Descobri um novo talento: sou uma ótima mentirosa. Sério, estou ficando muito boa nisso. Mas não pense que me orgulho disso. Muito pelo contrário, sinto vergonha. Ontem à noite, Matt me perguntou qual horário eu embarcaria para ele poder se despedir e eu contei. Porém, não sem antes pensar em um plano que já foi executado com sucesso. Tarde da noite, quase de madrugada, lhe mandei uma mensagem dizendo que mudaram o horário do meu vôo  e eu teria que embarcar às quatro da manhã. No entanto, ele já estava dormindo. E é claro, eu sabia disso. Não é que eu não queria ter me despedido dele, mas eu simplesmente não podia, porque não estou indo viajar sozinha como lhe contei. Se Matt visse Nicholas aqui, seria suspeito. Ele faria perguntas difíceis demais e acabaria descobrindo tudo.

No entanto, decidi colocar um basta nas mentiras. Assim que voltar de viagem, contarei tudo para meu namorado. Matt merece saber a verdade. Espero que ele consiga entender, assim como Caitlin. Mas se não... então terei que superar e seguir em frente, mesmo que doa.

Sinto o avião andar e minhas mãos começam a suar. Meu coração bate descompassado dentro do peito e eu engulo em seco. Eu amo viajar, mas odeio fazer isso de avião. Não que eu tenha algo específico contra aviões, eu só não consigo confiar em uma coisa suspensa no céu, há milhares de metros do chão. E sim, eu sei que avião é o transporte mais seguro do mundo, mas não consigo acreditar. Se ele cair, as chances de sobrevivências são menores do que uma bactéria. E não importa se apenas um de mil aviões caem. E se o meu for o premiado?

Quando ele começa a subir, agarro a poltrona, fecho os olhos com força e tento me convencer de que estou no chão, na terra. Porém, o avião continua a subir, e mesmo quando se estabiliza, ainda estou nervosa. Então, de repente, minha mão esquerda começa a aquecer. Demoro um tempo para perceber que é porque Nicholas a está segurando.

— Está tudo bem. - Ele aperta minha mão. — Você está bem.

— Eu... eu não consigo respirar. - Digo com dificuldade, abrindo os olhos.

— Concentre-se nisso. - Nicholas vira a palma da minha mão para cima e começa a fazer carícias, lentamente. Meu corpo inteiro reage com seu toque. É como se eu estivesse sendo eletrocutada, mas de um jeito bom. Minha pulsação acelera, porém, sei que não tem nada a ver com a altura, mas sim com o que ele está fazendo.

— E-eu acho que estou melhor. - Gaguejo um pouco ao falar, porque o que ele está fazendo é estranho, angustiante e bom na mesma medida. E eu quero que ele pare tanto quanto continue.

— Quase lá, mas ainda não. - Com a mão livre, Nicholas pega seu iPad e os fones sem fio e me entrega. — Coloque uma música, vai ajudar.

Não questiono, apenas faço o que ele me diz. Encaixo os fones no ouvido, entro no Spotify e como não sei o que quero escutar, coloco no aleatório. Uncover, da Zara Larsson, começa a tocar. Fecho os olhos e tento me concentrar apenas na música e na carícia de Nicholas.

"Ninguém vê, ninguém sabe
Nós somos um segredo, não podemos ser expostos
É como isso é, é como isso será
Longe dos outros, perto um do outro

Franzo a testa, com a coincidência.

Na luz do dia, na luz do dia
Quando o sol está brilhando
Tarde da noite, tarde noite
Quando a lua está cegando
Na vista de todos, a vista de todos
Como estrelas na clandestinidade
Você e eu, queimando

Junte dois mais dois, pra sempre nunca irá mudar
Junte dois mais dois, nunca irá mudar
Ninguém vê, ninguém sabe
Nós somos um segredo, não podemos ser expostos
É como isso é, é como isso será
Longe dos outros, perto um do outro
É quando nós nos revelamos, revelamos, revelamos
É quando nós nos revelamos, revelamos, revelamos

Meu refúgio, meu refúgio é em seus braços
Quando o mundo traz fardos pesados
Eu posso suportar umas mil vezes
No seu ombro, no seu ombro
Eu posso alcançar o céu infinito
Sentir como no paraíso

Junte dois mais dois, pra sempre nunca irá mudar
Junte dois mais dois, nunca irá mudar
Ninguém vê, ninguém sabe
Nós somos um segredo, não podemos ser expostos
É como isso é, é como isso será
Longe dos outros, perto um do outro
É quando nós nos revelamos, revelamos, revelamos
É quando nós nos revelamos, revelamos, revelamos

Nós poderíamos construir um universo aqui
O mundo todo poderia desaparecer
Eu não notaria, eu não me importaria
Nós podemos construir um universo aqui
O mundo poderia desaparecer
Eu só preciso de você por perto [...]"

Tiro os fones antes mesmo da música terminar e puxo minha mão do toque de Nicholas, sentindo meu coração mais acelerado do que nunca.

— O que foi? - Nicholas pergunta, franzendo a testa.

— Nada, eu só... - Não consigo pensar no que dizer. A aeromoça passa por nós e aproveito a oportunidade. — Ei, aeromoça!

— Sim? - Ela vira para me olhar.

— Eu estou passando mal. Tenho medo de altura, principalmente quando estou em um avião. Você por acaso tem algum remédio que possa me ajudar?

— Bom, tome isso aqui. - Ela tira uma cartela de quatro comprimidos do bolso e me entrega. — Vai fazer você dormir.

Pego a cartela e agradeço. Coloco um comprimido na boca e engulo. Estou tão nervosa que pouco me importa em ter água ou não. Não olho para Nicholas. Pelo contrário, viro o rosto para o lado oposto, esperando que ele entenda que não quero conversar. Para minha sorte, dá certo. Em poucos minutos, a tranquilidade me atinge. Minhas pálpebras ficam pesadas e logo adormeço.