Capítulo III
I
Esses encontros tornaram-se rotina. Parte de meu dia. - Espera-lo depois do almoço, sentada à janela. - Um sopro de novo para aquela casa tinha sido sua presença. Zelando pelo compromisso, chegava sempre pontualmente na segunda hora. - Dessa forma foram se passando os dias. Ele tinha muitos caminhos para minha casa... - Contudo, algo o afligia. Amargava sua magia. Sei bem, são conceitos estranhos para nós que trilhamos a lexi pura, senhorita, contudo, a magia, como já narrei antes; tem sabor; ela varia. Cada batida é importante para desenvolver seu tom. - Logo, conforme minha rápida evolução, essas suaves ondulações acabavam sendo cada vez mais perceptíveis. Um chocolate amargo, mas não tão forte.
Por ser discreto, não deixava quase nada escapar, senão, naquela primeira conversa. Se existisse um problema, como existia, com certeza envolveria a Guilda. Isso me intrigava. - Deveria ser uma segunda-feira. Dia medonho que ninguém gosta. E deu a segunda hora. O bater o relógio; o tic-tac me deixava estranha. Um sentimento desgostoso pairava no ar. Sentia no estômago uma amálgama, subia para o peito e de novo descia. - Isso agitava meu espírito. Batucava a ponta dos dedos no braço da poltrona sem cessar, seguindo o tic-tac do relógio.
"Hum..."
Odiava atrasos. Pensava demais por isso.
"Helena!"
"Sim, senhorita Marveel?"
"Meu casaco, por favor. Vou caminhar um pouco..."
"Entendido..." Disse, curvando-se solenemente. "Mas o que digo ao senhor Natsu, caso ele chegue?"
"Hum..."
Encarei meu reflexo no vidro embaçado por um momento.
"Diga que... Ah. Não sei. Fale que vou descontar uma moeda a hora perdida hoje!"
"U-uma moeda?"
"Duas se não tiver um bom motivo."
"Não seria muito-"
"E uma do seu se terminar o que iria dizer, sem ser sobre o meu casaco."
Faria? Não. Apenas não queria continuar aquela conversa sem rumo. - Ela foi em um pé e voltou no outro. Vi toda sua pressa pelo reflexo. Em mão tinha meu casaco. Da cor do café-com-leite, bege; o colarinho, igual à um cachecol, tinha vários pelinhos felpudos para me aquecer; assim como nas mangas; e a lapela tinha o brasão da família, obviamente. Levantei-me, virando-me; ergui um braço, depois o outro. Dei uma voltinha, ficando frente a frente com Helena. Botão a botão ajeitou.
"Obrigada."
"Disponha, senhorita Marveel. Vou preparar suas meias e luvas! Um segundo."
"Hum" Eu pensei, olhando o céu cinza-escuro. O inverno estava lá, apenas não nevara ainda, mas o frio já rasgava a carne e arrepiava os ossos. "Agradecida, Helena. Bem lembrado". Repetiu o mesmo processo, na mesma grande velocidade, escapando de meus olhos depois de passar pela porta. Sentada, ela ajoelhou-se e vestiu-me com cuidado. Até as botas trouxe. - Dei alguns chutinhos fracos, ajeitando as botas de couro nos pés, "Como estou?"
"Maravilhosa!"
Entoou com sua doce voz de mãe:
"Deseja companhia?"
"Vou sozinha, Helena. Numa próxima, quem sabe."
Comentei, repuxando as luvas brancas.
II
A Guilda, pelo tempo, carecia de vida. Tão grande era o salão, tornava pitoresca a discrepância, apenas. Olhei para um lado, olhei para o outro. Te vi, mas não o encontrei. Caminhei, busquei pela Strauss; ela não estava no balcão, sim outra. Olhei as escadarias. Devia ter subido! - Tomei marcha para subir as escadas. - Espiei a biblioteca, um ou outro estava lá, subi mais, mas passei direto do terceiro logo para o quarto - pois não teria razão de xeretar os quartos alugados. - O corredor longo, frio, um tanto escuro, vazio, seguia por bons metros intercalado por nada, senão uma única porta de carvalho negro, até virar à esquerda. Grandes janelas à minha direita eram emolduradas por arcos, e mesmo tão grandes, pareciam sugar a luz. Algo estranho pairava no ar. - Por natureza sou sensível às mudanças, e isso, não minto, me preocupou. Passo a passo avancei, pareciam pesados. - Escutava murmúrios abafados, uma conversa inentendivel. À porta pensei em bater, até ensaiei, minha mão ficou erguida sem mover um músculo, não podia, não deveria!...
"Não ouse dizer isso."
Ordenou uma voz velha, intensa e amarga.
Foquei em meus ouvidos tentando escutar mais.
"Tentarei ver sua situação outra vez, mas não posso prometer tanto..."
"Obrigado..."
Disse... Natsu.
"Senhor, será que eu posso-"
"Ainda não poderá. Conversamos sobre isso."
"Compreendo..."
Parecia estranhamente passivo.
"Entenda: estou tentando o que posso."
"E-eu sei. Não disse nada oposto a isso! Mas... O senhor sabe..."
"Por isso mesmo. Vamos manter por hora como estamos, meu filho. Ainda é muito cedo para pedirmos de novo, mas vou tentar conversar com eles novamente numa ocasião mais!... Eh. Oportuna. Talvez esse tempo deve ter posto juízo em suas cabeças!"
O ar prendeu-se nos meus pulmões.
"Apenas fique quieto. Deixe comigo o restante... Olhe para mim, garoto! Ânimo!"
Ordenou igual um general, como um dia já foi. O som que veio de dentro me assustou. Boom! Foi de um soco seco na madeira. Talvez, apenas talvez, quebrou o que fosse. - Tão entretida, nem percebi, uma grande sombra projetar-se sobre mim. Quieta como uma naja esperando eu perceber sua presença, uma pressão aterradora e brutal lançou-se sobre meus ombros de repente, era como mergulhar no mar profundo em dia de tempestade.
"O Grande Mestre está ocupado, senhorita Marveel..."
Proclamou Erza, a Carniceira dos Scarlet. Sua armadura de metal negro fosco cobria todo o corpo menos a cabeça, e refletia de maneira distorcida meu rosto em seu peitoral. Parecia pesada. Era pesada. Digna de uma cruzada. Sua espada tranquilamente mantinha-se presa à cintura, na bainha, onde descansava sua mão. O vermelho de seus cabelos chamavam minha atenção, quase tanto quanto seu olho: o castanho opaco, como se minha presença fosse irritante, perguntavam indiscriminadamente: por que está aqui? Saia da minha frente!
Talvez fosse sua aparência, ou seus cinco pés e pouco de altura que causavam aquele sentimento desgostoso de temor. Por instinto sai da frente da porta, dando-a passagem, curvando-me, homenageando sua pessoa. Já que ela era uma duquesa da família Scarlet, e na época, salvo engano, também a próxima sucessora à matriarca daqueles demônios dos Spik! Não poderia ofender sua figura, por amor à minha cabeça!...
Mas foi interessante, peculiar. Nem havia chegado direito de sua missão, que logo subiu para onde eu estava para aparentemente se juntar àquela reunião entre Natsu e o Mestre. Qual era seu envolvimento nesta trama? - Dúvidas naturalmente intrínsecas ao momento - algo na frieza de seu rosto tinha chamado a minha atenção: num relance vi preocupação; enxerguei medo; e percebi receio. Um misto mascado. - Algo sério estava acontecendo, e no escuro, somente poderia supor; mas pensar causava ansiedade n'alma... Pressupor amargava minha boca. Não podia. Inspirava enchendo os pulmões, devagar soltava pela boca. Deveria ocupar minha mente. Fiz isso. - Fui-me à biblioteca, descendo os lances de escadas passo a passo, eles estavam pesados, meu coração!, sentia peso nele. Bem no peito.
O treinamento tendia a deixar minha sensibilidade ao ambiente bem maior. Opressão. Temor. Terror. Ódio. Miséria. Desejo. Por isso odiava a Guilda. Antro de demônios mesquinhos. Poderia ter menos, mas os poucos deprimiam aquele ar, maculando cada aspecto. - Energia negativa tinha gosto de limão, outras de carne crua. Desprezível. Como piche grudava na pele. - Inspirava e suspirava, concentrada na leitura. Mesmo quando em ambientes caóticos, uma mente limpa, focada, era a única necessidade.
Deve se perguntar, não sei, o porquê fiquei; mas simples e clara, igual ao dia, era a razão: Lisanna tinha dado com a língua entre os dentes, indiretamente dizendo que Natsu descansava na biblioteca. Só poderia esperar lá, pois tinha certeza de ser onde ele poderia ir. - Magos diferem-se pouco de humanos, o hábito se torna imprescindível ao estudá-los, pois é inconsciente.
O tempo se passou, como se nunca tivesse passado um minuto sequer naquela eternidade. A porta se abriu; mas como eu estava longe, de costas, não vi que entrou. Sabia que era ele pelo seu cheiro perfumado bem único. Virei as páginas com mais força para sair mais alto o som.
"C-Carla?"
Sua voz surpresa conseguiu arrancar um pequeno sorrisinho do meu rosto.
"O que tá fazendo aqui?"
"Estudando, não posso?"
"... Pode... Mas... Eh. Perdão... Eu-"
"Não sei o que vai dizer..." Eu comentei, fechando o livro. "Mas deve estar cansado... Não precisa se alongar tanto. Diga o que iria dizer, e só."
"...?"
Parecia uma criança atrevida, sendo pega no flagra com o pote de biscoitos nas mãos.
"... Perdão novamente. Eu deveria ter dito que não teria como dar aula hoje..."
"Realmente. Diferente de ti, meu professor..." Lentamente ergui meus olhos, encontrando-os com os dele. E sorri para ele. "Eu sinto bastante frio. O que acha de irmos?... Aqui não é um bom lugar."
"Não estou tão-"
"Estou te convidando, é rude recusar."
"Mas a aula-"
"Eu vi a Sra. Scarlat hoje..."
Suspirei, levantando-me.
"O que está acontecendo, Natsu?"
Engoliu a seco.
Sua boca se abriu, iria ensaiar alguma fala, mas cortei antes.
"Antes que diga nada, você me ensinou um truquezinho bastante conveniente se não lembra..." Comentei, encurtando a distância. O suficiente para ele não fugir. "Você sabe que eu devo saber algo; não há como mentir, não é?"
Seu sorriso fraco confirmou.
Ergui minha mão buscando seu rosto, mas..., ele negou, fugindo, ou tentando, pois não se esforçou o suficiente, quando busquei-o e puxei vagarosamente. Suas pernas se dobraram, e levei-o ao meu ventre. No conforto do meu calor, senti seus braços rodearem minha cintura, apertando-me. - Seu cabelo selvagem, domei com meus dedos, devagar o afagando.
Mentiras. Verdade.
Palavras, e apenas palavras. No nosso idioma onde nossos corações batiam no mesmo ritmo; quando nossa respiração compartilhava o mesmo ar; me saciava em seu ser; como ele no meu. Devorando os sentimentos um do outro para compreender-mo-nos... Para que palavras? Para que gestos? Se podíamos nos comunicar pela alma? - Novamente sentia sua energia transpassar meu coração; e a minha vagar pelo seu corpo.
III
Fomos para minha casa não muito depois. Nada daquele momento voltou à tona, por não ter lugar, e seria descortês de minha parte, além de inoportuno mencionar. Mas parecia mais calmo, com um sorriso canto, um fraco, pelo menos verdadeiro...
Helena foi célere ao abrir a porta e pegar meu casaco.
Natsu, meu professor, manteve-se um pouco distante, falando pouco, mais acenando, sendo um pouco irritante. Até que:
"Carla."
"Sim?"
"Você andou praticando sem me avisar?"
"Um pouco após as aulas. Teria algum problema?"
Comentei, recebendo minha xícara de café. Sentada na poltrona, ajeitei minhas costas, bebericando do amargo café. Olhava-o de soslaios, pois minha atenção se focava na lareira acesa em boa parte do tempo; na madeira estalando; na chama baixa. Parecia também entretido nela.
"Não... É que melhorou bastante. É até um pouco... Assustador? Em duas semanas já passou de uma Iniciada para uma Aprendiz da Verdade" Dizia com certo orgulho de minha conquista, mesmo um tanto confuso quanto à minha velocidade. "Você realmente nunca tinha estudado; nada?"
"Seria meu talento dando as caras?"
"Até o talento um tem limite"
Seu humor tinha voltado.
"Ou eu que sou incompetente?"
"Quem sabe?... Vai que os Espíritos tenham predisposição a compreender a magia? É uma probabilidade... Mas estou com uma dúvida! Quando vamos iniciar o treinamento de verdade? Sei que tem muita coisa para me ensinar, meu professor..."
"É que eu tinha meus planos... Você meio que me bagunçou todo!"
Riu baixinho, desviando os olhos da chama.
"É... Seu treinamento. Hum. Meio que, como digo?... Eu iria fazer os planejamentos nessa semana para depois da próxima começar" Esfregando o rosto, envergonhado, murmurou: "Sou uma decepção..."
"Se fosse, eu não teria evoluído tanto."
Soltei um suspiro, dando outro gole:
"Todo bom aluno, por trás, normalmente tem um bom professor. E eu tenho um bom professor..."
"Não diga essas coisas! Apenas estou te ensinando algumas coisas."
"Se apenas isso são algumas coisas! Não sei se fico animada ou deprimida com o que seja tudo..."
"Carla, me cortejando assim você não vai ganhar nada, sabe disso, não é?"
"Dizer o que acho agora é cortejar?"
"Forma de dizer..."
"Sei... Ah. Não vai realmente querer nada?"
"Estar em sua presença já me basta..."
"Café então?"
"Sim, por favor. E com açúcar."
📚 Queridos leitores,
Seus comentários e favoritos são como combustível para minha criatividade. Não hesitem em compartilhar suas opiniões e favoritar se estiverem gostando da história. Obrigado por fazerem parte desta jornada literária comigo!
Com gratidão,
Autor ❤️
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro