Capítulo 2 - Gravação
- Já te contei o porquê comecei a perseguir tanto o "impossível"? - Dave tinha uma aparência séria.
Era o último dia de aula no fim do ano anterior, estávamos Camila, Dave, Mike e eu na cobertura da escola durante o intervalo. Costumávamos ir para aquele lugar quase todo dia. Era uma ótima maneira de tomar um vento e relaxar depois de algumas aulas.
- Se já contou, eu não me lembro. - Eu disse enquanto olhava para o céu.
Camila estava perseguindo Mike, que devia ter roubado parte do lanche dela, enquanto isso, Dave e eu estava deitados cada um em um dos bancos que haviam naquele lugar. A aula anterior havia sido a última prova de história do ano e foi extremamente cansativo. No caminho para a cobertura, Dave ficou se desculpando, dizendo que era culpa dele eu ter perdido meu interesse por História, desde então, ele havia ficado quieto, até que fez aquela pergunta.
- Já nos conhecemos faz quase um ano. - Dave dizia enquanto também olhava para o céu. - E é claro que me diverti com todos vocês e que minha vida foi realmente boa esse ano, mas antes disso... Minha vida era horrível.
Dave já havia comentado sobre seu passado algumas vezes, mas nada muito detalhado, já que ele sempre parecia ficar muito mal quando lembrava. O que sabíamos, é que ele estava morando sozinho desde o início do ano. Algo aconteceu com a sua casa e ele veio morar próximo da avó dele. Ele nunca havia dito mais que isso.
Durante esse ano, mesmo ele não tendo dito, eu percebi algumas coisas. Ele nunca citou os pais, em momento algum e mesmo em um dia que precisei usar o celular dele para ligar para Mike, percebi que ele não havia nenhum número salvo como "pai", "mãe", nem nada parecido com isso. Ele amava bastante a avó dele e ela amava muito ele, tanto que sempre que íamos lá junto dele, a senhora pedia para que ele morasse com ela, mas ele sempre negava. Outro ponto curioso que percebi na relação deles, é que ela sempre o chamava de "pobrezinho" ou "coitadinho". Pode não ser nada e ser apenas um modo que eles se dirigem um ao outro, mas sempre achei estranho de todo modo. Certa vez, Dave se irritou com a avó, após ela dizer para ele: "Você está crescendo bastante, está ficando bonito, até se parece com ele". Isso irritou Dave de um modo que eu nunca vi antes. Todos nós nos preocupamos, mas ele nunca explicou o porquê daquele surto e nem explicando quem era "ele", por mais que eu tivesse um palpite...
- Nunca pretendi esconder isso de vocês, mas não queria estragar nossa amizade com algo triste... - Dave estava preocupado.
- Estragar com algo triste? Olhe para aqueles dois... Eu não duvidaria da Camila acabar quebrando um braço do Mike e mesmo assim continuarem amigos. - Eu disse apontando para os dois que ainda estavam correndo. - Agora conte de uma vez, sabe que não temos tanto tempo no intervalo.
- Claro, claro, hahaha. - Dave pareceu ter se animado um pouco mais. - Irei dizer tudo de uma vez então...
Assim que Dave se levantou e sentou, Camila e Mike pararam de correr e vieram até nossa direção.
- Nasci em uma família com bastante dinheiro, mas pouco de todo o resto... - Dave estava sério. - Eu não fui planejado e parece que meus pais me amarem também não foi... Na verdade, "amor" não existia naquela família. Desde muito novo, eu vi inúmeras brigas entre meus pais e a maioria terminava com eles descontando suas raivas em mim, dizendo que eu era a culpa de tudo... E talvez eu realmente fosse.
- Não fale assim, se seus pais eram doidos, é culpa deles, não sua. - Camila disse, interrompendo Dave.
- Eu sei disso agora, mas não quando tudo isso se iniciou... De todo modo, cresci naquele lugar de caos e foi ali que comecei a querer uma outra vida. - Dave abaixou sua cabeça e abriu um pequeno sorriso. - É incrível como crianças não tem preocupações com o mundo, não é? Existem tantas pessoas que passavam por aquela mesma situação e eu queria uma vida diferente, mas para a minha surpresa, minha vida mudou de verdade, mas não do modo que eu queria...
Outras pessoas que estavam na cobertura começaram a voltar para suas salas e Dave percebeu isso.
- Bem, nada disso é importante, vamos entrar. - Dave tentou se levantar, quando foi interrompido por nós três.
- Nem ouse! - Todos nós gritamos.
Dave recebeu bem a mensagem e se sentou sem tentar resistir.
- Ok, mas irei resumir... - Dave continuou. - Certo dia, meu pai chegou bêbado em casa, pegou uma arma e atirou na cabeça da minha mãe e pouco tempo depois ele se matou. Fim.
Todos ficamos boquiabertos, mas ao mesmo tempo, confusos.
- Explique isso direito, por favor. - Mike pediu.
O desconforto de Dave falando sobre aquilo era claro, mas mesmo assim, todos ali estavam completamente curiosos sobre o que realmente aconteceu.
- Isso aconteceu à dois anos atrás. - Dave continuou, por pressão. - Meu pai arrumou uma amante e minha mãe descobriu, mas ao invés de contar para ele, ela também arrumou um amante. No fim, a paixão que os dois talvez tinham um pelo outro acabou de vez e se apaixonaram pelos amantes, o que se tornou o problema maior...
- Incrível como algumas pessoas arrumam amantes tão fácil assim... - Mike comentou.
- É o dinheiro. - Eu disse. - Dave comentou que a família dele tinha bastante dinheiro, então se qualquer um soubesse disse, aceitaria ser o amante de um dos dois facilmente.
- Exatamente como o Luis disse. - Dave falava cada vez mais rápido. - A amante do meu pai fez a cabeça dele e ele decidiu matar minha mãe, assim poderia ter o dinheiro só para o novo casal, o que durou pouco, já que meu pai deve ter tido um surto de arrependimento e após matar a amante, se matou.
Todos já havíamos começamos a ir em direção à escada, mas não parávamos de prestar atenção em Dave.
- No dia que ele matou a minha mãe, eu não estava em casa, eu havia ido na casa de um amigo fazer um trabalho de escola, mas quando cheguei... O corpo da minha mãe ainda estava lá no chão e do lado dela, estavam meu pai e sua amante também mortos. - Percebi os punhos de Dave se fechando enquanto ele dizia isso. - Foi aí que percebi que a realidade, o "possível", era um pesadelo... "Se eliminarmos o impossível, todo o resto, mesmo que improvável, deve ser a verdade", nesse caso, ter uma família boa, uma infância boa era o "impossível".
Eu estava atrás de Dave, apenas prestando atenção em tudo que ele falava, até que ele parou e se virou para mim. Não entendi na hora, mas aquelas palavras me marcaram muito:
"Eu realmente acho que o "impossível" que tanto busco, é o que realmente fará minha vida ser "possível"".
O choro de Camila me trouxe de volta para a realidade. A fumaça que saia do incêndio onde houve a explosão estava ainda maior. Eu conseguia ouvir várias pessoas atrás de mim. Muitos deviam ter ficado curiosos com a explosão, ou comigo subindo as escadas correndo, mas sinceramente... Não importava. Eu nem sequer pensei em consolar Camila, que estava ajoelhada no chão em prantos, ou dar um ombro para Mike, que tentava enxugar as lágrimas com a manga da blusa. Eu nem ao menos conseguia perceber se eu mesmo estava chorando.
"É o que realmente fará minha vida ser "possível"".
Assim que Mike tocou no meu ombro, voltei a ter controle do meu corpo.
- Talvez... Talvez ele tenha... - Camila não conseguia terminar de falar.
No mesmo momento que Camila disse isso, peguei meu celular de volta. Talvez... Talvez teria alguma mensagem dele...
- Luís... Ele... já sei foi... - Mike disse segurando o meu braço.
Naquele momento eu já havia entendido que ele já não estava mais nesse mundo, mas mesmo assim, tentei me enganar.
Não havia nenhuma mensagem enviada naquela hora e a stream ainda estava offline. Ele estava muito perto da explosão, não havia modo algum dele sobreviver, inclusive por ter sido uma explosão tão grande...
- Então "O Sorriso" era só uma isca para chamar pessoas para algum tipo de ato terrorista? - Perguntou algum aluno aleatório atrás de mim.
Um ato terrorista? Uma isca? Mas então "O Sorriso" foi ou não uma foto do futuro? Tudo aquilo trazia ainda mais perguntas para tudo aquilo. Qualquer tipo de resposta sobre "O Sorriso" pode ter sido destruído ali também. Quem ele era, da onde ele veio, qual era o propósito em viralizar aquela foto, tudo isso ainda estava encoberto por uma densa fumaça negra, a fumaça das chamas que levaram meu melhor amigo...
"O Luis sabe o que fazer com a stream".
No mesmo momento que me lembrei das palavras de Dave ditas pela Camila, comecei a apertar em vários lugares diferentes do meu celular.
- O que foi? O que está procurando? - Mike perguntou com um tom desesperador.
- Dave e eu temos uma regra de que toda vez que um de nós fizermos uma stream, o outro deve gravar. - Eu dizia enquanto eu continuava atrás das gravações do meu celular. - Vários relatos de coisas "impossíveis" se provaram falsas porque as pessoas diziam ter "esquecido" de gravar, então tomamos cuidado com isso e sempre tentamos ter uma cópia em segurança, já que se um dia acharmos algo tão grandioso, o governo poderia deletar a gravação do próprio site.
Pensando agora, é bastante hilário o modo como Dave e eu nos preparamos para todos esses casos bizarros. De início, eu achava que ele era completamente louco por levar essas coisas à sério, mas o jeito dele acabou me transformando em um louco também... Toda essa nossa brincadeira de "caça ao impossível" sempre significou mais para ele do que para mim. Por isso ele enfrentou tantas coisas sem medo. Sem medo de morrer.
A gravação estava em segurança, mas para ter certeza, fiz um backup o mais rápido que pude em um cartão de memória separado que eu tinha comigo. "O Sorriso" ainda havia muitas perguntas, perguntas que levaram a vida de Dave... Eu não conseguiria deixar tudo aquilo para trás.
Um professor chegou na cobertura e após ver com os próprios olhos o resultado da explosão, pediu para que todos voltassem para nossas respectivas salas.
Antes que eu pudesse me virar e voltar, Camila se levantou e me abraçou. Ela não disse nada e nem eu. Eu pude perceber que ela havia parado de chorar e que na verdade, eu ainda estava chorando sem perceber. Não sabia como lidar com aquilo ainda. Meu melhor amigo havia acabado de morrer buscando exatamente o que ele achava que o traria a vida. Eu havia percebido pouco antes da explosão que "O Sorriso" talvez fosse um homem-bomba, assim explicaria a escolha de roupa dele, o local e talvez até aquele "falso choro" que ele estava fazendo, mas mesmo avisando o Dave, eu sabia que ele não iria mudar de ideia naquele momento e mesmo que mudasse, ele não conseguiria fugir à tempo...
Mas será que foi mesmo um homem-bomba?
Antes que eu pudesse pensar mais, Camila me soltou e segurou forte a minha mão, me puxando de volta para a sala.
Nada aconteceu na sala. Poucas palavras foram ditas, a maioria eram ainda mais perguntas. Os professores não sabiam o que dizer ou fazer. A situação era de confusão, ninguém sabia o que estava acontecendo, mas diferente de hoje de manhã que as dúvidas vinham de uma foto, dessa vez vinham da realidade.
Dei algumas olhadas rápidas na gravação, eu sabia que muitas respostas estariam ali, eu só teria que observar com cuidado. Observar, esse era o meu trabalho na "dupla maravilhosa"... Dupla que agora só havia um membro.
De nós três, o que mais se mostrava afetado era Mike. Claro que Camila e eu também estávamos mal, mas tentávamos esconder nossa tristeza dos outros, afinal, ninguém sabia com certeza o porquê de estarmos daquele jeito, já que a explosão havia sido longe da escola. Enquanto voltávamos para a sala, percebi um grupo de amigos de outra sala também chorando, talvez um amigo deles também estava lá gravando uma stream...
- Bem, recebemos o comunicado da prefeitura e eles nos disseram que vocês poderam ir para casa, acompanhado de seus pais. - Disse o coordenação da escola, assim que adentrava nossa sala.
- Mas o que aconteceu no centro? - Perguntou um aluno.
- Foi mesmo um atentado? - Perguntou outro.
- Quero que vocês façam uma fila até o térreo e ligaremos para o pai ou mãe de cada um de vocês em ordem. - O coordenador ignorou cada um das perguntas anteriores. - Se querem saber mais, vão assistir TV na casa de vocês, eu estou com muito trabalho para fazer, então com licença.
Assim que o coordenador saiu da sala, nosso professor começou a organizar a fila com todos, que seguiram as ordens sem nenhuma objeção.
- O que custava para ele dizer o que aconteceu? - Reclamou Camila, já na fila. - Seria melhor para todos.
- Ele provavelmente não sabe. - Eu disse, de trás de Camila. - A irritação dele e o modo em que ele estava inquieto mostra que ele não tinha controle da situação. Claro que ele poderia estar escondendo a verdade só para não deixar todos em pânico, mas a irritação dele me pareceu estranha...
- Será que a escola sofre perigo de um ataque? - Perguntou Mike, agora um pouco melhor. - Por isso ele está falando para evacuarmos o prédio?
- Isso não dá pra saber, mas eu acho que não. - Tentei explicar enquanto a fila andava lentamente. - Ele disse que só podemos sair com o nosso responsável nos acompanhando, se fosse realmente uma emergência, ele não esperaria isso, e outra, ele disse que tem muito trabalho para fazer, logo, ele vai continuar na escola.
- Mas mesmo assim, não parece ter sido algo pequeno. - Camila dizia. - Não só a prefeitura exigiu que os alunos deixassem a escola, como também podem não ter contado para o coordenador o que realmente aconteceu, se realmente aconteceu do jeito que o Luis disse...
- E também... - Antes que eu pudesse terminar de falar, Camila me interrompeu.
- O coordenador disse para assistirmos TV se quisermos saber de mais, então a imprensa já deve ter sido chamada.
- Mas se a imprensa já chegou, teríamos ouvido... - Novamente fui interrompido por Camila.
- Helicópteros? Sim, pelo o que percebi passaram três enquanto estávamos esperando na sala. - Camila sorriu em minha direção. - Eu sabia que estando mal daquele jeito você não conseguiria prestar atenção em tudo, então fiz o que pude.
Enquanto namoramos, Camila disse que tinha bastante interesse em saber analisar bem as coisas como eu, mesmo eu sempre dizendo que não era grande coisa. Treinamos algumas vezes com fotos ou vídeo da internet e ela mostrava ter potencial, mas assim que terminamos, o interesse dela desapareceu. Eu achava que ela só dizia gostar daquilo para me agradar, mas talvez eu estivesse errado...
Chegando no térreo, havia bem mais pessoas que em qualquer outro lugar da escola naquele momento, então ainda estava mais claro as perguntas que todos se faziam:
- E "O Sorriso"?
- Era mesmo um terrorista?
- A foto era só uma coincidência, foi planejado ou veio mesmo do futuro?
- Será que estamos seguros nessa cidade?
Mas na minha cabeça, a pergunta que não parava de ser feita era: "Porque?"
- Mike, que tal eu e você irmos para a casa do Luis? - Camila sugeriu. - Eu... Eu ainda estou mal e não quero ficar sozinha...
Mike aceitou de imediato. Eu sabia que estavam fazendo aquilo por mim e acabei por aceitar também. Eu precisava deles comigo naquele momento, assim como eu também precisava do Dave.
Depois de nós três termos ligado cada um para sua casa, uma notícia ruim:
- Não poderei ir com vocês. - Mike disse. - Minha mãe me quer em casa à todo custo, ela está muito preocupada.
Camila e eu conhecíamos bem a mãe de Mike, então nem pedimos para ele tentar mais uma vez.
- Você vai ficar bem sozinho? - Camila perguntou. - Qualquer coisa podemos ir para a sua casa...
- Não, não podem. - Mike olhou para mim. - Eu sei que você vai querer analisar essa gravação de todo modo possível... Faça isso. Faça isso pelo Dave.
Pude ver os olhos de Mike lacrimejando. Talvez até os meus também lacrimejaram, inclusive depois que Camila nos abraçou. Aquele abraço foi mais significativo que qualquer outro. Era um abraço que representava que a partir daquele momento, seria apenas nós três.
Poucos minutos depois, minha mãe chegou e antes de nos despedirmos de Mike, houve um outro abraço, mas dessa vez sem lágrimas, era um abraço que mostrava que nós três conseguiríamos ficar bem.
Não fui eu quem explicou a morte de Dave para minha mãe, mas sim Camila. Eu não conseguia palavras para falar aquilo e minha mãe percebeu o quanto nós estávamos mal.
Assim que saímos do carro, minha mãe me abraçou forte e disse que me amava. Ela sabia o quanto Dave e eu éramos amigos e que era bastante possível que eu estivesse lá com ele. Ela estava grata que eu não fui, mesmo que sem perceber, foi o fato dela ter se dirigido ao meu quarto hoje de manhã que me fez não ler as notificações à tempo que me salvou.
- Eu irei pro meu quarto, preciso ficar um tempo lá. - Eu disse cabisbaixo.
- Eu também vou, se não for problema. - Disse Camila.
Minha mãe adorava Camila e deixou que ela ficasse comigo sem problemas.
Quando namorávamos, Camila vinha para minha casa quase todo dia após a aula, por causa disso, ela, minha mãe e minha irmã se tornaram ótimas amigas. Com certeza a pessoa que ficou mais triste com o nosso término de namoro, foi minha mãe.
Entrando no meu quarto, foi quando realmente desabei. Foi quando percebi que o "impossível" havia se tornado o "possível". Abracei Camila forte e ela também começou à chorar. Ficamos ali parados chorando por alguns minutos. Não havia palavras, mal havia movimentos entre nós dois. Era como se o tempo tivesse parado por alguns minutos, mas era claro que não havia... Isso seria "impossível".
- Preciso analisar a gravação. - Eu disse assim que me recompus. - Preciso achar alguma resposta. Dave foi até lá procurando por respostas e eu devo achar por ele.
Camila entendeu e se colocou ao meu lado, na frente do PC.
- Mas o que está procurando exatamente? - Perguntou Camila. - Será que algo ali vai explicar "O Sorriso"?
Camila estava certa, primeiro eu deveria pensar no que "O Sorriso" significava.
- Será que o propósito de viralizar a imagem era realmente a de juntar várias pessoas no mesmo lugar, para que assim mais gente fosse pega na explosão? - Indagou Camila.
- Isso não seria impossível. - Eu dizia enquanto pensava no máximo de informações que eu tinha na cabeça. - Alguns anos atrás, uma streamer começou a agir estranho em seus vídeos e os fãs começaram a pensar que ela estava sequestrada, até que um dia a própria streamer marcou um encontro com seus fãs...
- Mas isso é perigoso! - Camila pareceu espantada. - Se ela estivesse mesmo sequestrada, ela ter marcado algo poderia ser obra do sequestrador!
- E é nisso que esse caso me lembra "O Sorriso". - Eu dizia enquanto procurava algo na internet. - Muitos fãs diziam que aquilo era perigoso e que não iriam, mas a maioria dizia que iria para vê-la à todo custo e o mais interessante, essa situação fez com que mais gente quisesse ir nesse "encontro". Pessoas que nem a conheciam, mas iriam só para ver o que ia acontecer e os mais perigoso... Pessoas que achavam que poderiam "salvar" ela, caso ela realmente aparecesse em público.
Abri duas abas no navegador e mostrei uma delas para Camila.
- Isso era o público em um encontro qualquer com ela.
A tela mostrava que a média de pessoas era de duzentas pessoas no máximo.
- Acho que é um número normal para uma streamer. - Camila disse.
Mostrei a outra aba.
- E esse foi o número de pessoas nesse encontro que ela marcou enquanto estava "sequestrada".
Dessa vez, incríveis mil e trezentas pessoas haviam participado.
- É uma diferença imensa, mesmo o perigo sendo tão possível assim! - Camila estava boquiaberta.
- Felizmente, no fim, nada aconteceu nesse encontro, fora algumas pessoas tendo sido apreendidas, pois foram armadas com o intuito de "salvá-la". - Eu explicava enquanto fechava as abas. - E é isso que o "Purson" devia estar atrás. Eles queriam viralizar a imagem para juntar vários tipos de pessoas lá, não só os streamers, com certeza também havia os curiosos e provavelmente tinha mídia também, eles não perderiam a chance de cobrir uma matéria de algo tão viral assim.
- Então o "Purson" seria um grupo terrorista?
- Provavelmente, tanto que se entrarmos no site deles agora, com certeza já derrubaram para que ninguém os encontre. - Eu dizia enquanto digitava o endereço do site.
Assim que apertei enter, o inesperado: o site continuava lá do mesmo jeito que hoje cedo. Sem nenhuma postagem nova, apenas com "O Sorriso" com o emoji na logo.
- Eles não tem medo de serem rastreados?! - Eu estava bastante espantado com aquilo.
- Ou talvez seja outra isca? - Camila disse olhando atenta para o site. - Se eles deixarem o site como está, outras pessoas vão com certeza rastrear eles e vão ir atrás deles, onde talvez tenha outra bomba.
- Isso faria bastante sentido... - A teoria de Camila era realmente boa.
- E não podemos esquecer que a foto do "Sorriso" foi tirada no futuro, mesmo que poucas horas depois. - Camila dizia.
- Eu sei disso, mas por mais que eu tenha tentando achar lógica para a foto do futuro, é impossível. - Eu disse um pouco preocupado. - Então pretendo deixar entender essa parte para o final , já que...
- "Se eliminarmos o impossível..." - Camila me interrompeu. - Eu sei, eu sei, então vamos pensar no que pode ser solucionado.
Depois de conversarmos por algum tempo sobre o que deveríamos ver depois, decidimos que era finalmente hora de ver a gravação.
- Você vai ficar bem, vendo esse vídeo? - Camila perguntou preocupada.
- Eu achei que ficaria mal, mas na verdade, essas foram as últimas vezes que falei com Dave, então devo aproveitar a última stream dele fazendo o que ele sempre queria que eu fizesse... - Me peguei sorrindo dizendo essas palavras. - Analisar.
Por mais que eu estivesse prestando atenção na stream durante a aula, aquele não era o meu único foco na hora. Haviam as pessoas falando ao redor e eu tentava ouví-las de vez em quando, para ter certeza de que não diriam nada que eu ainda não soubesse ou que eu não tinha percebido, mas agora, eu poderia prestar toda atenção possível no vídeo, na grande pista que Dave nos deixou.
Vendo agora mais claramente, os dois lados da rua estavam realmente movimentados, tanto que Dave esbarrou em algumas pessoas até chegar no local da foto. Havia tanta gente, que era difícil imaginar que "O Sorriso" andaria por ali com aquela blusa de frio e ninguém o perceberia. A rua não estava tão movimentada quanto as calçadas, mas periodicamente dava pra se ver carros passando por ali. No local onde a foto foi tirada, haviam pelo menos nove outras pessoas, ao menos era esse o número que deu pra ver durante a gravação. Estavam todos virados para a outra calçada, à espera do show principal esperado por todos.
- Mas pensando nisso, não faz sentido. - Comentei pausando o vídeo. - Em nenhuma parte do vídeo aparece alguém parado do outro lado da rua, todos estão sempre em movimento, com exceção do próprio "Sorriso".
- E o que isso quer dizer? - Camila perguntou.
- Se você está prestes a encontrar o local de uma foto que supostamente foi tirada no futuro, você não pensaria em querer aparecer nela? - Eu estava sério. - Claro que nem todos pensariam nisso, mas acha mesmo que ninguém tentaria aparecer ou simplesmente falar com "O Sorriso"? É improvável que ninguém teria parado do outro lado da rua.
Camila entendeu minha indagação, mas mesmo depois de ambos termos pensado por um tempo, chegamos em conclusão alguma, apenas em teorias.
- E é incrível... - Eu dizia enquanto voltava à assistir. - Todas as condições da foto realmente aconteceram, é difícil dizer que a foto seja falsa... Ela realmente deve ter vindo de poucas horas no futuro.
- Isso quer dizer que... - Camila havia pensado no mesmo que eu.
- Sim... É algo "impossível". - Eu disse com um pequeno sorriso no canto da boca. - É algo que Dave procurou por tanto tempo e conseguiu ver antes de...
Antes mesmo que eu pudesse voltar a ficar triste, minha mãe entrou no quarto.
- Vocês já estão aqui fazem duas horas, precisam parar para comer um pouco. - Disse minha mãe, quase que nos expulsando do quarto. - Desde que vocês vieram da escola a TV não para de falar sobre o que aconteceu, então eu recomendo que não assistam nada durante o dia.
- Está tudo bem, iremos assistir. - Eu disse bastante sério. - Queremos ver se tem alguma informação do que aconteceu lá.
Minha mãe pareceu preocupada, mas não disse nada, abrindo espaço para que pudéssemos ir até à sala.
- Podem ir na frente, irei preparar algo para vocês dois. - Disse minha mãe.
A TV já estava ligada, mas não em um canal que falasse do que aconteceu, então sem demora, mudei de canal. A imagem que se mostrava agora era feita de um helicóptero sobrevoando vários destroços, provavelmente o centro da cidade. O texto na tela dizia: "Urgente: Acidente com gás já conta 47 mortos".
- Acidente com gás? - Camila e eu nos perguntamos.
- Talvez não tenham descoberto que foi um atentado ainda... - Camila disse. - Então estão tirando conclusões precipitadas, isso não é tão anormal na mídia hoje em dia.
Camila tinha razão, mas ainda assim, não são duas coisas completamente diferentes? Claro, as duas são explosões, mas mesmo assim...
A imagem mudou para um repórter próximo dos escombros. Ele parecia bastante desconfortável por estar ali.
- Me desculpem pela minha aparência, mas é que chegamos aqui bem antes e a situação aqui não estava das melhores. - O repórter tentou ser o mais profissional possível. - Nunca é fácil cobrir uma tragédia dessas, afinal, haviam crianças e adolescentes por aqui... A situação estava completamente horrível, mas agora já está bastante melhor, pois já tiraram provavelmente todos os corpos encontrados.
- Já conseguiram tirar todos? - Perguntei. - Isso não foi muito rápido?
- Não sabemos quantas vítimas teve, então talvez tenha tomado um tempo normal, eu não sei como funciona essas coisas... - Camila pareceu preocupada.
- De acordo com o último registro que tivemos, 58 pessoas faleceram nessa tragédia. - O repórter parecia um pouco melhor. - Pelo o que as autoridades nos passaram, um dos estabelecimentos dessa rua, o Restaurante Aureo, estava com um vazamento de gás e ninguém percebeu, o gás acabou se alastrando e quando entrou em contato com alguma chama, a explosão aconteceu.
Restaurante Aureo, o lugar onde eu trabalhei por um tempo no passado...
- Mas isso é completamente mentira! - Gritou Camila. - O Aureo estava do lado oposto do "Sorriso", não tem como terem errado tanto assim.
- E se não erraram? - Comentei.
Camila pareceu espantada e confusa sobre o que eu disse, mas a ignorei, ainda precisava prestar atenção no que estava sendo dito na TV.
Uma outra repórter apareceu, dessa vez de dentro do estúdio.
- Mas foi bem rápido o trabalho de todos aí, não é? - Perguntou a repórter. - Fazer uma busca por corpos em tantos destroços assim deve ter sido difícil e mesmo assim dizem já ter achado todos os corpos.
- Eu já questionei as autoridades quanto à isso e eles disseram que por acaso, já haviam alguns carros da polícia e caminhões do bombeiro por perto, atendendo outro caso. - O repórter nos destroços dizia. - Desse jeito eles puderam entrar em ação quase que de imediato, após a explosão.
Um caso que precisasse de polícia e bombeiros? Mas quando fomos na cobertura da escola, não havia nenhum outro lugar que sequer parecia ter algum caso que precisasse de ambos, nem sequer me lembro de ter visto algum caminhão de bombeiro.
- Você poderia mostrar os destroços para nós, por favor? - Dizia a repórter no estúdio. - Era uma avenida importante no centro da cidade, é interessante ver como ela se encontra após uma tragédia dessas.
- Claro. - Concordou o outro repórter, guiando o camêra ao redor.
Nada ali estava reconhecível, tudo estava completamente destruído. A explosão com certeza havia sido imensa, para ter causado tanto estrago.
Me espantando completamente, Camila levantou de uma só vez, gritando e apontando para a tela da TV.
- Olha... Olha aquilo!
Quando olhei para a tela, entendi facilmente o porquê do espanto dela, assim como mais dúvidas surgiram na minha cabeça. Se a foto do "Sorriso" viralizou tanto, por que não citaram durante essa matéria? Não só seria uma matéria que chamaria a atenção, "uma foto do futuro", como também conectaria com a explosão, e ainda na explosão, por que estão apenas dizendo que foi uma explosão no Aureo, sem nem citar o provável envolvimento com a foto? E o mais importante: por que a logo do site Purson estava no meio dos escombros?
Ali, em meio à alguns escombros, haviam vários panos no chão, provavelmente de alguma loja por perto e em um desses panos rasgados, havia o emoji que ficava no site Purson.
- Então... Eles estão mesmo envolvidos com isso? - Camila perguntou, ainda apontando para a tela, como se estivesse congelada.
- Só uma atualização, dessa vez a final. - O repórter dizia, após pegar um papel das mãos de outra pessoa. - O número total de mortos é de 59 pessoas, não houve nenhum sobrevivente embaixo dos escombros.
- 59? - Perguntei em voz alta, mas para eu mesmo ouvir.
Foi ali que comecei a perceber, a verdadeira força da Purson.
Então não só a foto em si, o site Purson havia previsto até mesmo o número de mortos nessa tragédia?
- Preciso conferir duas coisas urgentes. - Eu disse, saindo da sala, antes mesmo de comer alguma coisa. - Preste atenção em tudo que falarem, por favor.
Sem nem ao menos ouvir o que Camila tinha para dizer, voltei para meu quarto. Eu precisava conferir de uma vez por todas, se a explosão veio ou não do "Sorriso" e também... qual era a verdade por de trás da Purson.
Voltei para a gravação e tentei assisti-lá frame por frame, eu não podia deixar nada passar despercebido.
A primeira coisa que percebi, é que não era possível ver "O Sorriso" chegando até o lugar que ele parou. Era possível que simplesmente não dava para ver por causa de todas as outras pessoas ao redor, mas do jeito que estava no vídeo, parecia que ele havia simplesmente aparecido ali.
O fim da gravação era a mais dolorosa de se ver, mas também a mais importante. Prestei atenção no "Sorriso" o tempo todo, esperando ver se ele havia se mexido antes da explosão, ou se a explosão vinha dele. Tentei repetir várias vezes, mas não percebia nenhuma diferença no "Sorriso". Ele estava sempre lá, parado, como se fosse um boneco, sempre rindo... Rindo da morte dos que estavam ali o assistindo. O que me fez pensar... Se a explosão veio mesmo do Aureo, então o fotógrafo também morreu na explosão, não é? Não sabia quais eram os limites das "previsões" da Purson, então me parecia difícil de acreditar que sacrificariam alguém para tirar uma foto sem que pensassem numa maneira de fugir de lá.
- Como será que recuperaram a foto do "Sorriso"? - Disse Camila, quase me matando do coração por ter chegar de surpresa. - Porque o celular, ou a camêra de quem quer que tenha tirado a foto, com certeza quebrou também. E não se preocupe, eu só vim para cá porque a matéria sobre a explosão já acabou, foi estranhamente rápida.
- Sobre a foto é fácil de se resolver. - Eu disse enquanto tentava recuperar o ar que eu havia acabado de perder. - Ele pode ter tirado a foto diretamente em uma conversa com alguém, ou simplesmente direto na nuvem, mas ainda assim...
- Não sabemos como ela foi mandada para o passado...
Ficamos um tempo quietos. Novamente, apenas pensando em tudo e ao mesmo tempo no nada. Tanta coisa aconteceu nas últimas horas e mesmo assim estamos aqui investigando algo que talvez nem dê em nada...
- Se é realmente possível mandar algo para o passado... - Dizia Camila quando eu mesmo a interrompi.
- Por favor, não diga.
Eu sabia bem o que ela iria dizer e não nego que aquilo já havia passado pela minha cabeça, mas decidi não pensar de modo nenhuma nessa possibilidade. A perda de Dave ainda estava doendo tanto que eu não queria criar expectativas em coisas tão improváveis. Tão "impossíveis".
Me desculpei com Camila, pelo o modo que à respondi e voltei para a gravação.
- Já tentou analisar o aúdio? - Perguntou Camila. - Haviam várias pessoas com ele e um com certeza era o fotógrafo, então talvez consigamos ouvir algo.
Concordei com a sugestão dela e aumentei o volume. Tudo que eu podia ouvir era o barulho natural de uma cidade, fora alguns gritos eufóricos de outros streamers quando o "Sorriso" realmente apareceu. Ouvir a voz de Dave mais algumas vezes foi bom, exceto pelo fim, quando ele estava confuso sobre eu ter pedido para ele ter sair dali... Pouco antes da explosão. E foi exatamente antes da explosão que ouvi algo.
- O que é? O que foi? - Camila estava confusa enquanto eu colocava o fone nela. - O que você ouviu?
Apertei play nos dois últimos segundos antes da gravação. Camila deu um pequeno pulo quando ouviu. Eu podia ver os olhos confusos e também assustados dela.
- "Boom"? - Camila perguntou.
Antes da explosão, foi isso que alguém perto de Dave disse: "Boom".
A voz era de um homem, talvez adolescente, talvez mais novo que nós, era difícil de prestar atenção com tanto barulho em volta, mas ele com certeza sabia. Ele sabia o que iria acontecer. Era a voz do fotógrafo.
- Isso não faz sentido... - Camila dizia. - Então ele com certeza morreu se estava lá.
Camila e eu passamos algumas horas tentando pensar em teorias sobre o que era tudo aquilo. Sobre o fotógrafo, a explosão ter sido um "acidente" no restaurante, a foto do futuro, a logo Purson no meio dos escombros, era muita coisa para se pensar, mas não chegamos em conclusão alguma.
- Havia até esquecido da outra coisa que eu queria conferir quando vim para o quarto. - Eu dizia enquanto voltava para para o site Purson.
- Está ficando tarde... - Disse Camila, um pouco preocupada.
Havíamos passado tanto tempo ali analisando tudo, que nem sequer percebi que tantas horas já tinha passado.
- Só irei finalizar isso e te levo para casa. - A casa de Camila era próximo da minha, então não seria problema eu levá-la.
- E o que vai procurar no site dessa vez? - Camila perguntou.
- O código-fonte. - Respondi de imediato. - Alguns sites escondem segredos ou mensagens secretas no código-fonte. Às vezes, segredos até mais complicados e reveladores que o normal, como o caso de uma cantora que no código-fonte do site dela, havia escrito que ela havia começado a fazer parte de uma organização controversa.
- E ninguém sabia disso?
- Ninguém, mas mesmo assim, estava lá, bem claro no código-fonte dela. - Eu dizia. - Então quem sabe não seja do mesmo jeito com a Purson, mesmo que eu duvide que...
Antes que eu pudesse terminar de falar, tanto o meu celular quanto o de Camila começaram a apitar repetidamente. Eram os sons de notificações.
Os números anormais de notificações que não só eu, como Camila e Mike recebemos sobre "O Sorriso" ainda era algo que me chamava a atenção, mas antes que eu me preocupasse com isso, as novas notificações traziam algo novo.
"Há uma foto nova", é o que a maioria das notificações diziam.
- Mas como tantas pessoas perceberam isso tão rápido? - Perguntei irritado. - Estamos no Purson nesse exato momento, eu acabei de atualizar a página e não havia visto, é impossível que tanta gente tenha visto a foto de imediato assim.
Sem pensar duas vezes, atualizei a página.
Havia uma postagem nova, assim como a outra, apenas com o título e com a foto. O título dessa vez era "2". A foto mostrava uma garota sorrindo com lágrimas escorrendo pelo rosto. Ela estava caindo de um prédio.
Aquela foi a primeira vez que eu vi "O Anjo".
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