Capítulo XIX
LIA
Descemos os últimos degraus da longa escadaria que nos levava até o porão. Alec está ao meu lado, analisando todo lugar, em busca de algum inimigo. Avancei pelo corredor comprido de pedras e não penso duas vezes antes de abrir a única porta de metal. Meu coração parou ao ver a mulher segurando minha filha. Seus olhos se arregalaram com a nossa presença o choro preenche toda a sala úmida e sei que ela deve estar faminta.
— Margery, certo? — questionei, dando um passo para dentro e fazendo-a recuar.
— É melhor se afastar — mandou, olhando-me com medo.
— Ela é minha filha — declarei, sentindo a respiração do Alec em meus cabelos. Ele cutucou minha coluna discretamente e entendo perfeitamente o que ele está planejando. — Me entregue ela e poderá ir embora — avisei, esticando a mão. Ela me olhou com desconfiança e piscou longamente, incomodada com o choro alto do bebe.
— Se eu entrega-la, vocês me mataram — rebateu e neguei com a cabeça.
— Eu prometo que nada acontecerá com você — murmurei, tirando o punhal da minha cintura e colocando a vista. — Viu, eu só quero minha filha — contei, forçando um sorriso.
— Jogue-a para mim — mandou ela, sabendo o que posso fazer com aquela arma. Fiz o que foi pedido, seus olhos seguiram a lâmina até o chão e antes que ela pudesse piscar, Alec segurou seu pescoço. Ela engasgou, soltando a criança e a peguei no ar com facilidade. — E-Espere! — Ouvi ela pedi, mas não me virei para encara-la. Me foquei na pequena criança em meus braços. Seu choro parou e sorri quando ela segurou uma mecha solta do meu cabelo.
Me sentei no chão, escutando o som de ossos sendo quebrados e os gemidos abafados da Margery preencher o lugar silencioso.
— Está tudo bem — murmurei, passando o polegar pelas suas bochechas gordas e pálidas. Seus olhos negros me encararam de volta e chorei quando ela sorriu para mim. — A mamãe está aqui — cochichei, sentindo as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas.
Os gemidos pararam. Levei o dedo indicador à boca e o mordisquei, fazendo sangrar. Coloquei o machucado sobre seus lábios pequenos e a senti chupar meu dedo, se alimentando do meu sangue. Alec se ajoelhou ao meu lado, fazendo seu corpo frio me abraçar. Ele acariciou os cabelos finos da criança.
— Ela parece com você — disse ele, fazendo-me sorrir e encara-lo.
— Conseguimos — sussurrei, umedecendo os lábios e sentindo o sabor salgado das minhas lágrimas. Alec confirmou com um murmúrio lento.
Ela soltou meu dedo, quando a pequena ferida se curou. Estava pronta para fazer o mesmo processo, quando um gemido me deixou paralisada. Me forcei a olhar para cima e me assustei ao ver Benna, acorrentada de cabeça para baixo, presa em grades de ferro.
— Você não mudou nada — disse ela com dificuldades. Sua voz está arranhada e analisei a magia negra marcando sua pele pálida e seus olhos. — E ainda está viva! — Ela forçou um sorriso, revelando seus dentes podres. Olhei ao redor, segurando minha filha com força e vi todas as intocadas no mesmo estado que a Benna.
— Vamos embora — avisou Alec, fazendo-me encara-lo.
— O Deus Caído quer todas — lembrei, encarando seus olhos vermelhos. — Não as façam sentir mais dor — declarei, forçando-me a levantar. O bebe remexeu e abracei com cuidado. Alec olhou ao redor.
— Espere-me lá fora — mandou e sai sem retruca-lo. Eu não quero ver isso, ver as garotas com quem cresci completamente usadas e destruídas.
Assim que sai da mansão, notei que tudo havia acabado. Vários corpos eram arrastados para apenas um lugar, para serem eliminados.
— Lia! — Marco se aproximou aliviando por me ver.
Me sentei nas escadas, colocando o bebe em meu colo e permitindo que Marco a conhecesse. Ele sorriu, sentando a meu lado.
— Ela é muito bonita — elogiou, segurando o pequeno pulso e o acariciando com cuidado. Levantei a cabeça quando senti o Liam se aproximou com passos cautelosos. Ele vestia apenas uma bermuda surrada.
— Obrigada, Liam — murmurei. O homem alto apenas sorriu e confirmou com um aceno. Ela se remexeu, chateada com a posição. A peguei nos braços, levando mais uma vez o dedo indicador mordido para ela se alimentar. Ela ficou calma e senti a mão do Marco acariciar minhas costas.
Fiquei parada ao ouvir os passos do Alec atrás de mim. Liam avisou que precisam de tempo até fazer a limpeza total. Não podemos deixar rastros. Ele partiu para ficar com os outros, nos deixando sozinhos.
Olhei para o céu, minha magia da noite ainda continua e está frio. Respiro fundo, sabendo que não tinha muito tempo.
— Como vai chama-la? — perguntou Marco, assim que Alec sentou ao meu lado.
Meu olhar correu para o seu, ele me analisou com cuidado, a espera de uma resposta.
— Morgana — declarei, deixando-o surpreso. Alec engoliu em seco.
— Tem certeza? — questionou, colocando uma mecha de cabelo solta atrás da minha orelha. Sei o quanto aquele nome significa para ele, seja para lembranças boas ou ruins. Mas homenagear sua irmã mais nova parecia o certo para mim.
— Combina com ela — comentei, fazendo-o sorri.
— Obrigado — sussurrou ele, sem esconder a gratidão. Se ele demonstrasse ser mais humano quando estávamos juntos, isso nunca estaria acontecendo. Mas seu sorriso logo morreu quando o vento parou de sobrar e a temperatura caiu abruptamente. — O que é isso? — Marco e ele perguntaram ao mesmo tempo, levantando e ficando em alerta.
Todos os outros ficaram paralisados, notando que algo estava errado, que algo estava chegando.
— Marco. — Levantei com rapidez, meu tempo tinha acabado. Marco me olhou com preocupação e arregalou os olhos quando coloquei o bebe em seus braços. — Cuide dela, por favor — pedi, deixando-o mais confuso.
— O que? — questionou, encarando o Alec atrás de mim.
— Lia, o que é isso? — Alec segurou meus ombros, forçando-me a encara-lo.
— A segunda parte do acordo — contei com a voz trêmula. Seu aperto aumentou e vi o desespero em seu rosto. — Alec, ela vai precisar de você — declarei com firmeza, segurando seu braço. — Sei que você nunca me amou, mas tente ama-la está bem. Ela é sua filha, vai precisa de carinho e afeito. Ela vai querer se amada, principalmente pelo pai dela — Seus olhos se mexiam e piscavam rapidamente.
— Com o que você concordou? — exigiu, travando o maxila.
— Apenas prometa para mim, que vai ama-la — mandei, sem tirar os olhos dos seus.
— Lia, com o que você concordou? — insistiu, com o tom mais suave dessa vez.
— Me prometa! — gritei, forçando-o a se calar.
— Eu prometo — disse ele, respirando com força. O soltei, contente por ver sinceridade em seus olhos vermelhos. — Lia, o que você fez? — Sua voz estava arranhada.
— Eu fiz o que era preciso — murmurei, fazendo-o me soltar. — Fiz o que deveria ser feito para protegê-la. — O bebe chorou e meu coração automaticamente se partiu. — Eu não tinha escolha.
— Com o que você concordou? — Exigiu, se alterando e fazendo o choro da nossa criança aumentar.
— Abri mão do meu corpo — confessei, roubando todas as suas palavras e a lembra da conversa com o Deus Caído queimou em minha mente.
~*~
Seu toque parece gelo e solto sua mão segundos depois. Analisei seu rosto pálido, sentindo-me usada. Toda a minha vida será assim? Alguém sempre estará me manipulando?
— Qual é o outro favor? — questionei, sem consegui esconder a voz trêmula.
— Sabe minha criança — começou ele, inclinando a cabeça. — Como você pode ver, estou preso nesse mundo, sem poder ir cobrar os favores que todas as vidas me prometeram. Eu estou faminto e preciso recolher cada um deles. — Outro sorriso se formou em seus lábios.
— O que quer dizer? — Franzi a testa. — Deseja que eu os cobre em seu nome? ¾—perguntei, encarando seus olhos sem vida.
— Não. Não. Não minha criança — repetiu alargando o sorriso. — Eu mesmo irei até eles.
— Mas você está preso aqui — critiquei.
— Só estou preso, porque não tenho nenhum corpo que possa me manter em seu mundo — apontou, fazendo meu estômago se revirar. — Corpos que sejam capazes de me manter no mundo matéria por longo tempo — disse, me fazendo desviar os olhos.
— Você quer a minha vida! — murmurei, sem acreditar nas minhas próprias palavras.
— Eu não quero a sua vida, eu quero o seu corpo — corrigiu de forma lenta. — Seu lindo e belo corpo. O que possui a magia e a imortalidade. Um corpo inumano para suportar minha alma —contou e me forcei a encara-lo.
— Mesmo assim, eu não estarei vivendo — rebati e ele apenas ficou calado, me olhando, me avaliando. — Por quanto tempo você terá o meu corpo? — perguntei, sentindo minha garganta se apertar.
— Isso é algo que não posso negociar — declarou e reprimi as lágrimas de descerem.
— Eu não poderei ver minha filha crescer — comentei, sentindo minha visão ficar turva.
— Não — ele diz de forma seca.
— Por que fez isso comigo? — critiquei, sentindo meu peito se apertar e meu coração quebrar.
— Eu precisava escolher alguém — respondeu com calma e corpo imóvel.
— Então é isso? — Chorei, piscando rapidamente, me focando em seu rosto.
— É isso!
Gritei quando ele se aproximou em um piscar de olhos e mordeu o meu ombro. Marcando-me. Selando nosso maldito acordo.
~*~
— Já está feito — puxei a camisa, mostrando a marca que queimava minha pele. Alec a encarou sem palavras. — Não me procurei. Não tente me encontrar em hipótese alguma. Eu não sou sua prioridade, não se esqueça disso. — Sua atenção correu para o bebe nos braços do Marco, que me encarava perplexo e tristes. — É ela que precisa de você, não eu.
— Mas... — Ele tentou, mas o interrompi.
— Se você magoa-la ou decepciona-la, eu juro pela Deusa que volto para matar você, Alec — ameacei. — Seja um bom pai para ela. — Foi tudo que consegui dizer, antes de sentir a mão gelado tocar meus pescoço e me levar para a escuridão.
~*~
ALEC
Analisei o vazio. As terras quente e seca que nos rodeava. Ela foi embora. Tentei mover meu corpo, mas o sinto paralisado, encarando o vazio, esperando que todo não passasse da porra de um pesadelo.
— Alec? — A voz do Marco me chamou, mas foi o choro que me deu forçar para me virar na sua direção. A peguei dos seus braços, sentindo seu corpo frágil. Encarei seu rosto com o único olho bom, notei seus traços familiares e o som do seu choro.
— Não chore minha querida — pedi, abraçando-a com cuidado e sentindo o cheiro dos seus cabelos finos. — Eu vou cuidar de você — murmurei, sentindo seu pequeno coração bater com vida. — Farei de tudo por você. — Beijei seus cabelos, sentindo-a se mexer. — Eu vou amar você.
As palavras preencheram meu coração e um calor estranho o abraçou.
— O que vamos fazer? — perguntou Marco, depois de longos minutos em silêncio.
Imaginar voltar para aquela mansão estava fora de cogitação.
— Vocês podem ficar conosco — Liam declarou, chamando nossa atenção. — Se assim desejarem. — Seus olhos negros correram para o Marco, ele sorriu e concordou com um aceno simples. Sua atenção caiu sobre mim, à espera de uma resposta.
— Obrigado — concordei, fazendo um sorriso crescer em seus lábios. Puxei a criança, me permitindo olhar para seu nariz empinado e seus olhos castanhos. Ela puxa meu cabeço, tentando-o colocar na boca. — Vamos para casa, Morgana.
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EPÍLOGO NO PRÓXIMO CAPÍTULO
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