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• 𝒞𝒶𝓅𝒾́𝓉𝓊𝓁ℴ 𝒰́𝓃𝒾𝒸ℴ •

A nuca de Chloe suava nas raízes do cabelo, o andar desnorteado encobrindo os ombros trêmulos. Embora tentasse disfarçar o pescoço que insistentemente virava-se para trás, os passos em zigue-zague a alcaguetavam, e quando constatado que sim, ainda era seguida, voltava-se ligeiramente aos becos escuros e passadiços de pedras com rabiscos de spray coloridos e grosseiros, o coração sacolejando dentro do peito. Parou aos tropeços com os joelhos oscilando diante da encruzilhada, o lago do parque Sterne do distrito recreativo de Littleton refletindo o céu da alta noite. A garganta trancou simplesmente, e ela arfou engolindo a tosse; os olhos umedecendo, o desespero a alcançando de mansinho.

— Você, por acaso, não sofreu algum surto psicótico no caminho até aqui, não é? Eu odiaria estourar seus miolos e sentir remorso por isso.

Chloe afundou os dentes no lábio inferior e apertou os olhos, mas o prazo para determinar se havia sido feita refém de um pesadelo acabara há pouco mais de uma semana, e essa era a maldita realidade.

— E-eu estou bem —, respondeu aos sussurros, segurando o choro. — Lúcida.

— É mesmo? E por que parece que não chegamos à lugar algum? — Bravejou Emma, impaciente, a mão esquerda lançando-se para a arma que repousava no bolso do sobretudo.

Os olhos espantados de Chloe a fitaram demoradamente, e então, ambos os caminhos o qual aquele beco estúpido as atirou. Ela até pensou em dar meia-volta, mas não possuía uma só desculpa — nem boa, nem má — para justificar as voltas infindáveis por onde havia guiado Emma desde que o sol se pusera horas atrás. Após tantos passos desenfreados e infames, mal percebeu que a estava levando pelo caminho correto.

— No-nós estamos chegando — gaguejou. — Só temos que... hum... se-seguir mais um pouco nesta direção e...

— Não está tentando me passar a perna, está, senhorita Collins?

— O quê? — a pergunta escapuliu aos sussurros, esvaziando-a os pulmões. Quase engasgara sem ar, até conseguir recuperar o fôlego e respondeu com uma voz asmática e relutante: — na-não!

Os ouvidos zumbiram ao captar o engatilhar da pistola e o corpo bambeou, despencando sobre os joelhos. As lágrimas lhe roubando a visão, a garganta produzindo ruídos estridentes e apavorados.

— Cala a boca! —, Chloe tossiu para desengasgar, o que acabou lhe desencadeando o choro. — Cala a porra da boca! — gritou Emma, os dedos constritos na empunhadura da arma, a mira no tronco de Chloe.

Chloe tossiu e apertou as mãos no nariz e na boca. O corpo completamente arrepiado e trêmulo embaixo do casacão de moletom e o jeans surrado.

— De pé, agora!

Chloe engoliu em seco, fechou a boca com toda a força que possuía na mandíbula e espalmou as mãos no chão para se levantar. Ergueu os braços na altura da cabeça e virou-se para Emma, os olhos turvos a observando através das lágrimas conglomeradas.

— Eu estou cansada, senhorita Collins. Chega de passear por aí. Você vai me levar até a baiuca para que eu possa prender o seu namorado e seus amiguinhos... ou você pode levar um tiro no lugar deles. A escolha é sua.

Levar um tiro agora ou levar um tiro depois? Se não fosse morta pela execrável, repulsiva e detestável detetive, sem sombra de dúvidas que seria por Peter, um de seus homens, ou pior, pelo Chefe. É só uma pequena bala, Chloe tentou pensar, mas não era corajosa o suficiente para pagar para ver. Não que estivesse preocupada com o maldito namorado, afinal, se não fosse por Peter, nunca que se tornaria tão dependente da impiedosa, atroz e sicária heroína. Sem dizer que ainda teria uma casa realmente sua para voltar após um dia cansativo no trabalho — na época que ainda trabalhava —, e o colo de sua mãe para se deitar — se não a tivesse matado na raiva e desespero para vasculhar a casa e conseguir dinheiro.

— Estou esperando que dê as cartas, senhorita Collins, ou será o silêncio a sua resposta final?

— Não! — sobressaltou-se. Chloe mordeu o lábio inferior, a mandíbula tensa, então deixou o lábio escapar-lhe entre os dentes com um suspiro, um filete de sangue escorrendo pelo queixo. — Está... está bem! Olha, eu vou levá-la até eles, ma-ma-ma-mas a senhora precisa me deixar ir quando chegarmos lá.

Emma gargalhou de incredulidade.

— De forma alguma! — contestou ela. — Você vem comigo até que eu encontre o tal eleito Chefe dos chefes, e só assim eu vou poder te ajudar a recorrer no seu julgamento, caso seja condenada à pena capital. Foi o nosso acordo, não foi?

— Eles vão me matar se...

— Você está morta, senhorita Collins. Sou eu quem estou fazendo de tudo para retirá-la da cova que se enfiou.

Chloe franziu os lábios e trancou a boca, as mãos cerradas em punho e as sobrancelhas enrugando a testa. O corpo tremulando na mira da arma; o rosto deturpado em raiva; os olhos aguando o rosto. Estava à beira de um colapso. Maldita seja, detetive Scarlett.

— E então?

Chloe fungou, enxugou os olhos na manga da blusa e virou-se sobre os ombros, a rua muito longa e deserta, casinhas pequenas e velhas de cores quentes se distanciando uma da outra por gramados desbotados e ralos.

— Na-não estamos longe. Vamos seguir a rua e tomar à direita para a a-a-Avenida Lilley. Se é que ainda está no Colorado, é ali qui-que vai encontrá-lo.

Chloe jurou ver os grandes olhos amêndoas que Emma possuía chamuscarem. Ela travou a pequena arma prateada e escorregou-a com a mão para o bolso do sobretudo e Chloe virou-se sobre os calcanhares, seguindo o caminho com Emma em sua acossa.

Um batidão eletrônico veio de encontro a Emma e Chloe ainda na metade da rua, e quando viraram a esquina, Emma deparou-se com um amontoado de apertadas casinhas de tijolinhos vermelhos de três pavimentos que se arrastava por todo um lado da avenida. Do outro lado, mais casinhas simples com cercados baixos de madeira que guardavam imensos quintais.

— Chegamos — anunciou Chloe com olhos ainda vermelhos de choro. Teve de praticamente gritar por cima da música alta.

A Avenida, no entanto, estava curiosamente vazia e não havia um único segurança para guardar os portões, nem mesmo um simples porteiro.

— Diga-me o número da casa — mandou Emma, desconfiada, apanhando o celular.

— Mi-mil novecentos e vinte e nove.

— Tem certeza?

— Ah, não perca seu tempo, de-de-detetive. Não vai achar essa localização nu-nu..., no Google Maps, se é o que está pensando, nem em qualquer outro a-a-aplicativo de GPS ou mesmo nos registros da pe-pe-prefeitura. Anote um ponto de referência se quiser, a casa ao lado, a casa da frente... ma-mas não vai achar listada essa casa ou co-co-qualquer outra que Ele possa frequentar.

Emma cerrou os olhos e encarou Chloe através das sobrancelhas. Os polegares ligeiros ainda martelaram a tela — fazendo alguma anotação, Chloe pressupôs —, e foi com muita relutância que ela guardou o celular novamente, checou a arma no outro bolso, soltou os cabelos violentamente vermelhos e abriu o sobretudo; e Chloe encolheu-se para dentro do capuz do blusão, as costas curvadas, os braços agarrados ao redor do tronco.

— Se quer um co-co-conselho —, disse Chloe displicentemente, — procure sorrir. Vão estar mais dispostos a si-si..., se aproximarem de você.

— Certo —, respondeu arrastado. — Mais alguma coisa?

Chloe aprumou-se meramente, o olhar rigoroso encarou os olhos amêndoas, o bolso do sobretudo em seguida.

— Ni-ni-ninguém entra armado no te-te-território do Chefe. Se você for pega, você morre.

Emma engoliu em seco, mas procurou afastar qualquer pensamento negativo tão depressa quanto tenha surgido. Foram cinco anos nebulosos compostos por dez semestres infernais na faculdade de direito, e mais um ano e meio naquele posto policial medíocre aguentando as piadas sexistas de Bob Bain. Teria se tornado uma boa advogada, acaso não tivesse perdido a fé na justiça ao assistir sua mãe ser estripada por um adolescente louco de metanfetamina que a confundiu com a tia que vivia o praguejando. A lembrança ainda fresca do momento em que se deu conta de que não estava em um pesadelo qualquer, e que aquela mãe não mais poderia ver a única filha que criou sozinha se formar na semana seguinte. Foi como se ficasse escuro por um momento, então o esquadrão da polícia chegou com suas luzes extravagantes, e Emma estava tão suja de sangue quanto o garoto que ela tentava sufocar apertando as mãos naquele pescoço deplorável e fino.

Onze anos tinha o maldito menino que descobriu chamar-se Jason, e o advogado que a vagabunda de sua tia contratou fez de tudo para que os procedimentos do julgamento fossem agilizados o quanto antes. Com menos de doze anos era impossível indiciar o menino por qualquer coisa, e o filho da puta estava de volta às ruas tão cedo quanto as deixou. Com algumas restrições, claro, mas nada que se possa olhar e sentir a inestimável sensação de dever cumprido, exceto para o desgraçado de seu advogado talvez.

Perdera as contas de quantas vezes repetira aqueles testes de tiros, vezes o suficiente para atingir tamanha precisão que tem; uma prova escrita definitivamente perfeita e, ainda assim, o machista do chefe Buffalo relutou até o último segundo, como fizera um ano inteiro, até aceitá-la em sua equipe de Agentes do Departamento Federal de Investigação. "Não estamos aqui para pintar as unhas e passar batom. Vai preferir ter ficado no almoxarifado", zombou ele no dia de sua integração à equipe, e Emma jurou que o faria engolir sílaba a sílaba. Era essencial para isso, no entanto, que ambas cumprissem com o acordo, e que conseguisse livrar Chloe da pena de morte com ele, caso assim fosse condenada. Precisava limpar o estado do Colorado das drogas, o país inteiro um dia talvez, e com tudo em seus eixos, não podia se dar ao luxo de cometer algum erro que venha a fazer o plano falhar. Emma não pode ser pega.

— Vamos encontrar a in-in-entrada logo ali, nos fundos. — Gaguejou Chloe e guiou Emma até lá com passos instáveis.

Há uma garota debruçada atrás de uma moita colorida de Couve Ornamental, enquanto sua amiga lhe segura pelos cabelos para não acabarem grudentos de vômito; e um casal de garotos muito novos corre e gargalha pelo gramado ralo, os olhos remelentos, o rosto salpicado de pó, as narinas gotejando um visco pouco esbranquiçado, meio transparente.

— Ma-Miles! — Chloe caminhou até um pequeno portão de grades, um rapaz não muito alto debruçado ali, um rolo de seda de maconha lhe sumindo entre os dedos e os lábios.

— Cloh — disse arrastado e soprou a fumaça —, não sabia que ia brotar por aqui hoje. Não está com Peter?

— É, eu... — Chloe encolhia os ombros, os olhos escapulindo pelo chão. — E-eu... tru-trouxe um-uma... uma amiga.

Miles descansou a cigarrilha nos lábios finos e tragou, Chloe virou-se sobre os ombros, mas tudo o que encontrou foi uma Emma incoerente, fitando as crianças que agora corriam ao seu redor, tão imersa que provavelmente nem havia se dado conta de Miles até o momento.

— Onde você encontrou essa amiga? — indagou com certo cortejo, as narinas fumegando, a cigarrilha na ponta dos dedos com um convite sutil.

— Pu-por aí — respondeu e arrancou o pequeno rolo das mãos dele, o corpo enrijecendo de ansiedade, os lábios oscilando até finalmente serem alcançados.

Era como se livrar de um pesado peso morto. O corpo relaxou e mesmo a tremedeira parecera desaparecer parcialmente. Chloe reteve aquela fumaça milagrosa o máximo que pôde, até os pulmões não mais aguentarem e expulsarem para fora através dos lábios arroxeados e ressecados. Fora necessário um pouco mais de esforço do que o esperado para que Miles conseguisse desviar os olhos da tal amiga para encarar Chloe, isso, porque a loira tão bonita que costumava ser, ficara perdida em algum lugar pelo caminho, debaixo das roupas largas e maltrapilhas que estava usando talvez, e por trás das olheiras fortes que embalavam seus olhos claros, com certeza.

— Você está horrível. — O tom era divertido, Miles, porém, não estava brincando. — Fiquei sabendo que o Chefe está oferecendo uma grana pela sua cabeça, mas... você já sabe disso, não sabe? É realmente uma pena você aparecer justo quando estou de sentinela.

Chloe limitou-se a tragar. Não estava exatamente surpresa com um comentário feito esse, ouvira-os aos montes na delegacia, mas agora era diferente. Diferente, até mesmo, de encontrar-se na mira da pistola da detetive. As leis e o bom senso impediam o dedo de casualmente puxar o gatilho, atributos, esses, que certamente não encontraria por aqui.

— Diz aí, que tal essa amiga? Vai tentar negociá-la em troca do seu pescoço?

 — Ela? — Chloe achincalhou. — Quanto acha que ela pode valer?

— Depende do comprador.

— Ela paga o meu pescoço?

— Paga o pescoço da Chloe que estou olhando nesse momento. Você não vale vinte e cinco mil, nem coberta de ouro.

— Espero que todo mundo pense assim.

— Não seja ridícula, ninguém passou por mim armado. Mas... ainda assim, tem certeza de que quer entrar aí?

— E você acha qui-que..., que estou aqui porque eu quero? — resmungou com tenacidade. — E-eu só...

Chloe balançou a cabeça e tragou outra vez. Não queria explicar — não podia aliás —, sequer sabia como o fazer, só queria sentir-se melhor. Melhor do que estava agora, que inclusive era melhor do que estava à um trago atrás, que era melhor do que estava ao trago antes desse.

Emma pareceu retomar a lucidez nesse momento. As sobrancelhas grossas e castanhas afundadas na testa encarando Chloe, e a loira soprando fumaças ao ar por diversão. Ajeitou a gola da camiseta social por baixo do sobretudo com ar de soberania e aproximou-se à passos pesados, Miles a admirando com seus olhos caídos, verdes, flamejantes e remelosos.

— Não sabia que deixavam pivetes entrarem aqui — disse Emma com desdém. Nenhum dos dois sobressaltaram-se tampouco.

— Não gosta de crianças? — indagou Miles sem muito interesse, os olhos a medindo dos pés à cabeça.

— Não, não gosto delas. — E realmente não gostava, assim como também não gostava de jovens ou adolescentes, homens ou mulheres, animais ou a si mesma sequer.

— Ah, não seja por isso. — Miles acenou a cabeça para as crianças e girou o pescoço indicando a saída. — Hora de dormir, pirralhos.

A garotinha o encarou de esguelha, o garoto retirou do bolso do jeans uma pequena seda tetragonal, passou-a na ponta da língua e começou a enrolar um cigarro de maconha, encarando aos três no portão. Chloe sorriu e tragou outra vez.

— Cai fora, Marco! —, mandou Miles de lábios curvados, um olhar cúmplice. — Está tarde. Leve a sua namorada para casa.

O garoto colocou o rolo entre os lábios e o acendeu com um isqueiro que buscou no interior da jaqueta. Entrelaçou sua mão à da garota e foram juntos pelo estreito corredor entre os prédios por onde Emma e Chloe vieram, um rastro de fumaça deixado pelo caminho. O estômago de Emma embrulhou, não de repulsa, mas sim de raiva, ódio talvez. Aquelas crianças deveriam ter a idade daquele garoto Jason, e a mente tão perturbada quanto a dele também.

— Viu? Agora não tem mais crianças — disse Miles com diversão e arrancou a bituca dos lábios oscilantes de Chloe, dando um último trago e o oferecendo para Emma afinal.

Emma encarou os dedos ásperos diante de seus olhos e Chloe em seguida. A loira debruçou-se nos ombros de Miles e arqueou as sobrancelhas, incentivando-a — com certa austereza —. Emma franziu o cenho de incredulidade.

— Qual é o problema? — perguntou Miles movendo a bituca diante de seu nariz, a arômata forte e enjoativa lhe impregnando e irritando a garganta. — Pegue!

O coração de Emma ameaçou falhar, os braços suando e colando às mangas do sobretudo, e ela aceitou. Engoliu em seco diversas vezes, antes de conseguir coragem o suficiente para levar aquela porcaria até os lábios, um engasgo terrível preso na garganta e os pulmões aspirando aquela fumaça horrível que se perdeu no caminho e foi parar no estômago, o restante parado ainda na boca. Segurou a respiração, o engasgo e o enjoo o quanto pôde — Chloe segurando o riso —, e devolveu a Miles um mísero pedaço de papel queimado que já lhe estava machucando os dedos. Miles jogou-o no chão e apagou na sola do sapato; Emma cuspiu e tossiu aquela fumaça para longe, a falta de ar quase lhe levando à óbito.

— Você não é muito de fumar, não é? — brincou Miles, um sorriso meramente bonito desenhado no rosto.

Emma negou com a cabeça e arrependeu-se em seguida: Miles e Chloe começaram a girar. Seus olhos ardidos e lacrimejantes, então, fitaram o chão.

— Minha a-amiga gostaria de algo mais... discreto, Miles, si-si-se é que nos entende.

— Sei... — disse arrastado. — E qual é o nome da sua amiga?

Emma entreabriu os lábios, um nome falso já na ponta da língua.

— Emma, não é isso? — interviu Chloe. As bochechas de Emma enrubesceram de raiva instantaneamente.

— Que nome bonito. Eu sou Miles e, só porque gostei de você, vou lhe deixar entrar desta vez.

Miles empurrou o portão que o amassava contra a parede e Chloe fez a volta nele para poder entrar, a mão abanando em direção a Emma — que continuava sem reação. Ela encarou Miles com certa aspereza, sendo retribuída pelo rapaz com um ar de abertura e atenção. Respirou fundo e adentrou o corredor perigosamente escuro, um medo surreal de que os olhos verdes e intensos percebam a arma que estaria no bolso entre ele e ela.

— Divirtam-se, mocinhas — disse sobre os ombros e puxou o portão de volta.

Chloe levou Emma até uma portinha lateral que Emma pensou que daria para a garagem ou dentro da casa mil novecentos e vinte e três, mas ao invés de uma escadaria que subisse, elas depararam-se com uma escadaria que descia e desenrolava em uma espécie de porão com luzes muito fortes em azul escuro e pequenos neons fosforescentes espalhados no tom de verde, rosa, amarelo, vermelho e azul piscina. Era um espaço tão grande e tão cheio de gente, que Emma só podia imaginar que tomava pelo menos a metade do subsolo daquele conjunto de casas. O quase inacessível e sórdido Palácio Alucinógeno, enfim.

Se a música parecia alta do lado de fora, lá dentro era ensurdecedora. Garçons passeavam de um lado ao outro com bandejas de bebidas e mesmo pequenos pacotinhos de drogas, e vários seguranças altos e cheios de massa adornavam as paredes junto as colunas de gesso que sustentavam as vigas por dentro do forro do teto. Há um bar bastante movimentado ali perto deste lado das escadarias, e uma senhora muito gorda de cara grande e amassada debruçada ao balcão de cofres desse outro lado. Diversas namoradeiras escondem-se em becos similares a entradas de banheiros, mas os reais banheiros estão bem sinalizados, ainda que escondidos lá atrás das escadas vazadas de metal na outra extremidade do local que mais parece uma casa noturna. Grandes estofados estão bem posicionados ao redor de mesinhas com carreiras formadas de cocaína, onde jovens partilham drogas entre si, e uma pista de dança certamente cheia reluz sob o globo espelhado que está girando no centro do teto. Lá em cima, na ponta das escadas vazadas de metal, a cabine do Dj e uma ária VIP, um rapaz e três seguranças encarando Chloe e Emma de lá de dentro. Chloe sabe perfeitamente quem este é, e Emma é inteligente o suficiente para tirar suas próprias conclusões.

— E-eu... você precisa me de-de-deixar ir embora. Ele sabe que eu..., sabe que eu fui pega, sa-sabe que eu deveria estar presa. Vai achar qui-que eu fiz um aco-co-cordo para sair. — Gritou alto o suficiente, o coração saltando contra o peito, a música cuidou para que somente Emma a ouvisse.

— Você não vai à lugar algum, já disse! Se Ele virá até você, quer dizer que virá até mim, e eu vou pegá-Lo.

— Pegá-Lo! — exasperou. — Pegá-Lo? Vo-você está me caçoando? Já viu quantos si-si-seguranças têm aqui? Percebeu que temos apenas um-uma saída atrás de nós e, independente disso, notou qui-que estamos na área d'Ele e que co-co-qualquer um aqui faria qualquer coisa para O proteger?

— Cala a boca! —, retrucou Emma. — Ninguém aqui vai encostar em mim, e eu não vou deixar que façam nada com você. Você só vai morrer depois de apodrecer atrás de uma cela, não antes disso.

Os pulmões de Chloe encheram-se e ela trancou a boca, prendendo o ar lá dentro; os lábios oscilando, os ombros tremulando, os punhos cerrados e o cenho franzido até o dorso do nariz. Bufou feito um touro raivoso para os cabelos vermelhos de Emma — roxos por causa da iluminação — e fitou a cabine, tal como ela; Ele ainda as encarando lá de cima. Chloe engoliu em seco e vacilou alguns passos para trás, mas as costas chocaram-se repentinamente contra o garçom que ia passando. Este era Riley, que costumava trabalhar com Peter durante os finais de semana, e notando a suposta distração de Emma, tratou de pegá-lo pelo ombro e forçou as panturrilhas para conseguir colocar os lábios no ouvido dele; Riley encarou Chloe um tanto desorientado e Emma de soslaio.

Riley afastou-se de Chloe e procurou ajeitar a gravata formalmente e o colete, os olhos muito sérios às costas de Emma. Parou um colega que vinha em direção ao bar, o entregou as bebidas que levava na bandeja prateada e o guiou com o indicador até uma mesa onde um rapaz e três garotas partilhavam uma seringa, Chloe o viu sair sem fazer qualquer pergunta. Riley elevou os olhos até a área VIP por um segundo, pigarreou e voltou a encarar Emma, os lábios entreabertos enquanto pensava.

Cetamina? — indagou ele.

Flunitrazepam! — debateu Chloe muito irritada.

— Vou ver o que posso fazer por você, Cloh. Com licença —, disse e fez o caminho oposto, até o bar.

Chloe encarou a área VIP através das sobrancelhas, como uma afronta, e esticou a mão para alcançar o braço de Emma. Ela se virou sobre os calcanhares, aparentemente tão colérica quanto, e Chloe encolheu os ombros, o rosto baixo e os olhos muito vagos, perdidos pelo chão.

— Eu disse que você precisa parecer simpática, precisa sorrir. Não é desse jeito que funciona. Se Ele suspeitar de qualquer coisa, não vai se dar ao trabalho de vir até aqui; vai mandar nos matar simplesmente, e eu vou querer só ver como é que você vai enfrentar esse monte de seguranças sozinha e com dezessete balas. — Emma virou o rosto desconfortavelmente, as bochechas ardendo até as orelhas. — Precisa sorrir, precisa relaxar. Nós somos amigas, é o que pensam, e você não tem nada a ver com o que me aconteceu. Ele virá falar comigo, e você vai precisar achar um jeito de nos tirar daqui, já que quer tanto O prender. Aqui dentro, sua chance é zero.

Emma aquiesceu tão pensativa e imóvel — preocupada, é lógico —, que nem ao menos percebeu que Chloe não gaguejara uma única palavra sequer. Ela havia sido inconstante desde o primeiro momento que pisou na delegacia, e ficara pior com o passar dos dias sendo mantida sóbria e sob custódia. Jake e Gale não entendiam nada que saía de sua boca, e o chefe Buffalo só sabia repetir que era tudo uma grande bobagem, uma perca de tempo, e que todos eles tinham assuntos mais importantes para resolver do que sair à procura de uma pequena máfia de drogas insignificante. "Se entrou na equipe pensando em tratar assuntos pendentes, senhorita Scarlett, já pode sair", disse ele, e Jake e Gale se comprometendo a trabalhar quatro horas a mais por dia para encontrar o assassino da viúva do Novo México, foi o que a permitiu continuar com seu combate pessoal ao tráfico de drogas, sem equipe alguma para dar apoio no entanto.

— Certo —, disse Emma finalmente, o tom flexível, um olhar meramente acessível.

— Venha, sentemo-nos aqui por enquanto. Ele me viu assim que chegamos, creio que deva estar se preparando para descer.

Chloe puxou Emma até o bar com certo rigor, o Barman polindo uma taça displicentemente enquanto trocava algumas palavras com um grupo de meninas risonhas. Os olhos viés de Emma assistindo a cena, enquanto Chloe ajeitava-se no banco ao lado onde Riley as aguardava debruçado no balcão. Chloe virou o pescoço para chamar a atenção de Emma e acabou perdendo o foco no bolso do sobretudo parcialmente aberto, o cano da pistola prateada refletindo uma luz muito azul e azucrinante, mais ou menos tentadora.

— Posso servi-la alguma coisa? — Riley atirou-se à vanguarda diante à inação de Emma. Ela até esforçou-se em sorrir, é fato, embora não parecesse tão natural quanto as meninas que observara.

— Uma água, por favor.

— Vodka para mim —, disse Chloe evitando a expressão de censura de Emma, e virou-se sobre os ombros à procura d'Ele.

— Gelo e limão?

— E tudo o mais que eu tenho o direito — boquejou.

Emma virou-se parcialmente no banco e Chloe bateu de frente com esta, a testa suando de nervoso, um nó daqueles bem grande e apertado entalado na garganta. Emma balançou a cabeça, aparentemente irritada, e Chloe arquejou, ciente da bronca que viria a seguir. Revirou os olhos e apoiou o cotovelo no balcão — não podia estar menos intimidada —, porém, ao perceber Riley sabotando as bebidas, forçou um falso interesse e tratou de concentrar-se para reter completamente sua atenção.

— Vodka! — acerbou Emma aos altos resmungos. — Vodka?

— É só um solace...

— Um solace? — exacerbou. — Que está pensando? Que está aqui para curtir, festejar?

— Estou pensando que esse pode ser o último dia da minha vida, e além de estar presa com você, o que já é ruim o suficiente diga-se de passagem, eu tenho de passar por tudo isso estando sóbria.

Emma franziu os lábios para não responder, os olhos sobejando um fogo tão intenso que jurou que poderia queimar Chloe ainda viva.

— Suas bebidas.

Dois copos de líquidos transparentes, com gelo e limão, derraparam sobre a madeira crépida da superfície do balcão e tanto Chloe quanto Emma deixaram o certame de lado para segurarem cada uma o seu copo. Chloe não se atreveu a beber. Ao invés disso, parou o copo a meio centímetro da boca — Riley a acenando compulsivamente para que não o fizesse —, para assistir Emma que tornara o líquido garganta abaixo ainda irritada. Mal a bebida alcançou o estômago, metade retornou garganta acima de volta ao copo que estatelou o balcão depois disso; os olhos estaladiços e um acerbo engasgado. Chloe conteve um espasmo de asco.

— Mas, isso é vo-Vodka — protestou Emma entre uma tosse e outra, a garganta irritadiça.

— Eu peço perdão, senhorita, devo ter confundido os copos.

Emma cerrou os olhos lacrimejantes e premeu a mão na boca para abafar a tosse seca. Agitou-se tanto no banco que acabou escorregando para o chão, as pernas bambeando, uma gaifona estampada na cara. Chloe percebeu o que pensou ser Riley dançando neste instante apenas. Fitou a própria bebida e Riley novamente, e ele a apontou Emma com a cabeça, enquanto pegava o copo desta para que pudesse lavar. Chloe franziu o cenho, e levou cerca de um minuto inteiro para que entendesse a mensagem e levantasse-se num sobressalto para ir até ela.

— Ei, calma, está tudo bem! Tome aqui, beba isso. Vai se sentir melhor.

Emma não pensou duas vezes antes de aceitar, jurando ser o seu copo com água, o que de fato era mesmo. Servira para livrar a língua do rastro amargo deixado pelo álcool ao menos, e sentou-se novamente com a ajuda de Chloe, a cabeça a girar feito um pião. Muito possivelmente que era efeito do susto, um pouco também, quem sabe, do álcool, se é que pode ele agir tão bruscamente quando em um organismo mal acostumado com sua presença.

Chloe apoiou Emma pelas costas, um olhar sorrateiro no encalço de Riley enquanto ele enxugava as mãos em um pano de prato, pegava sua bandeja e deixava o balcão. O pescoço girou, ainda na esperança de uma oportunidade para o agradecer, e perdeu-o de vista ao ver surgir Ele, o Chefe dos Chefes, dois de seus homens para abrir caminho entre a multidão. A boca de Chloe secou instantaneamente e o corpo parou de responder aos comandos do cérebro, como se estivesse com algum fusível desconectado ou coisa parecida. O coração não sabia se devia acelerar ou desacelerar, e o choque pareceu tão grande, que ele simplesmente decidira parar de vez. Um espasmo fez o corpo tremer de dentro para fora, então o cérebro reconectou de repente e o coração bateu outra vez; Chloe deteve — com muitíssimo esforço — o grito esgoelante que lhe subira a garganta com a voz de sua alma e de todos os seus monstros juntos.

O que fazer, o que fazer, pensou desesperadamente e virou-se para Emma ainda abatida sobre o balcão. Deus sabe quantos minutos ela aguentaria em pé e, pior, o quanto de força ainda possuía, conquanto duvidasse que mesmo toda a sua força pudesse se igualar a força d'Ele. É por isso que Chloe atirou-se para cima dela, contendo-a entre o antebraço e o balcão, e esticou a outra mão até o bolso do sobretudo; Emma debatendo-se assim que consciente do que lhe estava acontecendo.

Os dedos de unhas roídas de Chloe acariciaram o cano gélido da arma e foi preciso um pouco mais de esforço para alcançá-la finalmente. Emma conseguiu neste instante espalmar a mão no peito de Chloe e empurrá-la para longe, virou-se no banquinho e pulou para fora, colocando-se em pé — as pernas bambeando —; a arma driblando nos dedos de Chloe até que ela conseguisse conter seu próprio nervosismo e apontá-la para Emma. A detetive ergueu os braços, lentamente, até a altura da cabeça. De relance, seus olhos um tanto turvos capturaram, há poucos passos das duas, um par de seguranças colocando-se à frente de alguém.

Foram muito poucas as pessoas com consciência o suficiente para notar o que se passava nos limites do bar. A pista de dança, apesar disso, continuava agitada; garçons iam e vinham, desinibidos, passando entre Chloe e Emma; e mesmo as meninas conversando com o Barman apenas as ignoraram e pediram outra rodada de bebidas. Com certeza devem estar todos muito dopados, foi o que Emma pensou, antes de voltar a atenção para Chloe.

— Na-não se mexa! — mandou ela, a pistola balançando por causa dos braços trêmulos.

O cenho de Emma franziu-se de um jeito que Chloe jamais vira ou imaginara ver. Ela avançou em sua direção tão ligeiramente, que Chloe só teve tempo de pensar em destravar a arma, pensar apenas. Emma agarrou ambos os seus pulsos com uma das mãos e arrancou-a a arma com a outra. No segundo seguinte, o corpo de Chloe se chocou contra as costas de Emma e foi arremessado de cima de seu ombro diretamente para o chão.

Desnorteada, Emma estatelou com os joelhos no chão logo em seguida. Apoiou uma das mãos na testa — a cabeça girando —, e virou o pescoço à procura de sua arma. Os olhos, outra vez embaçados, só puderam captar o borrão reluzente sendo tirado do chão. Piscou algumas vezes e um pouco mais claramente a viu pendurada, balançando na ponta dos dedos do rapaz formalmente vestido que havia visto mais cedo na área VIP. A expressão em seu rosto azul, em absoluta certeza, não era nada amigável. Ele apontou o dedo na direção de Chloe e os marmanjos que O acompanhava trataram de ir ao encontro das duas. Emma caiu sentada, ridiculamente indefesa, e encarou-os através das sobrancelhas; Chloe chorava feito uma criança enquanto tentava escapar de suas mãos.

— Po-por favor, Chefe, eu po-po-posso explicar!

Ele apenas a ignorou, aferrenhando as mãos no braço de Emma para colocá-la em pé aos tropeços, e destravou a arma, o cano apontado para a cabeça de Chloe.

— Muito bem —, disse calmamente; uma voz grossa e certamente penetrante. — Acaso as duas mocinhas já tenham terminado com seus cotejos de inimizade... Chloe, posso saber o que está fazendo aqui, armada, e quem é a nossa convidada?

— Eu te-te-tentei impedi-la, — choramingou aos soluços. — Eu não queria tra-ta-trazê-la até aqui, ma-mas..., ela ameaçou me matar.

— Ah, Cloh... — disse arrastado, a voz baixa e rouca. — Você está morta, que diferença faz a mão que puxa o gatilho?

— Não, por favor! — sobressaltou-se. — Eu posso pagá-Lo; eu não disse nada a eles, eu-eu..., eu ju-juro que não disse —, Chloe balançou a cabeça compulsivamente. Ele deu um suspiro de impaciência.

— E quem é essa? — indagou, o cano da arma apontado para cima, afoitando o queixo de Emma; os olhos dela desajuizados pelo teto, ela gargalhando baixinho, sem voz.

— Ela é do FBI, ma-mas está sozinha, eu juro. Ni-ni-ninguém quis ajudá-la, eles não ligam. Ela veio atrás de Você, mas eu-e-eu a droguei, ela não vai se lembrar de nada, ela vai...

Os sons dos disparos sobressaltaram a música, finalmente chamando pela atenção dos jovens amontoados pelo local. Emma estava molenga, ainda gargalhando sem pudor algum, os olhos apontados para os buracos na testa de Chloe que escorria sangue feito pequenos perais. Ela arregalou os olhos e abriu a boca, tentando imitar a expressão em seu rosto, então apontou com o indicador na própria testa, abaixando o polegar como se fosse um gatilho e tombou a cabeça para o braço d'Ele, a garganta produzindo três inaudíveis "clac".

Ele fez sinal para que o Dj recomeçasse a música e os seguranças largaram corpo de Chloe, que caiu desfalecido. Um par de garçons aproximou-se trazendo uma maca, outros dois com produtos de limpeza, um balde e um esfregão. Os que antes dançavam, estavam dançando; quem antes bebia, estava bebendo; e nada demais parecia ter acontecido, o que de fato não aconteceu, se ninguém se lembrar de nada na manhã seguinte.

— Venha, senhorita detetive, vamos dar uma palavrinha no meu quarto e... vocês dois, fiquem de olho nas coisas por aqui. — Mandou Ele, analisando a pistola com um ar de aprovação, antes de entregá-la aos seguranças. — Limpem isso, e tragam-me um pacote de LSD e um de metanfetamina também.

Ele analisou o rosto anestésico de Emma sob o intenso azul do local, antes de puxá-la para além do balcão dos cofres, onde a grande e gorda mulher pestanejava numa luta quase perdida contra o sono. Um portão de grades camuflava-se no beco escuro que era o vão entre a parede e os armários, e Ele correu o ferrolho enferrujado que rilhou alto o suficiente para irritar os ouvidos de Emma, que se espremeu contra seus braços. Assim que pisara o corredor que parecia levar à lugar algum, as luzes se acenderam, uma a uma, iluminando pares infindáveis de portas, um espaço provavelmente tão grande quanto a casa noturna. Ele a arrastou até o final do claustro, até a última porta — Emma gargalhando, nomeando e cumprimentando cada uma das portas que passavam por eles — e buscou um grande chaveiro no bolso da calça. Destrancou a fechadura e girou a maçaneta, as dobradiças assoviaram discretamente, e Emma atirou-se para dentro por vontade própria, jurando e negando ao mesmo tempo de que aquele era o seu quarto, ou talvez não fosse.

Se Riley, que vinha por este mesmo corredor cerca de quinze minutos depois — a bandeja com dois pacotes de LSD e metanfetamina e quatro de heroína —, tivesse ficado ali por mais alguns segundos, ele poderia ter ouvido Emma gargalhar baixinho, quase sem ar, depois alto e eufórica, e então baixinho de novo. Quando a música baixou, às cinco da manhã, se a velha gorda dos cofres tivesse acordado dez minutos mais cedo, antes de se assustar com os braços que a rodeavam com chaves, os jovens chiando instruções que exigiam seus pertences para que pudessem ir embora, ela teria ouvido gorjeios e gemidos, tapas e gritos, e gemidos outra vez. Por volta das nove da manhã, no momento em que não havia mais ninguém ali, senão os três seguranças na área VIP, uma rádio FM chiando uma música country, tomando cerveja e fazendo altas apostas em poker, se eles tivessem se lembrado de ir perguntar ao Chefe se desejava ou não tomar café da manhã, eles teriam ouvido gritos e apregoas, um choro aflitivo, bramidos e praguejas. Não se sabe, ao certo, tudo o que aconteceu dentro daquele quarto.

•••••

— As luzes estão apagadas; o perímetro está calmo — disse o sujeito do outro lado do rádio comunicador.

— Informe o número da residência.

— Mil novecentos e vinte e três.

— Repita!

— Mil novecentos e vinte e três.

— Algum sinal da Agente Scarlett?

— Negativo. A área está cercada; à espera de suas ordens.

— Muito bem! Ao meu sinal...

Um candeeiro carcomido erguia-se ao lado do carro estacionado à calçada, a luz terrivelmente amarelada piscando insistentemente, recusando-se a acender; negando-se a apagar. A noite estava meramente mais clara do que a do dia anterior e o relógio dourado no pulso do chefe Boris Buffalo encontrava-se, precisamente, com o ponteiro menor no nove e o maior prestes a encontrar o doze no alto da circunferência, assim que o ponteiro dos segundos terminasse essa última volta. O perito criminal no banco do passageiro, Walter Willians, observava-o por cima dos óculos redondos, o clique da caneta preso entre os dentes, os nós dos dedos cingidos na base da prancheta que ele apertava contra o barrigão.

— Ao meu sinal — reforçou.

Há duas quadras dali, a agora silenciosa Avenida Oeste Lilley estava interditada por cerca de oito carros com sirenes azuis de giroflex. Jake Valência e Gale Gallego guardavam a porta da casa de três pavimentos que apontava para a rua; um outro agente em frente à esta empunhando o aríete, vários outros espalhados pelos arredores da residência.

— Vão, vão!

O porrete de ferro produzia sons ocos e muito secos, foram três impactos até o trinco se render e a porta se soltar com violência, chocando-se contra a parede com uma tremenda reverberação. Jake e Gale atiraram-se para dentro; as Smith & Wesson sempre à dianteira — os olhos no enquadramento da mira de tritium —, a pequena lanterna encaixada no trilho. O Hall e a sala estavam calmos, as luzes estavam apagadas e não havia ninguém na cozinha também.

— Atenção, estamos subindo. — Avisou Gale através do rádio, dois passos atrás de Jake; os demais Agentes tomando conta das moradas.

Há uma porta deste lado das escadas, "trancada!", murmurou Jake, apontando a arma para o corredor que se desdobrava adiante. Primeiro, eles depararam-se com o banheiro, "a pia está limpa e não há nada pelo chão", disse Gale, dirigindo-se a próxima porta ao encalço de Jake. "Um quarto de criança, mas o carpete está penteado", observou ele, voltando e fechando-o. O último aposento não possuía muitos adornos, apenas a cama de casal e uma cômoda de gavetas vazias — exceto pela poeira —, um quarto de hospedes, eles pensaram, e quando a Agente Willians os alcançou, nenhum dos dois tinha nada a relatar.

As pistolas voltaram para os coldres e Jake e Gale trotaram de volta à porta trancada. Anna Willians apontou uma lanterna tática no buraco da fechadura, mas Gale não conseguiu enxergar nada do outro lado, tampouco uma forma menos destrutiva de a abrir. Anna se afastou, a arma e a lanterna à dianteira, e Jake e Gale atiraram-se juntos contra a porta, o segundo impacto de seus ombros finalmente a fez se abrir. Anna cortou-os à frente e iluminou, de antemão, um corpo deitado na cama. Ela segurou o xingo que lhe subiu a garganta e espreitou o local do lugar de onde estava. À frente, uma lareira entre o par de janelões e a cama com criados-mudos; o revestimento de carpete do chão está despenteado; há um closet ao lado da porta de entrada; uma cômoda sob uma televisão na parede e um batente de madeira nos limites do quarto. Jake e Gale aprumaram-se e a alcançaram neste instante, cada um com uma lanterna tática também em mãos. Anna foi checar o próximo cômodo.

— Mas que... merda —, disse Jake finalmente.

Era o rosto de Emma escondido no meio daquele monte de cabelos vermelhos, tinha de ser. Seus pulsos pareciam em carne viva; sangue ressecado manchavam seus braços e as grossas cordas de algodão que estão prendendo-a à cama. As pernas assentam-se abertas e existem hematomas diversos espalhados por onde o corpo está exposto. Ela veste uma calcinha, a camiseta social ainda do dia anterior e apenas um dos pés permanece com a meia.

O punho livre de Gale está cerrado e Jake está trincando os dentes. Não foi preciso que dissessem algo para que soubessem que se sentiam da mesma maneira, uma mescla terrível de culpa e fereza.

— Rapazes —, chamou Anna, — venham ver isso.

Jake e Gale alçaram as mãos que empunhavam as lanternas e seguiram a alheta de Anna até o banheiro da suíte, as luzitas desvendando um segundo corpo estirado no chão sobre o tapete. Era Chloe. Vestia as roupas de quando havia dado entrada na delegacia, semanas atrás, o rosto banhado à sangue, três pequenos — e muito próximos — buracos no meio da testa.

— Nenhuma sujeira no chão, embora as roupas estejam empapadas —, analisou Anna, puxando do bolso da calça um par de luvas descartáveis. — Já estava morta quando foi posta aqui.

— Nos devolveram um cadáver, quanta gentileza...

— Agora não, Gale! — contestou Jake.

— Os disparos foram simultâneos; o sangue já passou do estado pastoso. Os músculos estão bastante rígidos e, pela temperatura, julgo que faça vinte e quatro horas desde a morte.

— E os tiros?

— Nove milímetros, reconheço essa circunferência de olhos fechados —, continuou Anna. — Acho que foi a Taurus da Emma.

— Você acha? — perguntou Gale com humor ácido. Acabara de iluminar a arma cromada sobre uma calça preta dobrada no balcão da pia.

— Não acho que Emma a tenha matado — alvoroçou-se Jake. — Ela tem uma boa mão, não faria toda essa sujeira. As duas tinham um acordo...

— Bem —, Gale pigarreou. — Acordos podem ser desfeitos.

— Mas... e a mensagem?

— É uma boa pergunta, — interveio Anna, levantando-se. — Eu tenho uma também: e o celular?

Os três viraram-se sobre os calcanhares e empunharam as armas, uma tosse engasgada e borbulhante soara do cômodo anterior. Anna avançou em direção ao corredor, Jake e Gale em direção à cama. As rasas lunetas capturaram o corpo de Emma convulsionando, um bolçado amarelo e ácido lhe escorrendo a garganta pela boca. Jake largou a arma e a lanterna no criado-mudo — um som de vidro tilintando e plástico caindo — e debruçou-se sobre ela.

— Anna, Anna! — Gale chamou aos berros, uma ânsia o prendendo no lugar onde estava.

Anna arfou de surpresa e devolveu a pistola para o coldre. Trotou até a cama, e a primeira coisa que notou, foram as pupilas dos olhos amêndoas de Emma que estavam extremamente dilatadas; o coração batendo tão rápido no peito que fazia a incisura jugular dela vibrar. Auxiliou Jake a virá-la de lado para que não sufocasse com o vômito, e estava indo abrir as cortinas da janela, quando escorregou contra a parede ao estabacar o pé em um objeto cilindro: uma seringa de injeção hipodérmica usada — não foi difícil deduzir isso com as gotículas de sangue aguado no interior do tubo.

Anna afastou as cortinas da janela próxima à cama e foi como se o poste de luz a apontasse para o criado-mudo. A lanterna de Jake brunindo pacotes vazios com alguns resíduos brancos, cor-de-rosa e mesmo outros azuis. Há um vidro de naloxona ali também, uma necessaire de plástico com mais seringas — todas na mesma medida —, algodão e álcool e uma caixa de agulhas hipodérmicas verde. Anna encarou a seringa do chão novamente e Emma — ainda convulsionando e vomitando.

— Gale, o chefe Buffalo ainda está na linha? — indagou ela, consternada.

— Está sim, por quê?

— Precisamos de uma ambulância. — A voz enroscou na garganta. Anna recompôs-se. — Uma ambulância, Gale, agora; agora mesmo, rápido!

— Anna, que está acontecendo?

— Ela está drogada, Jake. Acho que pode estar tendo uma overdose, vai acabar morrendo.

— Então faça alguma coisa!

— Eu? E o que quer que eu faça? Não me formei em medicina, será que notou?

Jake debruçou-se sobre o criado-mudo, completamente transtornado, e Anna apoiou as mãos na cintura, a testa suando de nervoso. O que tinham na cabeça quando concordaram em deixar que Emma tomasse sozinha as rédeas dessa missão com grandes chances de insídia, eles se perguntavam aos sonegos. É fato que ninguém conjeturou por tamanha peripécia, contudo, não seria difícil deliberar as consequências ou mesmo pressupor que Emma estivesse indo direto para uma armadilha, embora fosse agora tarde para arrependimentos catárticos.

— ...sim! Sim, senhor. A Agente Scarlett, isso. — Gale tomou fôlego. — B01, C03, C05, C11...

— E um G02 —, disse Anna e passou a mão pelos cabelos presos e respirou fundo, cruzando os braços.

Gale e mordeu o lábio inferior e Jake esforçou-se para conter um espasmo nervoso, mas acabou derrubando a lanterna. O chefe Buffalo deu um suspiro fatigado tão alto do outro lado do rádio, que não teve como Anna e Jake não o ouvirem.

Jake agachou-se com os joelhos no chão e espalmou as mãos no carpete, o rosto baixo vasculhando os escombros sob a cama em busca da lanterna, sua luz iluminando um aparelho celular. Ele cerrou os olhos.

— Anna, tem alguma outra luva aí?

— Acho que tem.

— Me dê aqui.

Jake apontou um dos palmos para cima, os olhos encarando o aparelho como se com medo de que fosse uma miragem, e vestiu a luva — para ele apertada — assim que Anna o entregou. Levantou-se com um ar desconfiado, analisando o modelo iOS em mãos, as sobrancelhas envergando a testa.

— Que é isso? — perguntou Anna.

— É o celular da Emma? — indagou Gale com certa lentidão, os lábios secos.

— É sim, e está ligado... e com carga —, acrescentou Jake, acendendo a tela do aparelho.

Nove e quatro marcava o relógio numérico no centro da tela e há inúmeras atualizações de chamadas perdidas na parte inferior. No plano de fundo, Jake, Gale e Emma, risonhos, todos com um copo do Starbucks nas mãos; Ares está escrito no dela, Atena no de Jake e Tália no de Gale.

— Seja lá quem tenha feito isso, parece que queria que nós as encontrássemos. Deixaram o celular aqui para ser rastreado...

Anna franziu o cenho e apoiou o queixo com uma das mãos.

— Senhores, acho que estamos sendo manipulados...

— Foi exatamente o que pensei, e eu não gosto disso. — Respondeu Jake com voz pastosa.

Anna retirou do bolso uma embalagem plástica para armazenar o celular. Não havia nenhuma imperfeição no aparelho, eles tiveram tempo de analisar, enquanto Gale aproximava-se da cama, percebendo calmo o corpo de Emma que deixara de convulsionar.

— Er, pessoal...

Os lençóis sujos já começavam a cheirar e os olhos de Emma estavam um fechado e o outro meio aberto; uma saliva muito espessa e branca gotejando da boca.

— Que é que está acontecendo, Anna? Que é isso? — questionou Gale beirando o desespero.

— Espere, afaste-se!

Anna tateou o pescoço de Emma buscando encontrar a pulsação da garganta. Fosse por interferência das luvas, fosse porque o coração havia deixado de bater, nada encontrou.

— Deus! O que faremos?

Jake já não estava raciocinando profissionalmente — nenhum deles na verdade —, quando se debruçou novamente no criado-mudo, agora, virando e revirando aquele monte de embrulhos. Rasgou a caixa de agulhas e pegou uma seringa na necessaire.

— Perdeu o juízo? Que está fazendo? — interveio Anna.

— Você sabe o que é isso, não sabe? Sabe como funciona? — debateu ele, o vidro de naloxona nas mãos.

— Não é seguro, Jake. Esse quarto foi montado; nada foi deixado aqui por acaso.

— Se eles a quisessem morta, que a acertassem com três tiros na testa como fizeram com Chloe, não? Me diga!

— Eu não sei! — retrucou, a voz tão alta quanto a dele.

— Eu sim! Eles não a queriam morta, mas também não deviam querer que se lembrasse de algo que viu.

— Como pode dizer isso com tanta certeza?

— E eu sei lá! — exasperou. — Só sei que estou perdendo a minha parceira; a minha amiga e, Anna, você tem que me ajudar.

— E eu sei lá! — exasperou. — Só sei que estou perdendo a minha parceira; a minha amiga e, Anna, você tem que me ajudar.

— Dê-me isso, seu grande idiota! — mandou Anna, agarrando o naloxona de suas mãos.

Anna tomou fôlego para o repreender, e não o fez. Ao invés disso, mordeu o lábio inferior, insegura e confusa, e espiou Emma de esguelha. A ambulância poderia demorar, Jake já havia movido o cenário e ela não tem plena certeza de que conseguiria viver sem culpa caso o tempo, esse tempo que estão perdendo agora, seja crucial. Anna arfou, soltando o lábio, e arrostou o vidro de naloxona.

— Eu nunca fiz isso antes, rapazes, mas tenho quase certeza de que esse medicamento devia ser aplicado pelas vias nasais.

Anna inseriu a seringa no vidro de naloxona e acionou o êmbolo para cima. Não tinha jeito de aplicar pelo nariz, não com esse tipo de agulha.

— Gale, vire-a de barriga para cima e segure-a bem firme. Jake, eu preciso que você... hum... sabe? Passe o algodão com álcool.

— No nariz?

Anna o fitou incrédula.

— Não, no... — Anna mordeu o lábio inferior. — No coração. Exatamente onde fica o coração, rápido!

Anna não tinha ciência absoluta do quanto de naloxona usar. Existem vidros menores, ela sabe, mas nunca, até este momento, havia se interessado pelas medidas, embora tenha ligeira firmeza de que dez mililitros seja um exagero. A seringa suportava o total de três mililitros, e confiando na hipótese de Jake de que eles — sejam quem seja — queriam que Emma sobrevivesse, considerou que também tiveram a atenção de deixar as medidas corretas. Anna preencheu a seringa até o limite.

Jake e Gale estavam cada um de um lado, eles continham uma Emma puída e dormente pelos ombros e a coxa. Anna agarrou a seringa pelo tubo e o afundou no peito de Emma como uma estaca pesada, o sangue desta fluindo para dentro, misturando-se ao líquido transparente lá contido. É com certo cuidado que Anna empurra o embolo — despejando o naloxona e o sangue de volta ao coração de Emma —, e mal conseguira aplicá-la a metade, os olhos amêndoas se abriram de repente, as cordas vocais vibrando e gritando, o corpo debatendo-se agora por vontade própria. Anna não conseguiu injetá-la o medicamento todo, pois Jake, Gale e mesmo as cordas não foram o suficiente para contê-la.

Emma atirou-se aos berros contra os quatro cantos da cama, até onde as cordas alcançavam, e finalmente estatelou com as costas na cabeceira; os olhos — fundos e escuros — arregalados e vermelhos, os lábios quebradiços, os cabelos bagunçados, as pernas encolhidas contra o corpo. Estava inteira suja de vômito. Ela guiou uma das trêmulas mãos até a seringa pendurada no peito, mas faltara-lhe audácia para tentar retirá-la dali. Ao invés disso, respirou fundo; e de novo; de novo; de novo; depois, defrontou os três colegas que a afrontava.

Emma deu uma gargalhada nasal.

Os lábios se franziram, tremelicos, e Emma gargalhou. Uma risada rouca, aguda e alta. Olhava para Jake e gargalhava. Virou-se para Gale, e gargalhou ainda mais. Encontrou os olhos confusos de Anna e arqueou o pescoço — a saliva escorrendo —, a garganta queimando e gargalhando. Encolheu o pescoço, deparando-se com a seringa, e perdeu o ar de tanto que riu; o punho frouxo afundando-se repetidamente no colchão.

— Hilária —, soou uma voz monótona e áspera. — A senhorita, como sempre, uma graça, não é isso mesmo, Scarlett?

O chefe Buffalo bateu as costas da mão no interruptor, acendendo as luzes do cômodo, e adentrou o quarto com passadas largas e pesadas, as mãos entrelaçadas as costas. Parou diante da cama, o dorso franzido e as narinas dilatadas, bolsas grandes e flácidas lhe rodeando os olhos. Emma arrulhou de rir.

— Ela está dopada, senhor —, Anna tentou explicar. — Não vai entender ou mesmo se lembrar de nada do que está acontecendo. Talvez não seja o momento para...

— Sim, sim... — resmungou alto e jogou os braços para cima. O tom de voz tão colérico quanto sua expressão. — Mas eu aposto como vai querer se lembrar disso, senhorita Scarlett — ele tomou fôlego, acalmando-se. — É bom que você não tenha fodido com tudo e que tenha mantido alguma pista nesse seu corpo, ou ele não servirá de mais nada para mim ou para essa equipe. — Jake trincou os dentes; Gale engoliu em seco.

O velho Agente Willians — perito criminal e pai de Anna — chegou no instante seguinte com a equipe de paramédicos. Anna levou uma bronca daquelas pela quantidade absurda de naloxona que tentou dar à Emma — um miligrama seria o suficiente —, e deixou o quarto sozinha; Jake e Gale encarregaram-se do tour pela estimada cena do crime.

Na Avenida Lilley, diversas equipes de agentes montavam círculos de debates, todos coscuvilhando sobre o suposto ocorrido. Anna inspirou forte, armazenando aquela gélida ventania que a refrescava os pulmões, e expirou com um suspiro. Olhou para suas mãos oscilantes e sentiu uma certa leveza no peito. Emma poderia estar morta agora, mas ela a salvou; Anna, que nunca teve sequer a coragem para ir ao posto de saúde sem a mãe para tomar vacina. Anna conteve um riso fugaz, enquanto retirava as luvas descartáveis.

— Agente Willians —, chamou-a o chefe Buffalo, alcançando-a na calçada; Jake e Gale ao seu encalço. — Está bem informada sobre o caso?

— Sim, senhor!

— Que bom, porque agora ele é seu —. Anna, Jake e Gale arregalaram os olhos de surpresa. — A Agente Scarlett se tornou uma vítima, e não se pode atuar em dois papéis simultaneamente nesta peça.

— Sim, claro, mas... senhor, eu só faço parte da Equipe Profissional, não sou uma Agente Especial.

— Acontece, Agente Willians, que eu não posso permitir que o Agente V' ou o Agente Gallego assumam, uma vez envolvidos sentimentalmente com a Agente Scarlett. Vocês duas, no entanto, não eram tão próximas que eu me lembre.

— Bom, nós...

— Excelente! Espero por seu relatório, no mais tardar, na sexta-feira, e eu não quero saber de imprevistos, extemporâneos ou inopinados. Consiga os depoimentos de todos os Agentes envolvidos nessa operação, e faça o necessário para arrancar alguma coisa da senhorita Scarlett, não me interessa se ela vai estar internada, em observação, ou sabe-se lá o quê. Quero saber o porquê de a senhorita Collins a trazer aqui, quem as duas encontraram e, se foi ela quem a matou, eu também quero entender. — Demandou, as mãos entrelaçadas as costas, os passos sólidos no caminho até o carro.

— Sim, senhor!

— Boa noite!

•••••

Anna inspirou e expirou pela quingentésima segunda vez, o coração bastante agitado no peito, as mãos suando na capa do portfólio que ela apertava contra o tronco. Agentes Especiais e Equipes Profissionais tomavam as arquibancadas do auditório; Jake, Gale e o chefe Buffalo na mesa de assessoria, onde também estava o notebook já preparado para o elóquio. Paço Entorpecente, exibia-se na lousa branca através do aparelho projetor e nas folhas de rosto das xérox espalhadas nas cadeiras, uma ligeira vozeada sobressaltando o silêncio conforme o cômodo sobrecarrega-se. Anna tomou o palco.

— Olá, eu sou Anna Willians, sou graduada em Farmácia pela universidade Chapel Hill da Carolina do Norte, sou uma Agente Profissional, e sou a atual detentora do caso Paço Entorpecente, anteriormente gerido pela Agente Especial Emma Elisabeth Scarlett. — Anna avançou a projeção pelo notebook e foleou o dossiê, passando pelo Sumário, direto para a página cinco: O Homicídio da rua Bemis.

"No dia treze de fevereiro deste ano, por volta das duas e trinta e três da tarde, Carmen Lucinda Collins foi encontrada morta pela equipe de polícia do condado de Littleton. A vítima estava no chão há poucos passos da porta de entrada, e o exame de corpo de delito apontou morte cerebral por traumatismo craniano. Foi encontrado DNA em baixo das unhas, esse material foi armazenado no banco de dados da polícia, e o legista relatou um trabalho surreal na hora de raspar a cabeça da vítima, pois havia inúmeros hematomas na nuca e o crânio estava granulado."

"Três dias depois, a adolescente de dezenove anos, Chloe Lucinda Collins, foi encontrada dormindo na calçada em frente à delegacia. Assim que acordada, a primeira coisa que ela disse foi: "eu tenho uma confissão a fazer". Bom, a senhorita Collins estava fichada como desaparecida desde o dia primeiro de fevereiro. Ela saiu sozinha no dia trinta e um de janeiro, às pressas, e foi a última vez que a mãe a viu. Chloe disse à polícia que sua cabeça iria à prêmio no dia primeiro se ela não quitasse uma dívida, e voltou para casa no dia doze, justamente porque seria, mais ou menos, quando caía o salário da mãe e a pensão do governo; o pai é um presidiário."

"A senhorita Collins alegou não estar completamente sã ao voltar para casa, e que assim que a mãe abriu a porta e a viu, a mãe a abraçou. Elas então tropeçaram para dentro e caíram no chão. A senhorita Collins começou a sacudir o corpo da mãe, mandando-a entregar o dinheiro, isso é, todo o dinheiro, e a mãe tentou se defender; ao que tudo indica, a senhorita Collins estava batendo-a contra o chão com muita força, até que em determinado momento a mãe parou de resistir, parou de se defender, enfim... perdeu completamente os sentidos. A senhorita Collins continuou sacodindo o corpo, contudo."

"Não havia dúvidas de que o DNA que a polícia armazenou pertencia à senhorita Collins e, depois daquele depoimento, o delegado já tinha certeza de tudo o que decorrera na cena do crime. O caso seria encerrado e Chloe Collins só precisaria de uma ordem de transferência para a Penitenciária Estadual de Dakota do Sul. A ficha da senhorita Collins, no entanto, foi recusada no Departamento de Justiça."

Anna avançou a projeção e, assim como os ouvintes, foleou o dossiê até a página onze: Procurada Viva ou Morta.

— A senhorita Collins trabalhava no restaurante mexicano Tamale Kitchen do posto de combustível Safeway, no cruzamento da Kipling com a Belleview, local onde ela conheceu Peter Fiend, o traficante da região, com quem contraiu um relacionamento amoroso no dia dezenove de dezembro do ano passado. A senhorita Collins, até então, não possuía vícios, já havia se formado no colégio e estava guardando o salário para conseguir pagar sua faculdade de Literatura.

"De acordo com ela, Peter Fiend é um dos sessenta e quatro traficantes do estado, e cada traficante possui uma promédia de dez outros distribuidores; todos respondem ao Chefe dos Chefes, que é o pseudônimo do dirigente da principal Máfia de Drogas dos Estados do Colorado, Nebraska e Kansas." Anna tomou fôlego. "Ficou claro para a polícia que Peter foi o elo da Chloe com as drogas e, com quinze dias de relacionamento, ela perdeu o emprego por justa causa, pois, além de marcar o ponto atrasada, ir trabalhar fora de lucidez e prestar maus atendimentos aos clientes, diariamente faltava dinheiro nos caixas que ela operava."

"A senhorita Collins gastava cerca de setecentos e cinquenta dólares por dia em cinco ou seis gramas de heroína, e demorou por volta de uma semana para que o dinheiro da faculdade acabasse. É então que Peter a convida a se tornar uma Cliente da Casa que, resumidamente, funciona assim: você compra, você consome e todos os dias tem um acréscimo de 1,3% no valor total, que pode ser pago até o último dia do mês."

"Bom, setecentos e cinquenta dólares à 1,3% ao dia, dá um acréscimo de nove dólares e setenta e cinco no primeiro dia; nove dólares e oitenta e oito no segundo dia; uma dívida de novecentos e cinquenta e oito dólares e cinquenta e seis depois dos vinte dias restantes para fechar o mês. A senhorita Collins, no entanto, continuou comprando o produto nessas quantidades absurdas, e no dia trinta e um de janeiro já tinha acumulado mais de quinze mil e quatrocentos dólares de juros. É óbvio que Chloe Collins não tinha como pagar essa dívida, e foi quando ela resolveu que devia fugir de casa antes que Peter a encontrasse, afinal, se ela não tem o dinheiro para pagar o Chefe, a cabeça dela torna-se oficialmente o pagamento, e sempre há uma generosa comissão para o caixeiro."

"A senhorita Collins, naquele mesmo dia, foi de Littleton para Columbine, onde ela acabou topando com Raja Richard, outro destes sessenta e quatro traficantes. Já estava escuro, no entanto, e ela conseguiu despistá-lo aos arredores do Shopping Bowles Crossing. Ela passou no caixa vinte e quatro horas para verificar a fatura e constatou haver três mil duzentos e noventa dólares, dinheiro, este, vindo da rede de restaurantes Tamale Kitchen, abono de seus seis meses de carteira assinada. A senhorita Collins faz um saque total, pega um taxi e foge para se esconder em Denver até o fatídico dia doze."

"O plano inicial era guardar esse dinheiro, juntar com o que encontrasse na casa da mãe e tentar um acordo com o Chefe para conseguir se manter viva, mas um viciado é um viciado e lidar com vício não é fácil. A senhorita Collins estava escondida em um motel de vila, e ela suplantou crianças brincando na rua para mercar heroína e fazê-la a emissão. Então, no dia doze de fevereiro, Chloe Collins volta para casa andando, uma dívida já vencida em Littleton de quinze mil dólares e outra para vencer no final desse mês de sete mil dólares em Denver. Resumindo: ela precisava de mais de vinte e dois mil dólares, não tinha nem um centavo no bolso e também não encontrou absolutamente nada na casa; a máfia a procurando para matar e a polícia para prendê-la. Não é difícil entender o porquê de ela ter simplesmente se entregado e confessado o homicídio."

Anna avançou a projeção até a página vinte e um: Silêncio sem Procedente.

— A delegacia do condado de Littleton solicitou, à contragosto, o apelo do Departamento Federal de Investigação no dia dezessete de fevereiro, após não conseguirem de forma alguma uma prisão temporária para Chloe Collins. Motivo? Não se permite enviar à penitenciária um indivíduo cujo a vida está pré-ameaçada no local. Até então, não encontramos qualquer penitenciária onde a senhorita Collins não estivesse pré-ameaçada. — Ouviu-se uma ligeira toada de vozes. — Sim, ao que tudo indica, essa Máfia tem agentes por todos os lugares, e a responsabilidade de encontrá-la, então, é passada para o FBI junto com a custódia da .

"O caso foi gerido pela Agente Scarlett, com a arnês do Agente V' e o Gallego. A senhorita Collins, contudo, recusava-se a colaborar ainda que sob ameaça de morte. Uma coisa muito interessante que aprendemos sobre essa máfia: todos são extremamente fiéis, mesmo quando questionáveis os motivos. A equipe passou cinco dias tentando diferentes estratégias de diálogo, a senhorita Collins, no entanto, fora impassível do início ao fim. Sem sua cooperação, o caso deveria ser arquivado, Chloe Collins tinha direito à um advogado e o Departamento de Justiça viu-se obrigado a aceitar seus registros. A devolução da ré à polícia do condado, juntamente ao aprisionamento, seria realizada no dia vinte e quatro."

"No dia vinte e três de fevereiro, por volta das nove da manhã, notando muito estarrecida a ré, a Agente Scarlett faz sua primeira tentativa de um acordo após já encerrada as investigações. A esse ponto eu já havia me integrado a equipe, uma vez designados para um outro caso em um outro estado, e era o seguinte: Scarlett queria uma descrição do Chefe dos Chefes para que nós pudéssemos emitir à polícia uma ordem de prisão. Uma vez preso, a ré poderia vir a apelar durante o julgamento quanto à sua sentença. "A morte que eu estou sujeita seria imensuravelmente pior, caso eu condescenda com vocês", declarou a senhorita Collins no entanto. Era cinco da tarde quando Scarlett conseguiu uma indulgência, transigindo-a quanto à futura decisão do júri que, caso ela não fosse morta no primeiro ou no segundo dia na penitenciária, com certeza seria pela pena capital."

Anna avançou para a página vinte e sete.

— O documento seguinte foi encontrado no Tablet da Agente Scarlett, redigido pela própria no dia do acordo, às cinco e quarenta da tarde. Se todos me permitirem, eu gostaria de o ler em voz alta —, Anna pigarreou. — Comarca de Littleton, o número do processo está em branco. Pelo presente instrumento, Emma Elisabeth Scarlett e Chloe Lucinda Collins compuseram Acordo Extrajudicial para os efeitos do artigo 65, parágrafo três, circunstancia D; e artigo 121, primeira cláusula, do CPP. Termo de Acordo: as partes firmaram livre e espontaneamente a presente composição extrajudicial, a qual concilia em a ré orientar os investigadores até o valhacouto coexistente e a recognição do assim cognominado "Ele". Cláusula Segunda: para fins de redução de pena e objeto de proteção dentro da penitenciária. Cláusula Quarta: acordam as partes que, caso não seja cumprido o presente acordo, caberá à autoridade Agente Especial Emma Elisabeth Scarlett determinar a mais adequada forma de proceder. Percebam que o documento foi assinado, tanto pela senhorita Collins, quanto pela Agente Scarlett.

Anna avançou para a próxima página: Armação ou Empecilho?

— A Agente Scarlett deixou o prédio da agência acompanhada da ré por volta das sete da noite como mostram as gravações de segurança; a senhorita Collins recuperou seus pertences e assinou a condicional. A Agente Scarlett usava uma calça com suspensório, tênis com meias, uma camiseta social e o sobretudo castanho; o coldre com a arma e o distintivo ficaram guardados na gaveta da escrivaninha, e ela optou por levar, no entanto, sua arma de uso pessoal, o que é uma atitude questionável considerando a Smith & Wesson preta muito mais discreta do que uma pistola cromada.

"Não se tem qualquer conhecimento do que se passou durante as duas horas em que a Agente Scarlett se manteve inativa. Às nove e sete da noite, porém, ela envia o endereço exibido na tela para o celular particular do Agente V', e a mensagem será aberta no dia seguinte, quando constatado a ausência da ré na cela e o atraso no registro de ponto de Scarlett."

"Uma armação, foi a primeira e mais lógica dedução. Quinze equipes de Agentes Especiais foram solicitadas para uma possível missão de resgate, tendo como base o endereço enviado na mensagem. Foram interditadas não somente as ruas do quarteirão, como também vielas e becos, toda e qualquer rota de fuga da avenida Oeste Lilley. A operação teve início às nove da noite do dia vinte e quatro, e o mandado emitido increpou todas as doze residências — aparentemente desocupadas —, a equipe principal responsabilizada pelo prédio mil novecentos e vinte e três."

Anna avançou a projeção até um slide de fotografias.

— O corpo de Chloe Collins foi localizado pela equipe principal no banheiro da suíte no segundo andar, ainda em estado inicial de decomposição, três projéteis de nove milímetros alojados no crâneo. — Anna foi até a mesa, pegando uma embalagem plástica com uma pistola. — Foi determinado que a autora dos disparos foi a Taurus PT92 registrada pela Agente Scarlett; quinze balas restantes no cartucho; vazia a munição reserva da câmera. Não foi encontrado o local dos disparos, e nem digitais ou mesmo resíduo de pólvoras na arma, o que dispunha que tenha sido cuidadosamente limpa após o assassinato. Estava no balcão da pia, junto com a calça da Agente Scarlett.

"A agente, por sua vez, estava amarrada na cama de casal da suíte por um par de cordas de algodão trançada de doze milímetros. As marcas no pulso indicando resistência, e todos os respingos de sangue encontrados por luminol em ambos os cômodos, são seus. O sobretudo foi encontrado dobrado no console da lareira, os sapatos estavam ao lado da cômoda com uma das meias, o sutiã, no entanto, nem sinal. Não existia resíduos de pólvora nas mãos, o que a anula como principal suspeita de autoria dos disparos contra a ré, e também não foi encontrado material genético embaixo das unhas ou nas partes íntimas, embora o exame ginecológico aponte o rompimento do hímen."

Alguns agentes acomodaram-se desconfortavelmente na cadeira e Anna pigarreou, devolvendo a embalagem à mesa e avançando a projeção.

— Supõe-se que a Agente Scarlett tenha sido apaziguada por ketamina e, logo em seguida, dopada com ácido lisérgico e desoxiefedrina em excesso. Havia, também, diamorfina na corrente sanguínea em quantidades auxeses, o que a acometeu uma overdose. A equipe médica foi acionada às pressas e, quando tentaram desamarrá-la da cama para conduzi-la ao pronto-socorro de Littleton, a Agente Scarlett rechaçou, bisando que não deveria sair dali. Quando questionado o porquê, ela disse o seguinte: "Ele me mandou ficar e ser uma boa garota, e eu devo obedecer ao Chefe". Quando lhe questionado sobre quem era o tal chefe, a Agente Scarlett ladrou feito um cachorro.

Vozes espaventas e increpas arrulharam por todo o auditório e Anna precisou levantar a voz para contê-las.

— Apenas evocando-os dos fatos: a Agente Scarlett estava sob efeito de alucinógenos.

Anna pigarreou e avançou a projeção: O Palácio Alucinógeno.

— A gravação que mostrarei a vocês é o depoimento que consegui no dia vinte e cinco de fevereiro. Eu o adquiri ainda no hospital, sob a advertência da equipe médica quanto à Scarlett, que não estava completamente recuperada. O áudio da agente ficou um tanto baixo e sua voz está embargada, mas na página seguinte vocês encontram todo o diálogo por escrito.

Anna deu start no multiplayer da página trinta e seis, um silêncio estático e chiado de gravador, o multiparâmetro bipando calmamente no fundo.

"Bom dia, Emma! Sente-se bem?", disse a voz de Anna com certa formalidade.

"Minha cabeça ainda está girando e meu corpo está doendo. Minhas costas estão queimando e não há uma única posição que eu me deite e me sinta confortável", respondeu ela baixinho.

"Preciso fazê-la algumas perguntas sobre quarta-feira à noite".

"Vou me esforçar para conseguir responder todas elas".

"Eu agradeço! ... Então, quando saíram da delegacia, você e Chloe, para onde ela te levou?"

"Ela me fez andar por quase duas horas inteiras, devemos ter passado por todos os bairros de Littleton".

"Ela não tinha a intenção de cumprir com o acordo, mesmo tendo o assinado?"

"Não até eu a apontar a arma".

"Compreendo. E depois?"

"Ela me levou até a Avenida Oeste Lilley e... eu não me lembro bem. Havia crianças, adolescentes, homens, mulheres..."

"Traficantes?"

"Usuários..."

"Compreendo. E o que mais?"

"Eles me deixaram entrar, Chloe disse que éramos amigas".

"Entrar aonde? Era o prédio mil novecentos e vinte e três?"

"Não, eu... é, o-o endereço era de lá, com certeza, mas... não era a porta da frente, entende? Era... era outro lugar, outra entrada".

"Onde fica essa entrada?"

"Não me lembro, mas tenho certeza que não era a porta para a rua..."

"Como era esse lugar?"

"Parecia uma casa noturna, Anna. Era enorme e estava cheia. Eles até compartilhavam instrumentos, não tinham a mínima noção de responsabilidade".

"Você O viu? Digo, o... Chefe deles, você O viu?"

Ouviu-se um fungar alto e um soluço de choro.

"Emma, está tudo bem? Vo-você... você quer que eu pause a gravação?"

Ouviu-se outro fungo.

"Não, é só que... eu o vi sim, Anna, tenho certeza que o vi... mas não me lembro quem era. Aquela desgraçada me fez beber alguma coisa e", snif, "eu fiquei ruim, muito ruim. Minha cabeça girava do jeito que está girando agora".

"Eu compreendo, Emma, mas ainda não é o bastante. Eu realmente preciso de mais alguma coisa. Por favor, tente se lembrar".

"Ela... ela conseguiu pegar a minha arma e a apontou para mim. Ela estava muito amedrontada, muito mesmo. Eu a desarmei, mas acabei caindo junto".

"E as pessoas naquele lugar?"

Ouve-se uma gargalhada soprada.

"Você tinha que ver, nem deram atenção. Ninguém entra armado no território d'Ele e sai vivo, me disseram... e eu, agora, entendo melhor".

"Você, no entanto, ainda está viva".

"Mas era Chloe quem estava com a arma na mão quando eles chegaram".

"Eles? De quantas pessoas estamos falando?"

"Três homens. Um deles, com certeza, era o tal Chefe".

"Consegue se lembrar do rosto?"

Ouve-se um assíduo silêncio das vozes, quebrado apenas pelo multiparâmetro.

"Azul...", disse finalmente. "Não, não me lembro".

"O que aconteceu com Chloe Collins?"

"Um deles pegou a minha arma do chão e... bom! Ele atirou. Não me lembro da cena, mas ainda ouço o zumbido da pistola".

"Ele quem atirou era o Chefe?"

"Ah... é que...", hesitou. "E-eu não..., não sei ao certo".

"E os outros dois?"

"U-um deles mandou qui-qui-que..., limpassem a arma; o outro disse que ia... cuidar das... coisas por ali, isso! E eles mandaram que... o-o que estava comigo... des-desse um jeito em mim..."

"Então... definitivamente, ele não era o Chefe?"

"E-eu...", hesitou. "Creio que não".

"E essa marca nas suas costas", ouve-se um alto arfar. "Quem fez isto?"

"E-e-eu..." snif, snif. "E-eu..."

"Emma, se você sabe quem fez isso, você pode me contar. Não precisa ter medo, nada vai acontecer com você".

Ouviu-se um choro baixo, quase camuflado por trás do bipe dinâmico do multiparâmetro.

"Emma, quem fez isso nas suas costas?"

O choro engasgou-se em soluços; o multiparâmetro apitando desesperadamente.

"Emma, por favor, responda à pergunta".

A legenda das páginas acabava aqui, a gravação, no entanto, perdurou mais alguns segundos, tempo suficiente para os agentes no auditório se agitarem de surpresa. Emma latiu na gravação. Latia e chorava, engasgada, o multiparâmetro aos berros, um som de trinco solavancando próximo ao gravador.

"Por favor, a senhora está incomodando a paciente. Não vê que ela ainda não está recuperada do choque? Queira se retirar, por gentileza".

"Me-me... me perdoem, eu vou indo".

Anna engoliu em seco, pausou o multiplayer e avançou a projeção, três fotografias de papel rasgado, Peter Fiend escrito no primeiro, Raja Richard no outro e T. Hiddleston no do meio.

— Por questões de ética profissional e... bom! Bom senso... a fotografia das costas da Agente Scarlett foi censurada, porém, este foi o nome que o legista conseguiu das marcas que, segundo ele, foram feitas a facadas.

Uma agente nos fundos do auditório levantou o braço.

— É o nome do tal Chefe?

— Subestima-se que sim uma vez que, nem a Agente Scarlett, nem a ré Chloe Collins, foram capazes de nos dar qualquer nome concreto. Se não é o Chefe, com certeza pode nos levar à Ele, assim como esses dois.

— A senhorita Collins não disse nada, mesmo depois de assinado o acordo? — Perguntou outro agente.

— Não. Sempre que lhe questionado sobre quem era Ele, a senhorita Collins dizia: "não queira saber".

— Ao menos não latia... — disse uma voz displicente, perdida em algum lugar do auditório. Alguns agentes acomodaram-se desconfortavelmente em suas cadeiras e Anna debruçou-se no notebook a tempo de ver Jake cerrando os punhos. Ela voltou a apresentação para a página inicial.

— Bom! Sem uma descrição física do suspeito, o tal proclamado Chefe dos Chefes está sob jurisdição dos artigos 33, 121 e 214 do Código Penal; tráfico de substância entorpecente, indução e auxílio de menores ao uso indevido de drogas, ameaça, tortura, sequestro, homicídio em primeiro grau e estupro de vulnerável.

"Há uma ordem de prisão para Peter Fiend e Raja Richard; a polícia civil está à frente docaso, o FBI deverá prosseguir com a arguição. Tudo o que precisamos paradesmantelar a rede e encontrar o Chefe, terá de vir destes dois indivíduos,incluindo a confirmação do nome, pois, ainda que encontremos quem atenda por T.Hiddleston, não há qualquer inquirição que prove que ele é quem está por trásde tudo. É só!"

•••••

Três disparos.

O cano preto e fosco da Glock fumegava discretamente, quando a arma foi guardada no bolso do jeans escuro encoberto pela barra grossa da jaqueta de couro preta. A mulher se virou sobre os calcanhares e deixou o balcão oco de estrutura carcomida, metálica-enferrujada, e dirigiu-se até o taxi estacionado na calçada; o motorista mantinha seus olhos esbugalhados apontados para a rua e as mãos trançadas ao volante.

— Vamos embora — mandou ela, atirando-se no banco de trás e fechando a porta.

O motorista girou a chave na ignição e ameaçou checar o retrovisor.

— Não se atreva! — intimidou-o; ele congelou no lugar ao sentir o gélido cano da arma lhe afoitando a nuca.

— Perdoe-me, Madame! E-eu só estava checando a rua...

— Você é surdo? Eu, por acaso, não estou ouvindo carros por perto, você está?

— Na-não, senhora.

— Então vamos embora!

O motorista afundou o pé no acelerador com mais força do que gostaria, guiado pelo pânico de estar sob a mira de uma arma, e os pneus cantaram, protestando ao freio de mão levantado. Empurrou a alavanca com o peso do braço dominante e o carro derrapou no asfalto, disparando a quinta avenida de Denver em direção à Littleton.

Dispensando o tráfego lento do final da tarde, o motorista tomou a rodovia no quilómetro vinte e cinco, foram cerca de vinte minutos — contando a breve parada na drogaria —, até o taxi estacionar em frente ao edifício descascado, amarelo, a porta de metal aberta para as escadarias. O taxímetro exibia cento e oitenta dólares, ela, porém, deixou o veículo, uma nota de cinquenta dólares no estofado esponjento. O motorista nada disse, apenas agradeceu a viagem e desejou-a um "boa noite", antes de sentar o pé no acelerador, pedindo aos céus que nunca mais trombasse com aquela mulher.

Ela acompanhou o taxi desaparecer na esquina, o motor gritando aos carros e aos pedestres que saíssem da frente. Sufocou discretamente uma gargalhada, ajeitou a jaqueta e avançou em direção à porta aberta, trombando com a silhueta que surgira de repente no final das escadas.

— Jake?

— Emma? — ele franziu o cenho. — Pensei que houvesse sido liberada do hospital com a condição de repousar em casa.

— E-eu... sim! Quer dizer, eu tive de ir até a farmácia para comprar metadona e alguns antibióticos...

Jake abaixou os olhos até a sacola plástica nas mãos dela e Emma encolheu os braços contra o tronco, Jake imaginou que ela estivesse tentando se proteger de sua curiosidade masculina. Ele virou o rosto, sentindo-se um mal caráter.

— Vo-você entrou no meu apartamento? — perguntou a voz trêmula.

— Não! Eu só bati, mas você não atendeu, então...

— Que está fazendo aqui? — Indagou ela com desconfiança.

— É que... eu acabo de sair da agência, Anna fez a apresentação do portfólio hoje.

Emma sorriu à contragosto, ajeitando a jaqueta.

— Creio que deva me preparar para as estúrdias de segunda-feira então —, disse ela com um suspiro, dando a volta em Jake e tomando as escadarias. Ele a seguiu um tanto acanhado.

— Na-não! — protestou. — Anna deixou bem claro que você não estava bem.

— E isso, com certeza, vai impedir que qualquer um deles zombe de mim — estorricou.

Jake engoliu em seco, outra vez tomado por um sentimento de culpa e fereza, e alcançou Emma no primeiro andar. Aguardou-a girar a chave na porta e acionar a maçaneta; Emma o encarou sobre os ombros, um suspiro impaciente engatilhado na garganta. Empurrou a porta — que bateu contra a parede do cômodo apertado — e deu passagem à Jake.

— E-eu estava preocupado com você. Não nos víamos desde o — Emma o encarou muito séria; Jake aquiesceu, engolindo as palavras, e sentou-se no sofá.

— Vou preparar um café. Você, espere aqui!

Emma esticou o braço para pendurar as chaves no gancho atrás da porta, e estas lhe escaparam os dedos, caindo no chão. Não as pegou e também não tirou o casaco ou os calçados, apenas seguiu para a cozinha, os músculos muito tensos, o que Jake estranhou, mas não questionou. Ela parecia inacessível como nunca; ele, porém, esforçava-se em ser compreensivo o suficiente para entender que Emma não estava em seus melhores dias.

Na cozinha, por sua vez, Emma aproximou-se nas pontas dos pés até o armário alto, retirou com muita cautela a arma do bolso e colocou-se nas pontas dos pés para escondê-la atrás do pote de açúcar. Quase o derrubara lá de cima, quando ouviu Jake arrastando os pés.

— Você quer ajuda?

— Mandei você me esperar aí! — Sobressaltou-se ela, o coração pulando no peito.

— Des-desculpe!

Emma cerrou os olhos, apertou o punho contra os lábios e esforçou-se em se acalmar. Inspirou e expirou por diversas vezes, antes de colocar água no bule e acender o fogão. O bajulador não demorou para apitar, e Emma despejou — desnorteada — grandes colheradas de pó de café no coador. O gosto ficara horrivelmente forte, tanto que nem ela ou mesmo Jake conseguiam beber.

— Acho que um pouquinho de açúcar pode vir a calhar.

— A-a-açúcar? Na-não! E-eu não tenho. É... acabou na semana passada, tenho que sair para comprar.

Jake sorriu amarelado.

— Não faz mal, eu agradeço ainda assim — pousou a xícara e o pires sobre a mesinha de centro. — Eu só queria constatar que você estava bem...

— Deve estar bastante decepcionado então...

Emma sorriu, desgostosa, e deixou a xícara. Levantou-se do sofá de frente para Jake e caminhou desalenta pelo cômodo, as mãos agarradas aos braços, os nós dos dedos pálidos e apertados.

Os músculos das pernas de Jake se enrijeceram, embora com muito esforço ele tenha se detido em levantar. Receava assustá-la, pior, intimidá-la. Ele abaixou o rosto, os olhos no chão empoeirado, e suspirou com muito pesar.

— Emma... você não tem que passar por isso sozinha. — Emma soltou uma risada soprada. — Me deixe te ajudar...

— E terça-feira, hum? — ela virou-se sobre os ombros; as sobrancelhas franzidas, os olhos acusativos e vis. — Você estava lá para me ajudar?

— Emma...

— Não estava! — apregoou. — Você não passou pelo o que passei; eu já estava sobrea. Ao menos, o suficiente para senti cada uma das vezes que aquele maldito entrou e saiu do meu corpo; eu... — Emma fungou, tomando fôlego, os olhos avermelhando e umedecendo. — Eu... pensei que fosse morrer.

Emma fungou, a ponta do nariz rosado, as lágrimas escorrendo pelas bochechas inchadas até a mandíbula tensa. Ela engoliu em seco, Jake percebeu, e vagava os olhos pelo cômodo minúsculo da sala. As mãos deslizaram os braços e entrelaçaram-se uma à outra, as narinas dilatadas e serosas. Emma tomou fôlego, os ombros sacolejaram.

— Pe-pensei... que Ele fosse me matar — ela fitou as próprias mãos, — quando... quando O vi com aquela faca. — Emma mordeu o lábio inferior. — Eu preferia que tivesse matado.

— Emma, não fale assim — Jake se levantou; Emma afastou-se para trás. Ela balançou a cabeça.

— Eu sou igual a eles...

— Você não é assim...

— Igual a todos eles! — disse por cima. — O meu corpo pede por mais; as minhas veias doem, eu não consigo dormir — bramiu. — Tenho de me suplantar com metadona e perder a consciência com relaxante muscular, mas isso não é o que eu quero, Jake! Eu exijo metanfetamina, eu preciso de heroína... é isso o que eu quero para conseguir me acalmar, para conseguir um pouco de paz!

Emma tremia dos pés à cabeça; e Jake tremia dos pés à cabeça. Ela arfava ao respirar, o nariz escorrendo junto às lágrimas, as mãos em punho. Ele a observava no mesmo lugar, sem saber o que fazer para ajudá-la; era somente e tudo o que queria.

— Você não sabe como..., como é viver num lugar que era seu, e não é mais. Eu nem posso simplesmente me mudar, porque não estamos falando de uma casa. É o meu corpo; era o meu corpo, e eu não me sinto mais eu mesma. E-eu sou... prisioneira de um corpo que não é mais meu, é d'Ele. — Emma mordeu o lábio inferior e fechou os olhos demoradamente. — Eu não me pertenço mais...

— Emma, eu... — ele ameaçou se aproximar.

— Vá embora!

Emma encolheu-se contra a parede, virou o rosto e abraçou o tronco.

Jake mordeu o lábio inferior, os olhos avermelhando, o nariz franzindo inconscientemente. Ele inspirou erguendo o rosto e encarou o teto, os olhos piscando apressadamente, tentando livrá-lo das lágrimas; ele não tinha esse direito. Expirou com arrulha e seguiu para a porta, as mãos oscilando para virar a maçaneta. Ele saiu deixando a porta aberta e Emma encarou o corredor lá fora de onde estava, forçando as costas contra a parede. Seus joelhos tremiam embaixo do jeans e seus palmos suavam no tecido rígido da jaqueta. Ela cerrou os dentes e prendeu o lábio inferior entre eles na tentativa de segurar o choro. Funcionou a grosso modo.

Emma forçou os pulsos contra a parede para afastar-se desta e caminhou até a porta para trancá-la. Às suas costas, ela ouviu passos muito calmos, quase silenciosos, aproximando-se discretamente. Sentiu um suspiro quente em sua nuca e virou a chave, o solavanco alto cortando o leve soar do hálito.

— Você me magoa quando fala assim... — disse uma voz baixa e penetrante.

— Acredite, não é metade do que você fez comigo...

Suas mãos agarraram-na pela cintura e rumaram para cima, contornando as curvas do corpo dela com a ponta dos dedos, até a gola da jaqueta. Enroscou-se ali e Emma esticou os braços para trás, deixando que Ele a tirasse. As mãos d'Ele fizeram o mesmo caminho até seus ombros e afastaram os vermelhos cabelos para o outro lado, para que pudesse beijá-la o pescoço. Afastou-se meramente para analisar a camiseta branca e muito justa, rastros de sangue fazendo linhas anfiguris em suas costas. Ele a despiu.

Propriedade de T. Hiddleston, gravado ali à facadas, o sangue secando nas feridas reabertas.

— Eu te magoei, foi? — perguntou sarcasticamente.

— Você podia ter me matado! — apregoou.

— Eu tinha de te devolver e não era uma tarefa fácil. Não confio em você, ainda assim, deixei o necessário para garantir o nosso reencontro. Eu sabia que a sua equipe iria te salvar, isso, se não fossem um bando de idiotas... e não eram.

— Eles, e-eles... — Emma engoliu em seco, — vão te encontrar.

— É mesmo? — Emma arfou com a voz d'Ele soprando em seus ouvidos. — E como farão isso?

— Você se entregou... e-eles sabem o seu nome, eu não precisei dizer nada.

— Minha doce, minha linda, minha Emma... ninguém sabe o meu verdadeiro nome, além de você e eu —, disse arrastado. — E quem sabia, creio que já esteja morto há muito tempo. Eu ficaria realmente surpreso se alguém, ainda que do FBI, tivesse qualquer prova ou mesmo suspeitas contra mim. — Ele se aproximou, colando os lábios na orelha dela. — Eu sei apagar os meus rastros, você não percebeu?

Emma arfou, um choro a enlaçando a garganta feito um nó de caminhoneiro.

— Diga-me, Emma... quem é o seu dono?

Ela fungou, franzindo o cenho, a mandíbula muito tensa, ele percebeu com um sorriso sutil nos lábios.

Emma latiu.

Uma risada muito áspera ululou e Ele a agarrou a cintura, encaixando o tronco às costas dela. Quase duas peças perfeitas para se tornarem uma única... quase.

— Que boa garota — disse, o rosto inclinado, o nariz lhe roçando o topo da cabeça. — Mas não é a resposta que eu quero. Quem é o seu dono, Emma?

Ela engoliu em seco, os olhos fechados, a cabeça a mandando calar a maldita boca; o corpo mandando a mente ao inferno, para fazer o que Ele diz.

— É Você... — sussurrou.

— Não, ainda não! — Rechaçou com uma voz rouca. — A quem você pertence, Emma?

Os olhos se fecharam e ela chorou, não conseguia mais se segurar. Sentiu-se imunda, hipócrita, fraca e desprezível. O corpo balançava com os espasmos do choro e ela demorou um pouco para se acalmar. Engoliu as lágrimas, limpou a coriza no pulso e virou-se sobre os ombros, o corpo em seguida. Encarou-O naqueles odiosos, repugnantes e maravilhosos olhos claros e entreabriu os lábios, a voz enroscada na garganta, a cabeça implorando para que não o fizesse.

— Eu sou sua, Thomas William Hiddleston. Chefe dos Chefes..., e meu Mestre.

A voz era fraca e falhada, mas o suficiente para O alcançar os ouvidos. Abraçou-a o corpo, os dedos calejados a acariciando os doces relevos das costas, e parou no extensor do sutiã. A outra mão a pegou pelo queixo, trazendo-a de encontro ao seu rosto. Ele a mergulhou com os lábios, ela o deu passagem com relutância, pouca relutância.

Ele interrompeu o beijo e apoiou a testa contra a de Emma, a ponta do nariz roçando contra o dela. Ele a fitava intensamente e Emma remanchou em abrir os olhos e o retribuir.

— O que houve com Raja?

— Eu o peguei próximo ao colégio Columbine e o joguei dentro da caçamba de lixo. Não acho que vão encontrar o corpo antes da próxima coleta.

— Que boa garota — Ele cofiou seu rosto com o dele. — E o que me diz de nosso amigo Peter?

— Eu o persegui até Denver — ela sussurrou. — Um balcão velho e fedorento aos arredores do ferro velho.

— Você é uma ótima garota!

Ele a mordeu a bochecha, as mãos passeando por seu tronco desnudo, embora todas as rotas o guiem em determinado momento de volta ao sutiã.

— Eu fiz tudo o que Você me mandou. — Ele a mordeu a orelha; Emma arfou. — Me pague agora!

Ele deslizou os lábios pela lateral de seu rosto e a beijou o pescoço, os dentes a agarrando a pele, enroscando o nervo. Emma sentiu um espasmo nervoso e franziu os lábios, contendo o ruído que lhe escapou a garganta quando sentiu uma pressão forte na região. Ele se afastou ligeiramente, a ponta do indicador acariciando a pele vermelha e úmida — que logo estaria roxa —. Ele a olhou nos olhos.

— É meu dever cuidar do que é meu, certo? – disse e tirou-a do chão. Emma cruzou as pernas em sua cintura e O beijou os lábios.

Ele caminhou até a porta do quarto, os olhos fechados desfrutando os lábios dela, os pés não desviaram ou se perderam no caminho, as mãos apalpando-a as nádegas, esmagando-a a carne. Ele se sentou na cama; Emma sobre seu colo, os joelhos dela pressionando-O a cintura.

Ele esticou o braço até o criado-mudo, a mão tateando o móvel em busca da gaveta. A esteira ruiu e a gaveta atirou-se para fora, de lá de dentro Ele pegou uma seringa nova, uma agulha hipodérmica azul e uma pequena embalagem com um pó branquinho e rosado. Emma afastou-se dos lábios dele e virou o rosto, a respiração acelerada, os olhos ansiosos. Tom Hiddleston sorriu.

Emma acompanhou, muito inquieta, enquanto Ele preparava a dosagem. O pó finíssimo deslizando para dentro do tubo, algumas gotinhas de água em seguida para dissolver. Ele encaixou o êmbolo e agitou o tubo, a outra mão agarrou Emma pelo rosto, trazendo-a à força de volta aos seus lábios. Ela o beijou sem arrepsia e com mais talante do que gostaria. Suas mãos agarraram-lhe o terno e amassaram o tecido, antes de o empurrar pelos ombros e, um braço de cada vez, Ele se livrar da veste. As mãos dela, muito fugazes, desabotoaram os botões da camiseta social e abriram-na, expondo o torso. Emma arfou contra seu rosto, os olhos fechados, as unhas o acariciando a pele, do peito até a barriga, agarrando-O pela gravata. Ele não desviou os olhos dela por um segundo sequer.

Emma ameaçou o beijar, Tom entreabriu os lábios, e ela deu para trás com uma gargalhada baixinha e travessa. Ele engoliu seco, um pouco impaciente, e buscou controlar as batidas de seu coração, recusando-se a deixar transparecer que a ansiava, uma veleidade inútil que o arrogou na primeira vez que a viu. Talvez fossem os cabelos pretenciosos, o olhar inclemente, as curvas perigosas de seu corpo, talvez o jeito arrogante. Alguma coisa ali O despertou interesse e luxuria, e não importava os meios, seria seu... até que se cansasse, até que não mais O interessasse, até que encontrasse algo melhor.

Ele afrouxou a gravata, e Emma a tirou. Ele a entregou a seringa e ela agitou o tubo; Ele a fez um torniquete com a gravata no braço esquerdo. Acariciou-a o antebraço, a veia azulada subindo a pele. Ele a beijou demoradamente, acariciando-a com a língua, e buscou na gaveta um algodão e o vidrinho de álcool para limpar a região. Esterilizou a agulha e a encaixou na seringa que recuperou das mãos dela. Mirou-a no braço de Emma e perfurou-a a veia com muito cuidado e precisão para preveni-la de hematomas; acionou o êmbolo, e Emma ciciou, girando o pescoço, deitando a cabeça no ombro d'Ele. Ela observou — salivando — a seringa se esvaziar, o antebraço pesado, a veia um tanto dolorida.

Tom a retirou a agulha com o mesmo cuidado que a colocou, e largou o objeto no criado-mudo. Apertou-a um algodão na dobradiça do braço e deitou a cabeça sobre a de Emma, ela rumorejando palavras inaudíveis. Ele a acariciou as costas, adorava cada uma daquelas feridas profundas que a fizera com todo o cuidado. Os pontos dados pelos médicos ainda estavam ali, embora Ele tenha arrancado cada um daqueles fios de sutura que estragavam sua obra-prima. Emma ajeitou-se em seu colo, as mãos dela lhe acariciavam os braços, então O arrancaram a camiseta. Ela afastou-se, encarando-O nos olhos, e levou uma das mãos às costas para abrir o fecho do sutiã e o arrancar. Ele não teve tempo de a aquilatar, Emma O atirou com as costas no colchão e engatinhou sobre Ele, prendendo-O ali. Tom Hiddleston sorriu.

— Por favor... faça amor comigo, Mestre Hiddleston.

— Peça-Me outra vez, e outra, e continue pedindo... talvez eu possa vir a lhe atender...

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