo da sua cabeça, ele não iria matar mais ninguém e quando se lembrasse, ele mesmo se mataria, ao menos era esse o plano antes que você aparecesse...
- Você mudou o destino dele, fazendo com que a vida dele se estendesse por tempo indeterminado. - Mike dizia. - Por isso tivemos fazer com que ele também fosse um dos que caíram nesta armadilha.
- Mas se eu salvei a vida dele e da Anna, como que eu devia ser tratado como qualquer um desses "corrompidos" que estão aí? - Perguntei completamente confuso.
- Você é o pior de todos eles, Luís. - Mike dizia. - Você é a causa de tudo ruim que acontece nessa cidade e futuramente, o responsável pela destruição do mundo.
O que eu havia acabado de ouvir era difícil de acreditar. Como eu, um adolescente qualquer poderia ser o responsável por tudo de ruim que acontecia naquela cidade? Tudo que eu fiz nesses últimos dias foi investigar as próprias Moiras, eu só estava fazendo isso por culpa delas mesmo.
- Você diz que a culpa da morte das pessoas aqui é nossa, bonitinho, mas como provamos, só temos culpa por esses "corrompidos", o verdadeiro culpado pela explosão é você. - Láquesis disse. - Que tal entrarmos no restaurante para te provarmos isso?
Passando entre todas as pessoas em frente o restaurante, eu segui as Moiras até a cozinha do Aureo. Eu conhecia aquele restaurante de ponta a ponta e mesmo tendo trabalhado ali à mêses atrás, era impossível que eu tivesse feito algo na cozinha que só desse resultado agora.
- Aqui é onde está a causa da explosão. - Mike mostrou.
Era apenas uma garota fazendo seu trabalho, mas antes que eu pudesse ver se a reconhecia, ela acidentalmente escorregou e deixou tudo que tinha em mãos cair, na hora me lembrei quem era ela, porém, aquela não era hora para relembrar o passado, enquanto ela tentava pegar as coisas de volta, ela acabou soltando a mangueira de um dos gases. O gás entrou em contato com o fogo quase que imediatamente, causando assim a explosão.
- Entende agora? - Láquesis disse enquanto a explosão estava paralisada atrás dela. - Essa garota devia ter sido mandada embora há anos por ter deixado alguns copos caírem, mas você estava lá no momento e a ajudou, ela continuou no emprego e tudo isso acabou acontecendo... Todas as pessoas inocentes que morreram aqui, foram culpa sua, nada disso devia ter acontecido.
- E essa não foi a única vez. - Mike dizia enquanto o lugar ao nosso redor mudou para o banheiro feminino da nossa escola. - Todos os casos que a "dupla maravilhosa" resolvia, mudava o destino das pessoas que estava envolvidas... Lembram do garoto que vocês pegaram filmando o banheiro das meninas?
Logo naquele momento, Dave abriu a porta e pegou o garoto no flagra, o que nos deu fama por um bom tempo naquela escola.
- Em dois anos, esse garoto seria pego pela polícia após colocar câmeras em lojas de roupas femininas, ele iria preso e após ser solto, conseguiria voltar para a sociedade como alguém normal, conseguindo até mesmo constituir família. - Mike contava. - Mas por causa da expulsão dele da escola, o destino dele foi todo mudado... Em uma das festas noturnas para maiores que ele se infiltrou, acabou conhecendo uma garota e após passar a noite com ela, ela engravidou.
- Não... Não me diga que... - Eu estava completamente abismado com tudo aquilo. Eu já consegui imaginar onde aquilo daria, eu não queria mais ouvir nada daquilo!
- Certo dia, ela decidiu dizer para ele que ele não precisaria assumir o filho, mas que ao menos pagasse a pensão da criança. - Láquesis dizia. - Ele disse que não iria, pois afirmava que o filho não era dele, ela então ameaçou o processar por causa disso e ele tirou do bolso uma arma que havia comprado ilegalmente.
- Não... Não!
- Anna devia ter o matado quando se jogou do prédio, mas você apareceu e a moça acabou morrendo. - Mike dizia. - Ela morreu porque você mudou o destino dele.
- Isso é impossível! Não tinha como eu saber que essas coisas aconteceriam! - Eu tentei me defender.
- Que tal aquele homem que perseguia a Camila por aí? - Mike dizia. - O primeiro "caso" que Dave e você resolveram também teve um grande preço.
Agora estávamos na frente da escola, no dia que Dave me ajudou em enfrentar o stalker de Camila. Após o forçarmos a admitir, ainda fizemos com que ele fosse até a diretoria da nossa escola pedir desculpas, mas não acabou só com aquilo, a escola e a família de Camila abriram um processo contra esse homem. Mesmo não especificando onde e com quem aconteceu, o caso foi parar na televisão, algo como: "Diretor de grande empresa de eletrônicos é pego perseguindo uma adolescente". Foi um completo alvoroço.
- Como era de se imaginar, ele foi mandado embora da empresa dele, mas isso também não era o que devia acontecer no destino dele. - Láquesis dizia. - A empresa em que ele trabalhava havia perdido um ex-diretor há alguns anos e já ia mal, com a demissão desse que vocês pegaram, a empresa faliu.
- Quem trabalhava nessa empresa que faliu era Carlos, o "Sorriso". - Mike completava o que Láquesis dizia perfeitamente. - Por causa disso, ele ficou desempregado, perdeu a esposa e teve que abrir mão da filha, para logo depois de tornar um destino vazio, após dizermos o propósito de tudo que estamos fazendo, ele aceitou se sacrificar por nossa causa, era um homem nobre.
- Danilo, o rapaz que fez o vídeo sobre nós também foi afetado por culpa sua, bonitinho. - Láquesis dizia com um sorriso no rosto. - Ele perseguia o carro em que você e seu pai estavam no dia do acidente que levou a vida de seu pai, Danilo acabou tendo uma fratura cerebral que mudou a vida dele completamente.
- Eu até mesmo diria que esse acidente foi o início de tudo. - Mike continuava explicando. - O irmão de Anna morreu naquela cirurgia porque na mesma hora, o filho de um chefe de uma empresa famosa havia sofrido um acidente e precisava de socorros...
- Nem era uma urgência esse garoto que sofreu um acidente de carro, ele só tinha algumas queimaduras e ferimentos leves, mas por ele ser filho de alguém influente, deram total prioridade à ele e deixaram o irmão de Anna de lado. - Láquesis disse. - O garoto que sofreu o acidente era você, bonitinho.
Com toda a verdade na minha cara, eu não conseguia mais respirar. Tudo aquilo estava acontecendo por minha culpa e eu nunca percebi... Eu sou realmente a causa de tudo que é ruim nessa cidade.
- Queríamos ter lhe pego antes, mas não percebemos que você mudava destinos até mudar o destino de Dave. - Mike dizia. - Percebemos que havia uma anomalia nos destinos desta cidade, mas não achávamos onde... Por um tempo achamos que você era um deus ou algum outro ser sobrenatural, pois não conseguimos perceber seres assim, mas não... Você é um humano qualquer com uma habilidade anormal.
Achavam que eu era um deus? Então eles não conseguem perceber seres sobrenaturais? Isso quer dizer que...
- Tentamos te matar algumas vezes, mas logo percebemos que tem algo protegendo seu destino, não conseguimos te matar e nem achamos que você conseguiria se matar, então não há o que fazer no seu caso. - Láquesis dizia. - Mas precisamos parar com tudo isso agora mesmo, por isso nomeamos a sua foto com "-Infinito", pois era o número de pessoas que sobreviveriam caso você morresse.
- Mas como eu posso acabar causando a destruição de tudo, sendo que tudo que vocês citaram só aconteceram nesta cidade? - Essa ainda era uma parte que eu não entendia muito bem. Mesmo a explosão que foi um acidente bem maior que os outros dois não causou um alarde tão grande.
- Imagine que essa seja a linha do seu destino. - Láquesis segurava uma linha de lã que ela havia acabado de criar. - Cada ser tem uma linha dessas, com cada uma vivendo separada da outra, mas toda vez que você muda o destino de alguém, seja "salvando" alguém ou causando a morte de muitos, isso é o que acontece.
Repetidamente, linha diferentes foram se amarrando na "minha" linha do destino. Era como se todos os outros destinos estivessem presos no meu para que vivessem. Eu era aquilo que segurava todo o resto.
- Desse jeito nenhum outro conseguirá viver por si próprio. - Mike dizia. - Você pode não ser um deus agora, mas a cada dia que passa, você está mais próximo de se tornar o deus do destino de todas essas pessoas, mas com isso vem um imenso peso: a própria vida neste planeta.
- Te deixamos livre só por esse pequeno tempo, bonitinho, mas mesmo assim 50 anos do futuro da humanidade já foram apagados. - Láquesis dizia com o sorriso sarcástico no rosto. - A cada minuto que você continua nesse mundo, o mundo fica mais próximo de acabar, pois o número de "corrompidos" irá aumentar, já que seguir o destino que nós escolhemos não valerá de nada, pois o "deus" deles estaria mudando destinos como se não fosse nada...
- Isso já aconteceu algumas vezes antes. - Mike explicava. - Alguns líderes de exércitos também tinham a mesma habilidade que você tem de mudar destinos, mas todos eles conseguimos dar um jeito antes que ficasse muito perigoso, mas você, Luís... É uma aberração, uma anomalia, você não devia existir nesse mundo.
- Você fará todos se matarem eventualmente. - Láquesis dizia. - Não podemos prever o seu futuro, mas podemos prever o de qualquer outro por aí... No futuro atual, existem guerras que não existiriam antes, mortes horrendas de pessoas que deviam viver uma vida feliz, doenças se espalhando como se para limpar a sujeira do mundo, nada prestará no mundo se você continuar aqui...
- Então o que deve ser feito para evitar isso? - Gritei desesperado. Imaginar que a minha existência levaria ao fim do mundo era a pior sensação que alguém podia sentir. Eu me segurava ao máximo para não vomitar naquele momento. Toda a pressão que eu estava sentindo apertava o meu peito cada vez mais, mas sempre que eu achava que teria uma parada cardíaca, meu coração voltava ao normal... Nem mesmo meu corpo consegue me matar.
- É o que vocês viviam repetindo. - Dizia Mike. - "Se eliminarmos o impossível, todo o resto, mesmo que improvável, deve ser a verdade", nesse caso, você é o "impossível", Luís, pois caso te eliminemos...
O último movimento de mão que Láquesis fez, fez com que a "minha" linha do destino na mão dela desaparecesse, o que fez com que todas as outras linhas amarradas se soltassem... Estavam livres.
- Precisamos te apagar desse mundo, já que não conseguimos te matar. - Láquesis dizia. - Com "te apagar", queremos dizer não deixar nenhum rastro, nenhuma memória, nenhum objeto, nada que fizesse alguém se lembrar de você.
- A minha existência como "Mike" também seria apagada. - Mike dizia. - Eu estava aqui apenas para ficar de olho em você, então não faria sentido eu continuar.
- Apagar? - Eu tremia. - Eu desapareceria?
- Não. - Disse Cloto, pela primeira vez desde que nos vimos. - Você viria para o mesmo lugar onde ficamos... Mesmo você sendo humano, a sua habilidade de mudar destinos pode vir à ser útil para nós um dia e desse jeito você poderia deixar sua marca aqui...
- Minha marca? - Perguntei.
- Você é o verdadeiro mistério dessa história, Luís. - Cloto dizia com uma voz séria. - Nem mesmo nós entendemos como você pode mudar destinos, como não pode ser morto ou como passou despercebido por tanto tempo... É quase como se alguém estivesse te protegendo esse tempo todo.
O que ele dizia era provavelmente verdade. De acordo com tudo o que disseram, alguém realmente deve ter me protegido por todo esse tempo...
- Você pode finalizar esse mistério no site Purson, do jeito que quiser. - Cloto dizia com um sorriso no rosto. - Lembra como descobriram que John Titor era apenas um escritor, ou que aquele vídeo que você tinha medo foi dito como marketing de um filme? Nada disso precisava ser verdade, mas qualquer um acreditaria em uma resposta mais próxima do "real", que tal você mesmo deixar seus relatos no site Purson? Tenho certeza que há algumas pessoas ansiosas para saber a verdade sobre as fotos.
- Mas... - Eu tentei dizer.
- Não é como se fossem acreditar mesmo. - O sorriso no rosto de Cloto havia desaparecido e foi substituído por um olhar perfurante.
- Se eu for... - Eu dizia.
- Sim, faremos questão de cuidar da sua mãe e da Camila. - Mike disse. - Mesmo nesse mundo, elas nunca fizeram nada errado, por isso me joguei na frente do disparo por ela, pois sei que qualquer um de vocês faria o mesmo...
- Então tudo bem, eu aceito desaparecer junto de vocês. - Eu disse determinado.
- Vou indo na frente então. - E com mais um de seus sorrisos sarcásticos, Láquesis desapareceu do mesmo modo de quando a vi pela primeira vez.
- Não demorem. - Cloto disse ainda com a voz séria e assim como Láquesis, ele desapareceu.
- Não espero que me desculpe por eu ter tentado te matar tantas vezes. - Mike dizia. - Mas já que viveremos juntos até você morrer de velhice, espero que em algum momento você me perdoe e possamos jogar cartas de novo.
Logo após isso, ambos fomos para um lugar completamente diferente.
=====
E foi desse modo que cheguei onde estou agora, algum tipo de castelo onde só as Moiras e eu vivemos... Já que me deram a oportunidade de relatar tudo que passei aqui no site, decidi contar tudo com o máximo de detalhes que eu pude. Não me arrependo de ter largado o mundo humano para vir para cá. Precisei fazer isso para o bem de todos...
Se acreditam ou não em tudo que contei até agora, deixo para vocês decidirem, afinal, quem acreditaria em uma história tão fantasiosa, não é? Pensando bem, qual o problema em gostar de coisas anormais? Conhecia alguém que amava esse tipo de coisas...
Agora que estou aqui com as Moiras, posso ver o destino e a vida de um modo completamente diferente do normal e isso só me faz ter ainda mais orgulho do que fiz. Procurar um mistério em meio à vida, é como procurar um acróstico em meio à tantos jornais, pode ser difícil de se encontrar, mas se você se esforçar, com certeza achará e quando achar... Seu modo de ver as coisas irá mudar.
Essa é minha última postagem aqui nesse site e agora sim será como se toda a minha existência no mundo humano fosse apagada, mas não ligo tanto, afinal, é como Cloto certa vez me disse: O fim nunca é o fim.
Em memória de David Alves.
✫24/01/2000
✟21/04/2016
PS. Dave, existem escovas de dente no futuro.
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