Capítulo 1 São apenas fantasmas.
Amber Dellarusso
Eu era apenas uma criança.
Homens com vestes brancas me arrastavam por um corredor escuro, meu destino final sempre foi aquela sala de portas duplas, não sabia quem eu era e nem tão pouco de o porque deles fazerem essas atrocidades comigo.
Maldita sala!
Não importava o quanto me debatia e tentava de alguma forma escapar. Eu era apenas uma garotinha sem passado e sem nome, apenas o vazio me definia. Eles me arrastam como se estivessem lidando com um animal.
Os gritos se tornaram inúteis quando conseguiram me amordaçar. Lágrimas escorrem de meus olhos, a situação é tão terrível que seria um pesadelo para qualquer um que se pusesse em meu lugar. Eles me puxam até adentrar aquela sala branca com uma mesa grande e aparelhos assustadores.
Sempre sonhei em ver um lugar diferente. Imaginar campos cobertos por tulipas, meus pés descalços enquanto corria livre sem me importar com o rumo que eu tomaria. Mas esses sonhos eram apenas projeções do meu subconsciente como defesas psicológicas.
— Amarre ela com as abraçadeiras! — Tento me debater quando sinto meus pulsos serem presos por um material feito de plástico fazendo cortes superficiais em minha pele.
Grito. Debato, tento de todas as formas em vão. Meu corpo é virado na posição de lado, chorei implorando para que me deixassem em paz, mas ninguém me escutava ou se importava com a minha aflição.
— Precisamos aplicar a Raqui! — Um dos homens grita para o outro que segurava uma seringa com agulha comprida.
— Droga, ela não para de se mexer! — O outro diz e me desespero ao ser prensada na mesa por um corpo grande e forte.
— Desmaia essa merda logo! — Senti um punho acertar meu rosto, com o impacto fiquei atordoada por alguns minutos, senti o inchaço dominar o maxilar.
— A anestesia não está surtindo efeito. — Escuto a voz de longe junto ao zumbido de meu ouvido esquerdo.
— Não perca o seu tempo e faça logo! — Ouço um zunido de ferramenta e sinto minha pele ser perfurada.
O grito sai alto de minha garganta, sinto que o ferro entrava em minha carne se aprofundando cada vez mais, a dor aguda continuou juntamente ao barulho, um líquido ácido invade o fundo de minha garganta subindo até minhas narinas, queimando tudo por onde passava.
— Já estamos acabando! Segurem ela! — Meu corpo começa a tremer e convulsionar, minha cabeça cai para fora da mesa e aperto minhas mãos firmes quando sinto meu osso ser perfurado.
O grito saiu estridente de minha garganta, fechei os olhos com força deixando as lágrimas minar enquanto sinto pontadas fortes por dentro como se tivessem arrancado pedaços de mim, os barulhos dos instrumentos eram um grande tormento para os meus sentidos quase falhos.
— Está tudo pronto. — Senti uma certa pressão em meu peito e um grande formigamento na região dos membros inferiores e aos poucos vou perdendo a consciência.
***
Quinze anos depois…
A pele está molhada pelo suor, cocei os olhos percebendo o sol nascer pela janela do quarto. Faziam alguns dias que não dormia tão bem assim tirando o momento em que tive de levantar, sempre fui atormentada pelos mesmos pesadelos aos quais sempre desejei esquecer.
Levanto notando estar sozinha, assim podendo normalizar a respiração pesada e acalmar o coração acelerado.
Apoiando o corpo sobre os membros inferiores, puxei o ar de forma lenta até os meus pulmões, meus cabelos caem para frente do rosto e sinto que dessa vez necessitaria muito de um bom banho.
Passo a mão nos cabelos sentindo o frio do metal no couro cabeludo, o processo de adaptação a uma prótese é um caminho longo e árduo.
No começo você sente seus nervos ficarem loucos, enviando estímulos desnecessários ao cérebro, como se tivesse algum membro ali que precisasse de manutenção. O pior de tudo é que não me lembro de absolutamente nada. Apenas em ter acordado de um sono profundo dentro de um quarto em uma clínica aos pedaços.
Vou até ao banheiro do quarto e faço toda a higiene necessária, não posso desperdiçar tempo, pois logo terei que mudar de local e os mantimentos estão acabando.
Ao me deparar com o espelho notei que os meus olhos castanhos estavam com um aspécto mais cansados, o corpo magro com algumas escoriações e pequenos cortes, lembro da última vez em que por pouco escapei da morte.
Eram seis mortos, os mais fortes pelo tempo de mutação que já enfrentei. Consegui escapar deles utilizando um bastão de baseball com golpes precisos esmagando a cabeça.
Esse é o único jeito de um mutante morrer, arrancando a cabeça ou estourando seus miolos, da mesma forma como muitos já viram em filmes de terror.
Lavei meu rosto retirando os restos de respingos de sangue seco do último confronto que tive e voltei ao quarto para pegar minha mochila. Terei que ser rápida desta vez, pois a cada dia que passa os seus instintos se afloram e eles se adaptam conforme as necessidades.
Verifico tudo o que precisava levar, desde uma troca de roupas, kit de primeiro socorros e água potável. Caminhei pelos cômodos sujos da casa que parecia ser bela quando tinha alguém para cuidar dela, vou até a cozinha para procurar por algo que poderia pelo menos amenizar os roncos do meu estômago, para a minha sorte encontrei algumas latas de sardinhas vencidas e uma embalagem de pão endurecido pela metade ainda dentro da embalagem.
Peguei o pão e comecei a comer, porque irei precisar de energia o suficiente para pelo menos chegar a um abrigo seguro que tenha comida e água, o que é muito raro nessas ocasiões.
Sai da casa indo em direção na direção Oeste da Califórnia, meu destino seria no único estado em que poderia conseguir refúgio ao qual foi transmitido pelo rádio. O caminho seria longo, passando por Arizona, Novo México; atravessar o norte do Texas; Oklahoma; Missouri; Ohio; Illinois; Indiana; Pensilvânia e finalmente em Nova York.
Essa seria uma longa viagem até o campo de concentração de Nova York e espero conseguir chegar lá a tempo. Ajeitei todas as coisas que precisaria levar e tomei coragem para dar início ao trajeto. Do lado de fora da casa de madeira estava silencioso, apenas a brisa balançando as folhagens das árvores, precisaria atravessar o bosque em busca da estrada principal, dali em diante, seria uma longa caminhada até o primeiro posto de gasolina, praticamente quase completando seis quilômetros de distância.
O mapa velho que encontrei dentro da casa, me serviria muito bem. Assim correria menos riscos de me perder pelo caminho. A estrada estava deserta como imaginei que estaria até poucos segundos depois quando um carro se aproximava, a vontade de conseguir um carona era grande, porém não era bom ter certa confiança por uma pessoa estranha, no estado em que se encontra a humanidade hoje, confiar era tão perigoso quanto estar exposta para os infectados.
O carro antigo de cor prata seguiu o seu curso, mas ao invés de prosseguir, parou. Continuei caminhando em passos cautelosos até que um homem saiu de dentro. Trajava roupas simples, uma camisa social xadrez com as mangas dobradas até os cotovelos e uma calça jeans de lavagem clara justa em sua pernas, mostrando os seus músculos.
— O que faz sozinha nessa estrada? — Ele me analisou de cima a baixo parando o seu olhar em meu rosto.
— Não te interessa! — Continuei a caminhar como se ninguém estivesse ali parado me observando, o homem apenas soltou um longo suspiro.
— Mas é claro que me interessa. Os tempos estão difíceis para nós, mocinha, já deveria estar sabendo dos últimos acontecimentos. — Senti os seus passos atrás de mim e então parei no lugar ao sentir sua mão em meu ombro.
— Posso te oferecer uma carona.
— Não devo confiar em você! — Tentei me soltar, mas ele segurou firme.
— Não deve mesmo, aliás ninguém aqui faria isso que eu fiz agora.
— E por qual motivo eu deveria acreditar em suas palavras? — Me virei para olhar nos olhos do estranho, expressavam certa angústia.
— Sem explicações. Apenas quero fazer algo por alguém! — O homem parecia sincero ao dizer essas palavras e encolher os ombros.
— Tá certo. — Caminhei até o carro, abri a porta ao lado do motorista e me acomodei. Ele veio em seguida, então deu a partida. Na metade do caminho ele decidiu que iria puxar algum tipo de conversa.
— Você tem família no Arizona? — Apenas neguei com a cabeça vendo as árvores se movimentarem pelo lado de fora da janela.
— Então está indo para lá por algum outro motivo?
— O abrigo. — Apenas respondi sem emoção alguma, ao contrário do homem que parecia estar nervoso.
— …Sem família. — Concluiu.
— Tinha uma filha, ela era muito inteligente. Seu sonho era viajar por todo o mundo, escrever sobre diversos lugares. — Enfim, começou a contar sobre o seu passado. Ouvia atenta a todos os detalhes, ele realmente não era uma pessoa ruim.
— E o que aconteceu com ela? — O clima ficou tenso e de repente, o homem focou na estrada e se manteve em silêncio.
— Desapareceu. — Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. — Após a epidemia, minha esposa também se foi.
— Eu sinto muito. — Decidi ser sincera.
— Não sei o porquê, mas seu rosto me lembrou muito de minha filha.
— Por isso que decidiu me ajudar? — Perguntei não segurando a curiosidade.
— Sim. Mas me conte como veio parar aqui nesse lugar.
— Não tenho muito o que falar, cresci sem saber de nada. Apenas que estava em um tipo de Clínica ou um hospital, e todo esse caos já estava generalizado. Não tinha muito o que fazer a não ser sobreviver.
Minhas palavras sem que eu soubesse, haviam surtido um efeito nele. O carro parou no meio da estrada e ficaram ali paralisados no tempo.
— Qual Clínica?
— Eu vim da Califórnia. — Ele suspirou profundamente, talvez por ter tido lembranças ruins naquele Estado. — Foi difícil de conseguir escapar daquele lugar, a infestação estava acontecendo por toda parte.
Sem que eu percebesse, a manga da blusa de frio revelou um pouco da prótese mecânica, então tratei de esconder assim que seus olhos seguiram para aquela direção.
— Então você não se lembra de nada do seu passado, certo? — Confirmei e ele retomou o caminho.
— Acredito que tenha um posto de gasolina bem adiante. — Comentei enquanto me sentia desconfortável com aquele silêncio.
— Vamos parar lá. — Mais uns metros e já conseguimos ver o posto. — Tem certeza de que quer que eu deixe você aqui?
— Sim, eu preciso chegar lá. — Era necessário, não conseguia mais ficar nessa situação de não saber nada sobre mim mesma, nenhum registro, nada além do nome.
— Não posso te deixar assim!
— Eu sei me cuidar. — Disse saindo do carro. Escutei ele desligando o motor e saindo também, andei sentindo a sua presença até que e vi sozinha em frente de uma mercearia ou mini mercado do lugar, precisava de água para prosseguir, então entrei no lugar me deparando com muito lixo caído no chão.
Embalagens de diversos alimentos espalhados por todo lugar, cheiro de mofo e de algo a mais que não conseguia identificar, aparentemente o local estava vazio, segui até um refrigerador e abri encontrando a última garrafa de água potável. Depois de encontrar a água e pegar alguns alimentos que ainda estavam em bom estado, retornei para o pátio e encontrei o carro estacionado ao lado da bomba de gasolina.
Mas havia algo de errado. Onde estava ele?
Um barulho me chamou atenção, ele me levava até os fundos do mercado, se aproximando mais daquele lugar estreito, encontrei uma pessoa de pé, seu corpo pendeu para o lado, escutei ossos se quebrando e o rosto desfigurado de um garoto apareceu em minha frente, sua boca minava sangue e estava com um pedaço de carne pendurado preso em seus dentes.
— Não! — O homem que me ajudou estava caído com a mão em sua jugular, o sangue escorria por entre os seus dedos.
— Fuja!
O infectado avançou em cima de mim me dando tempo apenas de me defender colocando o braço mecânico na frente, os dentes dele bateram com força no metal me dando tempo de lhe dar um chute no estômago lhe afastando. Procurei por algo ao meu redor que poderia me ajudar encontrando apenas um cabo de vassoura quebrado, a ponta serviria e então, antes que estivesse de pé, cravei a ponta em seu olho perfurado até chegar em seu cérebro.
Levantei do corpo do garoto e fui em direção do homem que já estava agonizando, pressionei o ferimento tentando lhe ajudar, mas infelizmente não pude fazer nada. Um sentimento de tristeza tomou conta de mim, retirei a mão do local e o homem deu um leve sorriso e sussurrou algo antes de dar seu último suspiro.
— Jane…
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