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Capítulo 13 - Mikael

Música: OneRepublic ft Logic - Start Again


**

A primeira coisa que faço quando entro no prédio é pedir a Julius que ligue ao serralheiro para me trocar a fechadura da porta. Infelizmente, é de madrugada e terei de esperar até amanhã.

— Vou dormir num hotel. Quanto trocarem, liga-me.

― Mikael, sinto-me na obrigação de perguntar se está tudo bem.

Sorrio-lhe. ― Está tudo ótimo. Mas a Victoria está proibida de subir para a minha casa.

― As coisas entre vocês...

― Acabaram, Julius.

Ele assente e eu volto a sair do prédio.

É um sentimento de solidão que não desejo a ninguém. Sair à rua e não saber para onde ir, a quem ligar... É tão estúpido sujeitar-me a isto, quando tenho a minha casa à minha espera.

Sei que Victoria não se iria humilhar e aparecer aqui, mas prefiro jogar pelo seguro e ser a única pessoa a ter acesso à minha casa.

Ao fundo da rua entro numa gelataria. Nunca tinha percebido a sua existência, apesar de bem evidenciada com uma fachada colorida e paredes em vidro.

Entro em silêncio e caminho para o fundo, deslizando o meu corpo no banco de canto.

― Boa noite, meu querido. Já sabe o que vai querer?

Olho para a mulher mais velha que me olha com uma expressão serena, mas feliz.

― Não. Desculpe, não olhei o menu.

― É a primeira vez que aqui vem?

― É.

― Posso sugerir um batido de gelado de caramelo com banana e bolacha, ou prefere um batido de gelado de lima com hortelã e topping de chocolate? Doce, ou amargo?

Deixo escapar um sorriso.

― Doce. Para amargo já chega a minha vida.

O ligeiro sorriso que nunca tinha abandonado o seu rosto desvanece.

― Doce será.

Deixo a minha mente entrar naquele loop depressivo e só saio quando ela coloca um copo alto com o batido e uma palhinha verde.

― Obrigado.

― Mora aqui perto?

Balanço a cabeça afirmativamente.

― No cimo da rua.

― E nunca aqui veio?! ― Pergunta incrédula.

― A minha vida costuma ser muito corrida, passo a maior parte do dia no centro da cidade.

― Então, o que aconteceu hoje para que a sua vida nos tivesse colocado no seu caminho quase às duas da manhã?

— É assim tão tarde? — Pergunto perdido. — Vai fechar?

Ela sorri. — Não temos hora para fechar e está com cara de quem precisa dos nossos batidos.

Deixo escapar um sorriso e assinto.

Nunca tinha percebido como a comida nos conforta quando estamos perdidos. Talvez seja psicológico. Distrairmo-nos das preocupações durante os pequenos momentos em que nos deliciamos com algo saboroso. Mas a distração acaba e os pensamentos regressam.

— A conta, se faz favor. — Peço ao balcão.

— É por conta da casa.

— Não, insisto.

— Eu também. — Sorri.

Agradeço-lhe com um sorriso tímido e retiro-me.

Vivo numa cidade onde as relações se restringem a familiares e amigos. Encontrar estranhos que nos presenteiam com pequenos gestos é algo para nos marcar. Talvez o facto de estar na periferia ajude, mas, seja como for, acabei de me tornar um cliente regular. Talvez amanhã lhe traga uma pequena lembrança.

*

Passei a noite num hotel. Como qualquer hotel, o sentimento é o de estar fora de casa. Os lençóis não têm o cheiro do meu amaciador, o colchão não está marcado no lado em que sempre durmo. A casa de banho parece de um catálogo de vendas, sem produtos de higiene espalhados pelos cantos e toalhas usadas.

Quando chego ao condomínio, a fechadura já tinha sido trocada.

— Alguma coisa para mim?

— Não, Mikael.

Conheço Victoria. Ela nunca iria dar parte fraca e aparecer aqui, mas também nunca pensei apanhá-la na cama com Andrew.

***

Passou uma semana e vivi os dias em modo robótico. Ainda sinto o rancor por Victoria, mas o que mais me incomoda é a ausência dos sorrisos de Tess. Mordo os lábios cada vez que recordo os seus nos meus. Se antes era difícil, quando ela me assombrava em sonhos e eu precisava manter a linha que separa o sonho da realidade, mas me questionava sempre se seria o mesmo... Agora, ainda sinto os seus lábios nos meus, a sua respiração, o seu batimento cardíaco, as suas mãos deslizarem pelo meu corpo... Agora... agora pareço um drogado em reabilitação. Privado da droga que mais o consumiu.

— Estás com cara de quem não dorme há dias.

Lilly decidiu aparecer para almoçar. Queria ter inventando uma desculpa qualquer, mas preciso de algum contato humano e a minha irmã é a única pessoa que sei que nunca me irá apunhalar.

— Secalhar não durmo há dias.

— Tens falado com a Tess?

Fito-a. — Por que acho que já sabes a resposta a essa pergunta?

Lilly dá de ombros. — Quero ouvir o teu lado.

— Não temos falado. Pronto, agora já sabes o meu lado.

— Não sejas teimoso, Mikael.

Bufo um riso. — Estou a ser teimoso?

— Estás. Aliás, estão os dois. O que aconteceu para que pareça que não querem ver o outro à frente?

Enrugo a testa. Lilly não sabe?

Quando voltei para o apartamento, no dia seguinte, Lilly apareceu. Era impossível esconder-lhe o que aconteceu. A minha cara contava quase toda a história, ela só precisava de alguns pormenores. Foram esses pormenores que lhe contei. Não quis envolver Tess. Tinha sido egoísta ao ter-me refugiado nela e sabia que a tinha magoado de alguma forma. Não me atrevi a tocar no nome dela ou a passar perto da loja ou da sua casa durante toda esta semana.

— Não aconteceu nada. Não sei do que estás a falar.

— Tu falas da Tess como se tivesse sido ela na cama com Andrew. — As suas palavras causam-me repulsa. Pensar em Tess na cama com Andrew revolta-me ainda mais do que ter apanhado Victoria nessa situação. — Vês?!

— Vejo o quê, Lilly? — Pergunto sem paciência.

— Essa cara de murro no estômago que acabaste de fazer. Nem consegues imaginar essa situação. Estás apaixonado por ela.

— Não sabes o que dizes.

Lilly revira os olhos. — Está estampado na tua cara, maninho. É bom que resolvas esse conflito dentro de ti porque estás a isolar-te de todas as pessoas que conheces.

— Que exagero. Tenho estado contigo e com o Kyle.

— Com a tua irmã e o teu cunhado.

— Se bem me lembro, foste tu quem disse que a minha vida era trabalho. Pelo que vejo nada alterou.

— Ainda estás rancoroso. Eu percebo. Eu e o Kyle vamos sair esta noite. Vem connosco.

— Não estou com humor para saídas.

— Ah, mas vais sair, sim. Passo por aqui às vinte e três. É bom que estejas despachado.

Quando percebo estou parado à frente da Loungerie. As luzes baixas da loja permitem-me ver Tess caminhar de um lado para o outro, arrumando os expositores, trazendo e levando caixas de cartão de e para o armazém.

Eu sei que não devia ter vindo aqui, eu nem quis, de todo. Mas de alguma forma o meu corpo caminhou e trouxe-me para aqui.

Quando Tess regressa e olha em frente para a vitrine, o seu olhar bate no meu e ela para.

Talvez me ignore. Eu mereço. Não devia tê-la beijado. Não devia ter aparecido na sua casa, mas era só o pensamento dela que invadia a minha mente. E continua a invadir.

Aceito que me vá ignorar e preparo-me para recuar quando ela pousa a caixa no balcão e caminha para a porta.

— Olá. — Digo a medo.

— Olá.

— Não quero parecer stalker... ou abusivo... — O seu olhar cemicerra e expiro. — Quero pedir-te desculpa. Pelo que disse e como agi na ultima vez que nos vimos.

— Não tens que...

— Tenho. Quero que saibas que, tudo o que disse, foi sentido. Agora que estou mais calmo acho que o meu pedido de desculpas será levado mais a sério. — Deixo escapar um sorriso e os seus lábios esboçam um sorriso timido.

— Fico feliz em saber que estás melhor.

— Estou. Graças a um batido. E por ele ser tão excepcional é que quero convidar-te para beber um comigo.

— Um batido? — Questiona com o sobrolho erguido.

— O melhor batido que irás beber na vida.

Tess deixa escapar um sorriso aberto.

— Não posso, Mikael.

— Não tem que ser hoje, ou amanhã. Só quero que penses no convite e que o aceites quando estiveres disposta a isso.

Ela balança a cabeça lentamente e isso já me deixa feliz.

— Obrigado. — Digo-lhe. — Boa noite, Tess.

— Boa noite, Mikael.

Recuo afastando-me da loja e o sentimento é o de quem acabou de colocar o dedo na ferida que queria sarar. Em vez de me arrepender, abro um sorriso rasgado porque vê-la sorrir é a única coisa que dá cor ao meu coração.

*

Avanço e ela recua.

É como o jogo do gato e do rato. E esta atração que nos une impede-nos de não jogar.

É como uma tortura boa. Uma excitação que queremos prolongar.

Avanço determinado alcançando-a no instante em que as suas costas vão ao encontro do espelho. Pressiono o seu corpo contra o mesmo e ela deixa escapar um suspiro contra os meus lábios. Agarro-lhe os pulsos e ergo-os acima da cabeça.

Largo-os para agarrar o seu rabo e pressionar a sua zona pélvica contra a minha. Quero sentir o seu corpo no meu. Preciso disso como um viciado e neste caso, ela é a minha droga. Aquela que me faz cometer loucuras e não pensar nas consequências inerentes. Ela faz-me não pensar de todo. Faz-me agir de acordo com os meus sentimentos.

Deslizo a mão direita ao longo corpo até a ter no pescoço. Seguro-o como se fosse beber um copo de vinho e, como tal, embebedo-me nos seus lábios.

As nossas línguas entrelaçam-se num ritmo que tenta acompanhar as batidas dos nossos corações. Ela afasta os lábios dos meus, arfando por ar e olha-me da forma mais inocente que já alguma vez me olhou. Consigo decifrá-los. Sei o que ela está a sentir neste momento porque também eu o sinto. Mas o meu coração continua a bater descompassado no meu peito e o meu cérebro continua a não conseguir raciocinar. Tudo se resume a este momento.

Deixo cair o rosto e pouso a minha testa na sua. Sinto a sua respiração nos meus lábios e mordo o meu inferior para resistir à vontade de voltar a beijá-la. Deslizo o polegar pela sua face, acariciando-a e não sei se o meu coração conseguirá bater mais rápido.

Ela suspira e eu beijo-a.

Abro os olhos no momento em que arfo por ar.

- Não, não, não, não! Merda! - Levo as mãos ao rosto esfregando os olhos com brutalidade.

Exaspero.

Saio da cama e vou para a casa de banho. Meto-me debaixo do chuveiro e ligo a água fria. Não me preocupo com o choque térmico. Preciso acordar e livrar a minha menta da imagem de Tess. E dos seus lábios. Da suavidade que sinto ao beijá-los. Da excitação que é tê-la nos meus braços e percorrer o seu corpo. Fodasse, Mikael!


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