Mini Contos
Ontem estava sem internet :( por isso vou postar agora, roubando a rede do trabalho kkk.
Jonathan (parte final).
O senhor foi convidado por Jonathan a participar da cerimônia civil/religiosa. Não rejeitou. Quando seus pés o levaram para o prédio naquele final de tarde, não imaginara que terminaria daquele jeito: sentado em uma cadeira de plástico enquanto segurava em uma das mãos um copo descartável com guaraná. Por alguns segundos seu peito encheu-se de algo análogo à alegria. Talvez fosse culpa daqueles 30 convidados que sorriam a todo momento ou, quem sabe, aquele sentimento se devesse à decoração daquele ambiente. Era duro não contagiar-se com o clima festeiro. Apesar de simples, tudo ali demonstrava sinceridade e um desejo real de união eterna. Desde as cadeiras brancas enfileiradas, até o altar sob um arco de madeira tingida de vermelho, tudo inspirava paixão. O homem olhou para os lados, para as mesas onde estavam os lanches, as bebidas e o tão esperado bolo cor-de-rosa; para os vasos de flores, as faixas com frases românticas; para os músicos que ainda ensaiavam o repertório daquela noite... estava tudo tão lindo que ele não acreditou estar mesmo no local onde toda semana lamentava viver uma vida de fracassos e desonras. Em outros dias aquele piso estaria carregado com caixas de papelão e outros tipos de entulhos. Um ambiente cinza e mal iluminado, um prato cheio para possíveis suicidas da região.
Levantou-se do assento que tomara e, admirado com o pôr do sol, andou até a mureta de 1,5 metros de altura que sempre o separara de uma morte rápida e certeira. O céu estava vermelho. Estava lindo... o homem apoiou-se no beiral... podia ver dali toda a cidade. Olhou para baixo, sendo baqueado pelas lembranças daquela vida desastrosa: viu rodas de amigos, mas lembrou-se que nenhum mais tinha; viu famílias felizes deixando com sorrisos o cinema da cidade, mas recordou-se que deixara a muito a sua própria; viu trabalhadores a caminho do lar, martelando os volantes, exaltados com a morosidade daquele transito engorgito, sentiu inveja daqueles homens que eram um nítido alvo às flechas da depressão. Digo, ele também era constantemente violentado por esse demônio do século XXI, mas diferentemente daqueles, este sofria e ainda era mencionado no bairro pela alcunha de "vadio". Sentia nas costas o peso de uma existência vazia. Não tinha mais ninguém por quem lutar... Ao menos se saltasse teria alguns segundos de puro êxtase até chagar ao solo e tudo findar. Não precisaria mais vestir aquele terno e participar de entrevistas de emprego que na certa seria rejeitado, nem esconder-se dos credores ou arriscar-se com gatos para não tomar banhos gelados; nem mais iria precisar encher a cara com cachaça para apagar da mente todos os fantasmas do passado que jamais o deixaria dormir em paz. Bastava uma dose de coragem e nunca mais choraria. Apoiou-se na ponta dos pés quando uma brisa tocou sua face. Encheu de ar os pulmões e deu impulso com o braço uma, duas, na terceira vez iria deixar o corpo descer rumo ao alivio eterno. Daria fim àquele inferno. Não queria nunca mais acordar no meio da noite. Nunca mais seria assombrado pelos remorsos de um passado de erros. Fora um monstro outrora, e agora a solidão era seu castigo. Não tinha mais motivas pelo que lutar. Morreria ali e na manhã seguinte ninguém lembraria o seu nome. Memorou ali uma frase que sua mãe dizia "filho, amigos não estão dentro de um bar. Nesses lugares você só encontrará 'cadáveres-vivos' cheirando à morte"... Fechou os olhos, sussurrando a si mesmo a culpa que sentia por ter insistido em aceitar conselhos daqueles que não mais queriam que seu dinheiro e boas rodadas de cerveja. Agora estava decidido. Seria o fim.
"Olá. É você mesmo? Digo, você está muito mudado. O que houve, pintou o cabelo?" Disse um senhor vestido com camisa verde oliva, repousando uma mão sobre o ombro do senhor elegante enquanto também admirava os milhares de peixes que nadavam contra a correnteza daqueles emaranhados de rios de asfalto e pedras. "Por onde andou esse tempo todo?".
O coração do pretenso suicida acelerou dentro do peito. Olhou para o homem ao seu lado e o reconheceu. Lembrava-se daquele rosto. Claro, da última vez que o vira, o verde oliva não tinha tantas rugas na face nem mais fios grisalhos na cabeça que castanhos, mesmo assim o reconhecia e tinha boas lembranças. O teria abraçado, queria muito isso, mas conteve-se. Precisava àquele momento ser forte e macho, como aprendera a ser. O teria abraçado sim. Esta ara a primeira vez que um fantasma do passado não surgia apenas para atormentá-lo, mas dar reconforto e novas perspectivas.
"Estive em lugar nenhum. Tava perdido..."
O senhor de verde oliva assentiu com um gemido concordado.
"Mas agora achou o caminho das andorinhas?" Disse, segurando o homem pelo pulso e o puxando para longe daquela vertiginosa visão. "Rapaz, você pode ser uma andorinha, sabe? Mas se lembre, Cara, você não tem asas".
O senhor sorriu, enfiando as mãos no bolso. Lembrou-se de todas as vezes em que subiu até aquela cobertura esperando entregar-se aos braços de Dona Morte. Como fora tolo, refletiu sem nada pronunciar. Olhou para o altar. A marcha nupcial começou a tocar em definitivo. A noiva estava em todo branco, segurando um buque de flores e era acompanhada por um velho chorão. O olhar do pretenso suicida desviou da noiva para o rapaz que tremia sobre as pernas e deixou a face tomar-se de contentamento.
"Encontrei sim... Encontrei meu caminho" respondeu andando em direção ao elevador.
O Verde Oliva segurou mais uma o homem pelo pulso, o fazendo retroceder o olhar.
"Não assistir o casamento do garoto?"
O senhor elegante tirou de um bolso interno do paletó uma caneta e um pedaço de papel. Apoiou o cartão de papel sulfite na mureta e digitou algumas poucas letras e números. Seu recado não precisava de muito para serem ditas. Escreveu e entregou àquele de verde.
"Entregue isto ao menino... Só entregue isso a ele..." pronunciou e seguiu andando rumo à saída.
"O que falo pra ele?" O Verde gritou.
O senhor elegante entrou na caixa de metal.
"Você me conhece. Siga seu coração" as portas começaram seu movimento, uma indo de encontro à outra, ocultando mais e mais o passageiro que ainda moveu os lábios mais algumas vezes, mas as palavras já haviam se tornado inaudíveis, perdidas no ar e carregadas pelo vento.
O homem de verde não precisou ouvir para compreender. Olhou para o cartão que fizera o anteriormente pretenso suicida. Era um endereço e um convite para tomar um café. Olhou para trás. Estavam acontecendo juras de amor eterno... "Amor eterno"... Será que realmente isso existia, pensou, voltando para a cadeira. Queira Deus que exista, esse menino merece ser feliz. Secou uma lágrima. Depois entregaria o cartão. Não sabia o que aconteceria dali em diante, mas torcia para que todo tipo de amor fosse realmente eterno.
*****
Caro leitor, após o casamento, Jonathan aceitou o pequeno papel das mãos do homem de verde oliva. Prometeu a si mesmo que breve iria visitar o tão simpático homem que conhecera na tarde do casamento. Mas passaram-se os dias, as semanas, o mês e ao final o plano prioritário tornou-se secundário. Na correria do dia-a-dia ficou difícil cumprir sua promessa. Mas 50 dias depois do matrimonio o destino lhe soprou a verdade. Um cochicho no ouvido. Um esclarecimento amigo.
Bom, isso ocorreu na madrugada em que Jonathan se pegou sonhando com a última vez em que foi beijado pelo pai, estava na cama, deitado ao lado de Maria. Despertou com um sorriso no rosto e urgência na face. Eram três da manhã, mas isso não o impediu de saltar da cama com destreza e pegar o cartão de sulfite que jazia esquecido no fundo de uma gaveta. Estava sonolento, mas isso não impediu de acordar Maria e junto dela, sem nada explicar, com ela dirigir meia cidade, até um bairro modesto e mal iluminado na periferia do município. Desceu do veículo e bateu palmas diante de um portão de ferro salpicado de manchas marrons. Não tinha certeza se seria atendido, mas precisava tentar.
No sonho Jonathan era um importuno observador dentro de um quarto. Ali podia ver poucos móveis velhos iluminados por fachos de luz que emanavam dos postes na calçada e invadiam o quarto através da janela que ficava logo acima da cabeceira da cama de solteiros onde dormia placidamente um menino. Menino gordinho, bochechudo e feliz. A porta do quarto se abriu, permitindo que uma luz mais forte invadisse o cômodo. Era um homem, Jonathan o podia ver, mas a imagem estava turva demais para ser reconhecida. O homem aproximou-se da cama... Arqueou-se sobre o garoto branquelo e o menino que supostamente dormia sorriu escondido...
*****
Maria desceu do veículo. Estava temerosa. Não gostava daquela vila de muros pichados e gangues nos becos. Mas precisava estar ao lado do marido. Alguma coisa estava acontecendo. Alguma coisa séria tirara seu esposo dos braços de Morfeu e o levara madrugada à dentro atrás de algo misterioso.
Demorou alguns segundos de pura aflição e batidas de palmas para que as luzes da casinha enfim acendessem. E mais outros segundos intermináveis até que a porta se abrisse... Jonathan não segurou as lágrimas. Como pudera esquecer aquele rosto, como pudera?!
"Nunca desista dos seus sonhos", foi o que o pai do menino disse após estalar o último beijo em sua testa antes de sumir no mundo. "Eu sou um nada, um escroto, mas você é bom e corajoso, meu filho. Papai vai, mas um dia volta".
O homem do elevador surgiu, com os cabelos desgrenhados e um sorriso na face.
Jonathan não esperou nada mais. Abraçou aquele homem como sempre sonhou abraçar. Não sabia nem queria saber o que levou seu genitor a sumir... Isso não era assunto para um reencontro... Não precisa pronunciar e nem ouvia palavras de consolo... Tudo que Jonathan queria e carecia era dos braços quentes de um pai... O seu pai!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro