ATRASADO
Com a agenda atarefada, Nathaniel não sentiu o fim de semana chegar. O sábado mal amanheceu e ele tinha muito a resolver antes do almoço de noivado.
Como de costume, foi para a fábrica, situada à meia hora do condomínio em que a residência de sua família foi erguida, e, junto de Rafael, começou a vistoria semanal dos departamentos e maquinários. Sua presença não era necessária, mas todos os seus funcionários sabiam que Nathaniel apreciava saber cada detalhe da Essenz. Isso lhe dava controle e rapidez de solução de qualquer inconveniente que aparecesse.
Ao seu lado, Rafael, que sempre o acompanhava, não parava de olhar o celular, que tocava incessantemente há meia hora. Nathaniel o compreendia. Geralmente a vistoria durava poucos minutos, todos os setores deixavam os relatórios do maquinário e da produção prontos para a avaliação do Muller, mas naquele dia uma das máquinas apresentara um defeito e estavam a quase duas horas aguardando a finalização do reparo.
— Pronto! — soltou Gaspar Mercante, um senhor atarracado e de ralos fios prateados, soltando uma peça de metal nas mãos de Nathaniel antes de secar a testa com a mão enluvada, deixando um rastro de óleo no local.
— Algo tão pequeno causou a paralisação do maquinário leste? — questionou Rafael observando intrigado a minúscula peça.
— Ficaria impressionado com o que já vi nos meus mais de vinte anos nessa fábrica — comentou Gaspar retirando as luvas e limpando as mãos suadas em um saco de estopa. — Peças minúsculas como grãos de arroz fora do lugar causam prejuízos de milhões. Poderia contar histórias para vocês qualquer dia desses, garoto — completou balançando a estopa a poucos centímetros do rosto do cosmetólogo, antes de coloca-la no bolso do macacão azul com o logotipo da fábrica.
Rafael ergueu uma sobrancelha negra, segurando a vontade de dizer que ouvira histórias demais durante todo o conserto. Ao seu lado, Nathaniel sorriu acostumado com o jeito debochado e saudosista do velho funcionário.
— Ficaremos honrados em ouvi-las em outro dia, senhor Mercante — disse Nathaniel batendo de leve no ombro do funcionário contratado por seu pai.
Revirando os olhos, Rafael seguiu Nathaniel para a saída feliz pelo problema resolvido, e em colocar distância entre ele e as lembranças de Gaspar.
— Se eu soubesse que seria tão demorado e cheio de história aleatórias do passado, teria ido embora assim que mostraram a máquina defeituosa — resmungou esfregando os olhos.
Nathaniel riu, seguindo pelos corredores rumo ao estacionamento.
— Tinha algo melhor para fazer?
— Sempre há algo melhor para fazer no fim de semana — retrucou Rafael passando pelas enormes portas duplas de metal que levavam a saída. — Dormir é o ponto alto.
O celular de Rafael tocou. Ele o olhou e soltou um resmungou incompreensível.
— Algo errado?
— Prometi ajudar uma amiga hoje. Ela está furiosa com meu atraso.
Mostrou a tela do celular. Nathaniel só viu vários áudios, emojins de rostinhos irritados e uma única palavra em caixa alta: ATRASADO.
— Amiga? — questionou Nathaniel com um sorriso amplo.
— É a Isabele — disse o moreno esfregando um olho, visivelmente cansado.
Nathaniel riu, lembrando-se da loira impetuosa que havia namorado Rafael anos atrás.
— Como ela está? Aposto que continua muito bonita.
Rafael torceu os lábios, seguindo Nathaniel até os carros estacionados lado a lado.
— Tão bonita quanto problemática.
— Então não é só por amizade que quer encontra-la — supôs observando o amigo caminhar até o carro parado ao lado do seu.
— Não, não penso em reviver nenhum romance — Rafael negou, embora ambos soubessem que vez ou outra acabava na cama da amiga. — Só tenho que ajuda-la a carregar umas caixas para doação, quando tudo o que eu queria era dormir até segunda.
— Um rosto bonito sempre é um bom incentivo — Nathaniel filosofou com um grande sorriso, acostumado com a preferência de Rafael por uma longa noite de sono.
Rafael assentiu distraído, enquanto destravava a porta do carro.
— Não foi um convite dos mais empolgantes... — resmungou entrando em seu corsa preto. Fechou a porta, colocou o cinto de segurança e girou a chave. Um engasgo. Girou novamente. Engasgo. — Merda! — soltou entredentes, repetindo o processo e ouvindo o mesmo barulho.
O celular de Rafael voltou a tocar. Ele não precisava olhar para saber que era uma nova mensagem de Isa reclamando com outros milhões de emojins e áudios exaltados que preferia ignorar.
— Quer que chame o Gaspar? — Nathaniel perguntou causando um sobressalto em Rafael ao colocar-se ao seu lado.
— Se eu demorar mais Isa me esfola — resmungou girando a chave. Outro engasgo.
— Como causei seu atraso, ofereço uma carona — disse Nathaniel indicando seu carro.
— Sinceramente, não sei... — seu celular tocou novamente. Dessa vez uma ligação. — Um minuto... — Pediu e Nathaniel se afastou para lhe dar privacidade.
Escorou-se no próprio carro e observou o amigo gesticular enquanto falava, algo incomum ao pacato Rafael. Logo ele saia do carro e andava até o Muller com as faces avermelhadas.
— Isa sabe ser incomoda quando quer — resmungou. — Aceito a carona.
Não contendo o riso, por notar o medo do amigo em relação à ex, Nathaniel abriu a porta do passageiro, causando um revirar de olhos de Rafael.
~
A última caixa estava empilhada junto à porta do apartamento. Cherry mordeu a lateral esquerda do lábio, analisando as enormes caixas. Talvez ter escolhido caixas menores, como queria, as tivesse poupado do peso que carregariam agora que o "amigo" de Isa parecia ter desistido de ajuda-la.
— Pronto! — soltou Isa, encarando assassina o iphone com capinha roxa felpuda de orelhas e pompom, afastando uma mecha do cabelo loiro ao anunciar satisfeita com o efeito de suas ameaças. — Rafael disse que vai demorar, mas virá.
Cherry respirou fundo. Não sabia por que aceitara a ajuda do amigo de Isabele. Pelo pouco que conhecia Rafael – e somente pelas recordações de Isa -, ele tinha histórico de fugir do trabalho pesado. Por isso tinha votado por caixas menores e um carrinho de transporte. Mas Isa a vencera – como sempre -, e acabaram com quatro caixas enormes, que carregadas pesavam muito para seus braços. Imagina para os bracinhos magricelas da colega de apartamento que reclamava até de lavar a louça.
— Se tivéssemos comprado caixas menores...
— Estaríamos esgotadas de tanto subir e descer as escadas — Isa retrucou se sentando largada ao lado de Eri. — Esqueceu que o elevador está quebrado há meses?
— Não esqueci. Até fiz uma reclamação na última reunião de condomínio.
— Adiantou muito — cantarolou analisando as unhas longas e bem cuidadas.
— Pelo menos fiz alguma coisa — resmungou entredentes. Indicou o relógio na parede da cozinha, cujos ponteiros informavam que faltavam cinco minutos para as dez. — Combinamos de entregar a doação as dez, estamos atrasadas.
Isa deu de ombros.
— Sinta-se a vontade para descer as caixas. Eu ficarei bem aqui esperando o Rafael.
— Mesmo quando ele chegar, se ele chegar, com o peso precisará de ajuda para descê-las.
— Detalhes — disse abanando uma mão no ar. — Além do mais, falei com o Tomás.
Cherry entrecerrou os olhos, os punhos se fechando.
— O vizinho tarado?
— Tarado ou não, ele é forte e vai ajudar.
— A troco de que?
— Hum...
— Ai, meu céus, o que você prometeu dessa vez?
Isa torceu os lábios, depois, inesperadamente, riu.
— Um acessório da Lady Diamonds — a loira contou, referindo-se a sua sex shop.
Cherry ficou boquiaberta, por um instante uma pervertida curiosidade bateu, mas a jovem sacudiu a cabeça e jogou os braços para o alto.
— Não me diga mais nada. Nem sei por que perguntei.
Voltou-se para a janela, de onde podia ver seu chevette estacionado. Demoraria horas para levarem todas as caixas até o porta-malas, nunca cumpririam o horário...
Womanizer encheu o ambiente. Isa se apressou a capturar seu iphone.
— Ufa, Rafa! Pensei que não chegaria nunca. Vou descer.
Isa saiu correndo. Cherry aguardou de braços cruzados ao lado das caixas. Preparando-se para o peso que carregaria do terceiro piso até seu carro no térreo. Seriam necessárias duas pessoas para carregar cada caixa e Isabele não ajudaria, disso tinha certeza. A loira faria corpo mole, lembraria a fortuna gasta com as unhas e, como sempre, diria que era boa em administrar tarefas, não executa-las.
Capturou seu celular no bolso traseiro de seu jeans e mandou uma mensagem para o abrigo de crianças que prometeram ajudar no bazar, comunicando que estavam a caminho. Meia verdade para acalmar a si mesma. Não queria que pensassem que desistiram de fazer a doação.
— Conseguimos mais um ajudante — Isa comemorou saltitando a frente de Cherry, apontando empolgada os homens atrás dela.
O bombado Tomás, que lhe lançou um olhar abobalhado. Um homem magro de cabelo escuro preso em um coque samurai, claramente incomodado com a empolgação de Isa. E, por último, um homem de cachos dourados e brilhantes olhos azul céu que fez os lábios finos de Cherry se abrirem com surpresa e murmurarem:
— Senhor Muller...?
~
Nathaniel não sabia bem o que esperar quando concordou em ajudar a amiga de Rafael. Talvez tenha sido a expressão desesperada do amigo durante o trajeto, ou o olhar suplicante da loira ao pedir, mas, por fim, que mal havia em ajudar a descer algumas caixinhas?
Só não imaginava que as tais "quatro caixinhas", fossem enormes e pesadas. Tampouco que a loira não ajudaria mais que um ocasional: Está terminando.
Se não fosse pelo vizinho musculoso e Cherry, ele e Rafael estariam em maus lençóis. Por fim, depois de duas viagens, o chevette estava apinhado de caixas e os cinco estavam parados na calçada, cansados e suados, com exceção da loira.
— Bom trabalho garotos — Isa agradeceu com um grande sorriso para os três homens, logo acrescentando ao envolver a cintura da amiga em um abraço. — e garota!
— Ainda bem que assume que não fez nada — Cherry resmungou afastando-se do abraço.
Preocupada, pegou o celular no bolso da calça para verificar quão atrasada estava. Foi nesse momento que um homem alto e magro trompou em Cherry, capturou das mãos dela o aparelho telefônico e saiu correndo.
Nathaniel não pensou, foi automático, em um momento era um simples observador e no outro pegava algo no bolso e tacava contra o agressor com força suficiente e mira perfeita para atingi-lo em cheio na cabeça. Com o impacto o homem bambeou e caiu para frente. Desnorteado o tempo suficiente para Rafael e Tomás o alcançarem o sujeito, cada um segurando um braço para impedi-lo de fugir.
O homem se debatia. Isa telefonava para a polícia. Cherry ficou paralisada, sem conseguir processar os últimos segundos. Enquanto isso, Nathaniel resgatava o celular dela, caído a poucos passos do ladrão. Ao erguer-se com o aparelho em mãos reparou que não sofrera grandes danos, apenas um pequeno trincado no canto da tela. Então seu olhar recaiu no objeto que jogou no impulso, um gemido subindo por sua garganta e ecoando pelos lábios retorcidos. Diferente do smartphone da secretária de Simon, o seu estava destroçado.
~
Estava atrasada, mas já não importava. Avisou o lar sobre a tentativa de roubo e explicou que se demorariam fazendo o boletim de ocorrência.
Sentada na calçada, sentindo todo o corpo tremer, Cherry ainda estava sem fala com tudo o que ocorrera. Nathaniel Muller salvara seu smartphone atirando o próprio celular no bandido. Era bizarro.
— Quer algo para beber?
Olhou espantada para o loiro sentando ao seu lado segurando em cada mão um copo descartável de água. Não fazia ideia de onde ele conseguira a bebida, mas aceitou com mãos trêmulas, tomando-a em um único gole sedento.
— Obrigada...! — murmurou com um sorriso fraco.
— Demorarão com os depoimentos — ele disse olhando para o local em que Isa, Rafael e Tomás falavam com os dois policiais que atenderam a chamada. Momentos antes Cherry tinha feito o mesmo, sua declaração rápida como os acontecimentos que levaram a prisão do homem pálido e esquelético que a atacara. Nathaniel se resumira a declarar que parou o sujeito arremessando seu celular. Como Tomás e Rafael seguraram o bandido e Isa chamou a policia, tinham ficado por último. — Provavelmente teremos que ir a delegacia.
Cherry olhou para o carro da policial, direto para o local em que o ladrão estava e empalideceu.
— Ai, meu céus...! Isso nunca aconteceu comigo antes...
Nathaniel notou que ela tremia e, impulsivamente, envolveu os ombros dela com um braço para transmitir conforto. Surpresa com o gesto, Cherry o encarou, estremecendo ao sentir os dedos acariciarem o local de leve, tranquilizando-a e aquecendo-a.
— Nunca passei por isso antes também... — ele murmurou reparando nas fascinantes sardas pontilhando o nariz feminino. Deu-se conta que estavam perto demais, ao ponto que conseguia, mesmo no ambiente carregado de cheiros fortes de gasolina, esgoto e escapamento, sentir um leve e encantador aroma floral desprendendo-se dela.
— Imagino — Cherry torceu os lábios, o que atraiu os olhos azulados para os lábios largos e rosados. — Nem teria passado se Isa não o tivesse recrutado para "ajuda-la" — falou fazendo aspas com os dedos.
Nathaniel riu. Cherry corou ao concluir que ele combinava com a risada vibrante e tão... gostosa.
— Sua amiga sabe pedir um "favor" — disse imitando Cherry com o gesto de aspas.
A imitação colocou fim ao caloroso abraço, perturbando a jovem que desejou ter o braço dele em torno dela novamente.
— Bem, só lamento pelo meu celular — ele comentou retirando os destroços do bolso do paletó para mostrar à ruiva.
— Ai, nem sei como poderei pagar por outro...
— Não se preocupe em repor... — A expressão de Nathaniel, que até então estava iluminada, se anuviou. De repente lembrou-se que deveria buscar Paulina para o almoço de noivado, o que não conseguiria fazer no horário marcado. — Mas, se puder me deixar usar o seu, agradeceria.
— Ah, claro!
Cherry estendeu seu aparelho já com a tela desbloqueada.
Nathaniel pegou o aparelho para discar o número da noiva, mas não conseguiu. Sempre ligava para Paulina utilizando a discagem rápida, não fazia ideia de qual era o número dela. Coçou a nuca, ainda olhando para os números na tela em busca de uma solução. Então veio o estalo.
— Hum, por acaso sabe o telefone da casa do Simon? — perguntou para Cherry esperançoso.
— Sim — sem questionar o motivo dele querer falar com Simon, Cherry pegou o celular de volta e acessou a lista de contatos, entregando-o para Nathaniel com o número da residência do Salvatore na tela.
Nathaniel sorriu agradecido e, para alivio de Cherry, ergueu-se e se afastou sem reparar que aquele simples sorriso deixou a face dela na mesma tonalidade que os lisos fios acobreados.
— Alô!
Nathaniel respirou aliviado ao ouvir a voz do antigo colega de escola.
— Simon? Aqui é o Nathaniel.
— A que devo a honra desse telefonema?
— Preciso de um favor. Tive um contratempo e não poderei buscar a Lina. Diga que a encontrarei na minha casa.
— Diga você mesmo — Simon retrucou. — Passo para ela em um instante.
Pensou em aceitar a oferta, mas naquele momento um dos policiais acenou chamando-o.
— Agora não posso, depois explico melhor.
Desligou e, junto de Cherry, caminhou em direção aos policiais.
~
Passara oficialmente muito do horário combinado para o seu almoço de noivado. Assim que foi dispensado pelos policiais, despediu-se de Isa, Cherry, Tomás e Rafael, que decidiu ficar na casa da amiga. Nathaniel presumiu que Isabele fizera um novo pedido irrecusável ao amigo. O mesmo não foi feito a ele, pois deixou claro ter um compromisso urgente, e nem a Tomás. Não era necessário convencer um homem que, claramente, estava apaixonado. Nathaniel não prestava atenção nos sentimentos alheios, mas era óbvio que Tomás estava atraído por Cherry. Assim como era óbvio que ela não correspondia. E o motivo dele pensar nisso agora, dirigindo a caminho de seu almoço de noivado, era incompreensível.
Sacudiu a cabeça de leve, afastando os acontecimentos daquela estranha manhã, decidido a focar na tarde que passaria ao lado de sua noiva e da família de ambos.
Passou pelos portões do condomínio, acenou um comprimento rápido para o porteiro e os seguranças, e seguiu pelas ruas arborizadas até a mansão de sua família. Já na garagem, respirou fundo, saiu do carro e correu para dentro da casa preparando-se mentalmente para as explicações.
Tinha consciência que seu aspecto era lamentável. Suado, cabelo bagunçado, paletó e gravata pendurados no braço, camisa social fora da calça e com os primeiros botões abertos. Mas preferia dar inicio ao almoço de compromisso de uma vez por todas. Depois teria tempo para tomar um longo banho e se trocar.
Passou apressado por alguns empregados, entrou na sala e foi imediatamente alvo de quatro pares de olhos, divididos em expressões de alivio, curiosidade e repreensão.
Carlota e Paulina foram as únicas a levantarem e se aproximarem dele.
— Filho o que aconteceu? — Carlota perguntou espantada com a aparência de seu herdeiro.
— Estive em uma delegacia — explicou, causando o horror da noiva.
— Delegacia?!
— Impedi um roubo — contou de peito estufado e sorriso largo. — Mas, infelizmente, isso me custou o celular. — Retirou do bolso da calça social os destroços do aparelho. — Demorei porque tivemos de fazer a denúncia.
— Tivemos? — questionou Paulo. Sentado de braços cruzados no longo sofá branco, seu sogro o encarava fixamente.
— Rafael e duas amigas dele estavam comigo — explicou, acrescentando ao voltar-se para a noiva. — Uma delas é a secretária do Simon.
Sua explicação não tranquilizou ou amenizou a tensão das pessoas presentes. Sua noiva era a mais preocupada.
— Você está bem? Machucou-se? — ela perguntou olhando-o de cima a baixo a procura de um grande ferimento.
— Estou bem, não se preocupe anjinho. — Beijou o rosto da noiva e afastou-se sorridente. — Bem, agora vamos falar do motivo que marquei esse encontro.
— Falamos sobre isso enquanto esperávamos — informou Paulo com desgosto.
Percebia que o pai de sua noiva estava insatisfeito com sua demora, mas não ligou para o perigo que os olhos do sogro irradiavam.
— Ótimo! Estamos oficialmente noivos. — Abraçou Paulina pelos ombros com força.
Carlota sentou e todos fizeram o mesmo.
— Estávamos falando da cerimônia.
— Já tinha dito para a Paulina que quero que seja daqui quatro meses — recordou Nathaniel entregando o paletó e a gravata para uma empregada antes de sentar ao lado da noiva. — Mas já podemos dar entrada nos papéis e planejar a festa para os familiares.
Sorrindo, Paulina balançou a cabeça em sinal positivo.
— Ainda teremos que fazer outros procedimentos já que será na igreja — anunciou Carlota para surpresa do filho.
— Igreja?
— Minha mãe sempre desejou que me cassasse na igreja — Paulina contou sorridente.
— Isso é mesmo necessário? — Ignorando o choque no rosto da noiva e o resmungo contrariado do sogro argumentou, recordando os procedimentos para a cerimônia católica de uma prima: — Lembro que Iolanda passou dias fazendo um curso antes de casar com Alessandro.
— Sim, como você não é batizado... Mas é rápido... — Paulina murmurou apertando as mãos sobre o colo.
— Como lembrei para a Paulina, vocês tem tempo, Nathaniel — Carlota argumentou.
— Não é bem assim — objetou. — Estarei ocupado com a preparação e apresentação da nova linha da empresa. Quero acompanhar tudo de perto — explicou segurando a mão da noiva, os olhos azuis fixos nos caramelados. — Creio que é melhor uma cerimônia civil e uma pequena festa.
— Acha que o trabalho é mais importante que seu casamento? — questionou Carlota, seu olhar cortante constrangendo o filho.
— Não é isso — retrucou. Voltou-se para Paulina em busca de apoio. — Você entende o que estou dizendo, não é anjinho?
O silêncio que se seguiu o deixou preocupado. Paulina jamais demorava a concordar com algo que ele dizia. Observou a noiva olhar apreensiva para o pai, que, por sua vez, o encarava com a expressão contrariada de sempre.
— Eu entendo... — Paulina murmurou por fim para alivio de Nathaniel.
Carlota levantou, tanto por se incomodar com a resposta, quanto por achar que o único modo de suavizar a tensão no ambiente era fingir que estava tudo bem. Afinal, se sua nora queria passar o resto da vida à sombra das vontades de seu filho, quem era ela para discordar?
— O almoço de noivado nos espera — pronunciou forçando um sorriso.
~
Ao fim do almoço, depois de combinando de encontrar Paulina no próximo fim de semana para dar andamento aos preparativos do casamento, Nathaniel despediu-se da noiva, do sogro e da cunhada e seguiu para o antigo escritório de seu pai. Ainda tinha muito a resolver sobre a nova linha da Essenz.
Tinha seu próprio escritório integrado ao quarto no segundo piso, mas o do primeiro piso, além de amplo e com estantes de mogno repletas de livros atrás da escrivaninha de mesmo material, a esquerda tinha uma janela com vista para o jardim, e a direita gaveteiros cheios de informações sobre a fábrica e os escritórios. Ele passara os últimos anos se fortalecendo ali.
Sentou na poltrona de couro envelhecido e ligou o computador, pronto para o trabalho. Estalou os dedos e os pousou no teclado. Então algo estranho ocorreu, seu olhar se perdeu na paisagem do lado de fora, sua mente longe, nas lembranças daquela manhã. Na tentativa de roubo; no seu celular voando até bater em cheio na cabeça do ladrão e se dividir em várias partes no chão; nele e Cherry sentado lado a lado na calçada; nos pontinhos marrons espalhados pelo nariz arrebitado... Quase podia sentir o cheiro se desprendendo da ruiva. Uma fragrância contrastante, suave e vibrante ao mesmo tempo... Essência de rosas? Jasmin? Baunilha? Toques de canela? Era diferente, sedutor...
Agarrou o bloco de notas ao lado do computador e começou a anotar uma ideia para mostrar na reunião da SaaTore. Uma mulher de cabelo acobreado e olhos esverdeados, o perfume envolvendo-a como uma fumaça translucida sensual e misteriosa, conquistando os olhares de todos ao seu redor. Era isso que precisava na propaganda, decidiu com um leve sorriso.
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