XXXI - Frederico Bertolini
Frederico Bertolini
— Não olhe — Pandora me pediu assim que a bruxa mor havia terminado de dar as instruções.
Eu sorri e coloquei minhas mãos sobre meus olhos, tentando assegurá-la de que eu não a espiaria, mesmo que quisesse, o momento que a população global mais esperava: Pandora Duncan ficando nua em público.
Eu reprimi um sorriso em meus lábios, não queria que ela pensasse que eu a estava imaginando, mesmo que talvez eu estivesse.
— Pare com essa meninice, boneca, e entre logo na água — o gato ordenou.
— Claro, porque ela está apenas um pouco congelante a essa hora da noite.
Não era preciso ser um gênio para saber que depois de hoje, ela precisaria de alguns dias na cama para se recuperar da hipotermia e gripe que acabara de aceitar.
Eu sei que praticamente prometi não olhar, mas sou homem e fiquei tentado, quem não?
Retirei levemente minhas mãos dos meus olhos e virei meu rosto na direção que escutei sua voz, apenas aproveitando uma visão de soslaio de Pandora.
Ela estava de costas para mim, sentada em uma pedra com seus pés tocando a gélida água do lago. Sua pele banhada pela luz da lua lembrava uma pérola recém retirada da concha de tão pura. Seus cabelos escorriam pelas suas costas, caindo em delicados e quase inexistentes cachos amendoados que moldavam sua cintura.
Eu já não me prestava mais a escutar o que eles estavam comentando ali, porém, logo que ela virou o seu rosto, ficando de perfil para mim para responder ao seu gato algo que ele havia afirmado, eu fingi que não a estava olhando, mesmo que fosse difícil.
Pandora era apenas... bela.
Avistei também as suas famosas três tatuagens. A primeira estava em seu pulso, um infinito em suas mãos, algo um tanto clichê para ela, porém tão delicado quanto. A segunda, que estava em sua nuca, era um símbolo egípcio, tenho certeza, mas seu nome e significado me fugiam a memória, algo relacionado a vida — Ank? Não me lembrava ao certo do nome. A terceira eu consegui ver apenas de relance, pois não consegui encarar por mais de meros segundos as costelas desnudas dela sem permitir que minha própria mente me guiasse por pensamentos um pouco mais... bem...
E mesmo assim, quando ela se virou, naquele momento em que seu ombro direito abaixou um pouco para conversar com seu gato e os seus cabelos escorreram pelas suas costas, eu avistei a queimadura de meu cigarro ali — lambi meus lábios sentindo-os ainda pulsarem por mais uma única tragada, que não seria tão única assim.
Então eu ouvi um barulho seco e olhei para ela, que havia mergulhado na água sem dar um gritinho extremamente feminino, porém agora estava trincando os dentes de frio.
Comecei a rir e ela me acompanhou.
— Vamos, Pandora, tu tens que estar no local de Convergência quando a lua estiver no ápice — Emanuelle resmungou e ordenou, tudo ao mesmo tempo.
— Como eu sei qual o lugar de Convergência? — ela indagou movimentando a água enquanto tentava não se afogar.
— Vais saber, ele irá se revelar a ti — ela comentou — rápido.
E, com isso, Pandora respirou longas vezes antes de mergulhar. Enxerguei seus cabelos desaparecerem na escuridão daquele lago e eu me sentei na pedra que ela estava sentada antes.
Como ela conseguiria respirar, ou prender a respiração, por tanto tempo quando estivesse lá embaixo?
O gato demoníaco ficou ao meu lado observando-a e eu já sabia que ele vinha fazer fofoca.
— Tenho duas coisas para conversar com você — ele sussurrou, algo que eu achei extremamente incomum dele.
O que ele tinha a me falar que a bruxa do velho oeste não poderia ouvir?
— Diga — eu murmurei de volta pegando pedras ao meu redor e as atirando na direção no lago.
— Proteja esta garota com a sua vida — ele comentou e pensou melhor — certo, não necessariamente morra por ela, apenas a proteja.
— Sei que vou morrer, sei que serei o único a morrer. Luna e Ambrose já haviam me alertado disso — joguei três pedras de uma vez ouvindo o barulho de cada uma acertando o lago com uma intensidade e força.
— Então o que ainda está fazendo aqui?
— Esqueceu que eu estou magicamente apaixonado por ela?
— Tolo, a mágica não cria o amor, ela cria a paixão ardente, o desejo pela carne, a necessidade de uma... união física.
Eu o olhei e ele me olhou, por um momento, quando a lua brilhou mais intensamente sobre nós eu enxerguei a silhueta embaçada de um rapaz a minha frente, porém o gato continuou um gato.
— Do que você está falando? — indaguei
— Amar e desejar são duas coisas diferentes, porém, as vezes, são confundidas. A maldição faz com que você a deseje, deseje estar com ela e deseje tê-la, porém nada disso é amor. A única maneira que de quebrar a maldição é se vocês se amarem, pois é a única maneira dela fazer a escolha certa.
Por isso eu não esperava.
Sim, eu me lembro de momentos em que eu simplesmente desejei estar com Pandora, ou falar com ela, ou ouvir a sua voz, porém... saber que meu coração ainda pertencia a mim e eu poderia entregá-lo a quem eu achasse que merecia... bem, isso me fazia ter um pouco mais de esperanças.
E para aqueles que pensavam que eu era apenas um rebelde sem causa... não me conheciam.
— Por que não falaram isso a Pandora? Por que deixaram que ela acreditasse que ela teria que me amar a força? Sem escolhas ou hesitações? — eu questionei jogando mais uma pedra no lago.
— Isso foi ideia de Emanuelle, por alguma razão ela me disse que o vento dizia que desta maneira seria mais simples. Eu apenas segui com o seu plano — ele parecia estar escondendo algo de mim, porém quem era eu a julgar quando minha vida sempre foi uma página de verdade escondidas entre duas de mentiras? — eu sabia que ela estava nos ouvindo quando entramos no quarto, então apenas falei o que Emanuelle sugeriu.
— Vocês sabiam que fazendo o que fizeram, apenas deixaram Pandora ainda mais revoltada... isso faz sentido para vocês?
— Claro que faz, não é como se algo entrasse naquela cabeça dura dela.
Isso era verdade, ela não era uma daquelas garotas que aceitavam tudo o que lhes era dito.
— Então se ela me amar, a maldição acaba? E eu vivo ou morro mesmo assim? — perguntei já prevendo a resposta.
Não havia como aceitar de braços abertos que eu morreria.
Não me renderia tão facilmente.
— Morre, sabe que morre, eu vejo isso claramente — o gato resmungou um pouco para si mesmo — por mais que tudo mude, você ainda morre.
Então é isso o que você sente quando está prestes a morrer?
Será que era assim que Elisabeth se sentiu quando estava nas mãos de Andrei Chernov?
Será que foi assim que o irmão dela se sentiu quando estava prestes a morrer?
Era isso o que se chamava de dor?
Eu já sabia que eu iria morrer, mas... algo na maneira em que as palavras saíram da boca felina do gato simplesmente rasgaram qualquer tecido de esperança que eu estava tecendo nos últimos meses.
Era duro, talvez não fosse tão ruim quanto o que as pessoas esperavam que fosse, porém eu só não queria sentir dor.
Sem dor, por favor.
— Ei, homens não choram, qual é! — o gato brincou, tentando diminuir o clima tenso entre nós, mas nada do que ele fizesse poderia melhorar algo que realmente aconteceria.
Limpei meu rosto com as costas da minha mão e engoli os soluços que tentavam escapar de meus lábios.
Eu não conseguiria cumprir a promessa que fiz a minha mãe.
Eu morreria.
Será que eu deveria ligar e dizer adeus? Será que existia alguma maneira de dizer adeus sem que ela tivesse um ataque do coração naquele exato minuto?
— Então tudo o que eu tenho que fazer é... ter certeza que ela vai se apaixonar por mim e me ver morrer? Essa maldição é mesmo tão desgraçada a ponto de desejar essa dor a uma garota que acabou de quase ser estuprada em uma festa pelo antigo amor da sua vida? — eu me levantei indignado enquanto limpava minhas calças da sujeira da pedra — vocês, bruxos, não sabem os limites que ultrapassam com suas brincadeiras mágicas.
— Não fui eu quem a amaldiçoou.
— Maldito aquele que o fez.
— Maldito mesmo, tenha certeza que Virgílio está orgulhoso de sua maldição.
O que? Quem era essa pessoa?
— Por que de repente você está liberando tantas respostas? O que mudou de cinco minutos atrás para agora? — eu estava irado.
— Isso nos leva ao segundo assunto que eu tinha a tratar com você — o gato informou, levantando seu rabo.
— E qual seria?
— Os Guardiões do Caos nos encontraram porque Emanuelle não é Emanuelle Perez, e sim Amara Reinan — o gato sussurrou e eu endireitei meu corpo mais atendo ao que ele estava dizendo — você pode achar que isso me torna um traidor, sabendo de uma armadilha e não contando logo de primeira, mas entenda o meu lado, humano, eu não vejo o futuro como um atalho para moldá-lo como me convém, muito pelo contrário. Eu vejo o futuro como uma lição de que muito poder também pode ser infernal.
— O que teria custado dizer uma vez, e apenas uma vez, que nós estávamos andando direto a uma armadilha? — senti minhas mãos fechando em punhos. Não queria resistir, queria bater nele.
— O simples fato de que eu vi o que aconteceria se eu contasse e se eu não contasse — o gato confessou, mostrando-me que ao menos a possibilidade cruzou sua meia dúzia de neurônios —, e era visível que Pandora teria mais chances de viver se vocês fossem encurralados nesta noite.
— Por quê?
— Porque eles vão pensar que venceram e ficarão com a guarda baixa para quando ela surgir novamente para derrotá-los.
— Então é isso? Pelo menos ela ficará bem? Tudo dará certo?
— Não existe certo nos mundos dos bruxos, humano, apenas aquilo que lhe prejudica e lhe bonifica.
— Ela ficará bem?
— Perfeitamente bem — eu soltei minha respiração, aliviado — depois de passar pelo Inferno e o Paraíso para romper com a maldição.
— Você disse que bastava ela me amar.
— Se fosse tão simples, a primeira Viajante teria rompido com a maldição.
— Você não consegue simplesmente contar algo por inteiro?
— Não, não quando o futuro me vem em fragmentos. Agora abaixe — ele sussurrou e eu me curvei — mais — e eu me agachei quase perdendo o equilíbrio — prenda a respiração e prepare-se para encontrar a gruta que está exatamente embaixo de nós, fique lá até algo cair no lago.
— O que?
— Descobrirá na hora certa — e o gato pulou em minha direção, assustando-me — você tem uma semana!
Eu perdi meu equilíbrio, gato maldito, e escorreguei. Bati com minha cocha contra a pedra e caí no lago.
Eu sei que disse que iria direto para a gruta, porém havia um ponto brilhante no fundo do lago que merecia a minha atenção.
A/N:
UHUUUUUUUL! TRAIÇÕES MUAHAHAHA
Pandora está realmente em uma armadilha, mas será que o Fred, com a ajuda do Lúcifer, conseguirá ajudá-la?
Será que o Fred morre mesmo? Será que eu sou tão cruel? hehe
E a Amara? Alguém se lembra de uma referência dela nos capítulos anteriores? Sabem quem ela é?
Espero que gostem!
Próximos capítulos são de partir o coração!
Já passamos da metade da história <3
Beijinhos
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