As Peças que se Movem nas Sombras
A ficha extensa com transcrições bastante minuciosas das transgressões do homem se revelaram no invólucro — dentre as cartas, relatórios e observações pertinentes havia uma fotografia do alvo com um sorriso vaidoso e perverso de alguém convencido de estar acima do bem e do mal. Seu padrão atende tipos específicos de indivíduos; os malignos, os predadores, os de espírito podre e os que corrompem a ordem. Para deter o mal, um mal ainda maior era necessário para contê-lo. Dessa vez, no entanto, tinha um ímpeto pessoal empregado, uma vontade egoísta que desejou se consumir nela. Se pudesse, ainda que por um efêmero segundo, veria as cores que vibravam ao redor de si e interpretar também suas emoções.
Que cores ele teria naquele momento?
Herdeiro de herança antiga, de gerações nobiliárquicas, Robert Grant se apoiou em atividades paralelas e ilícitas para manter sua fortuna, já escassa, e ainda frequentar, sem julgamentos, os meios sociais na qual gente tão viciada em prazeres supérfluos quanto ele se exibiam. Dentre tais incluía fraudes e a mancha principal vinha do sequestro de mulheres, usualmente de senhoras pobres que residiam na periferia de Londres, porém dois meses antes duas damas nobres desapareceram e o olhar se recaiu sobre essas ocorrências, o que gerou um estado de alerta total para ocultar provas.
— Exatamente por isso que deve resolver esse problema. — a voz da Viúva Carmesim soava dura e sem rastro de emoções, sempre compenetrada no objetivo. — E então fará?
— Verei quais as cores dele primeiro. — Jack respondeu com ar enigmático e divertido.
A Viúva Carmesim levantou, sem interesse, indo pelo caminho contrário ao que chegou. Jack bebeu o restante do chá enquanto, em uma breve conclusão, optou por uma resolução breve e sem grandes expectativas. Sendo o noivo da senhorita Bennet, poderia garantir acesso ao seu meio se utilizando do fato de ser amigo do pai dela. Talvez se disfarçar para ter uma aproximação mais sutil, eram muitas opções a considerar em um curto espaço de tempo.
Ajustando o chapéu, Jack se encaminhou para mover as peças do seu mais novo serviço. Contudo, uma voz, entrecortada e brusca, interrompeu seus planos, inserindo mais um contratempo que atrasaria sua interceptação. Margareth o mirou com os grandes olhos castanhos, balançando as pestanas como se estivesse suportando um incomodo desejo de chorar, e soltou todo ar que prendera em meio a corrida. Entre arfadas sôfregas, ela balbuciou palavras desconexas e sentenças que mal podiam ser assimiladas sem uma atenção minuciosa e paciente. A cor que ela exalava, um tom instável e amedrontado, era um cinza ligeiramente alaranjado, uma amostra da desesperadora aflição — a genuína preocupação que a coloria de um modo único.
— Senhor Smith, por favor, me diga — tomou uma pausa fugaz para reaver o fôlego. — Você viu a Ellie? Estou atrás dela a manhã toda. Ela costuma vir tomar chá com o senhor, não é?
— Sim, mas ela não veio hoje.
Os ombros de Margareth desabaram com a notícia, desconsolada e desorientada demais para elucidar uma razão coerente para o estado de sofrimento que sua fisionomia chorosa apresentava. Esperava, com ínfima esperança, que ambos estivesse juntos para que os pensamentos tenebrosos e assustadores não a consumissem em teóricas macabras sobre o destino de sua melhor amiga. Ela esquadrinhou a rua, mapeando as possíveis localidades pelo qual Elizabeth passava durante suas curtas viagens matutinas, não muito confiante sobre os procedimentos básicos e permitiu que as lágrimas rolassem pelas bochechas aquecidas pelo exercício anterior.
— Combinamos ontem de nos encontrarmos em casa — esclareceu, tocando a testa. — Pelo que me informaram, ela saiu tarde do escritório por conta dos assassinatos da região. O caminho não é tumultuado ou problemático para atravessar... Esperei a noite toda pela chegada dela...
— Isso não é do feitio dela. — Jack ponderou, entregando um lenço para Margareth poder enxugar as lágrimas que ela aceitou de bom grado.
— Ellie me contou um pouco sobre a investigação do Mistério de Tâmisa, sobre como os alvo, em sua maioria, eram mulheres. Você sabe como ela se apega a esse tipo de coisa... — arrumou a mecha que se soltou de seu elaborado penteado. — Temo que tenha mesmo acontecido algo a ela. Por favor, senhor Smith, pode me ajudar com a busca? — o timbre dela minguou para um murmúrio inconsolável. — Fui em todos os lugares possíveis e nada...
— Ela comentou sobre algum incidente recente? — Jack indagou montando uma linha de raciocínio para estabelecer precedentes.
— Não. — suspirou longamente. — Os únicos assuntos debatidos fora esse e... — as feições de Margareth se iluminaram pela autoconsciência e uma compreensão quase incapacitante. — O casamento. Ela disse para conversar com o Bobby, quero dizer, o Robert, sobre cancelar os preparativos. Nós conversamos muito sobre isso. De tarde, decidi por um ponto final nessa história, Robert veio até minha residência e terminamos o compromisso... Ele ficou tão estranho.
— Estranho? — o ar ao redor de Jack se tornou pesado e seu semblante plácido substituído por um sombrio. Margareth mal notou a diferença enquanto se aprofundava mais em divagações e o pânico que se assentava em sua voz, gerando mais medo no coração da mulher.
A mulher estremeceu com a simples hipótese de existir uma relação entre o término e o desaparecimento de Elizabeth.
— Eu não sei explicar. Ele não ficou violento, nem elevou a voz tampouco agiu com revolta... Ele parecia muito calmo, amedrontadoramente calmo. — suspirou imersa na lembrança e nos sentimentos retroativos. — E ele foi embora. Ele e a Ellie não exatamente se ligavam... A própria Ellie deixou claro que não simpatizava com ele.
— Conversou com o seu pai?
Margareth negou com a cabeça.
— Retorne e converse com ele. Ele saberá o que deve ser feito.
Assim que terminaram a conversa, Margareth partiu ainda mais desamparada, as lágrimas escorrendo livremente e seus passos se apertaram. Ela não se despediu, não proferiu mais nenhuma palavra e nem mesmo Jack conseguiu proferir consolo adequado para seu coração afligido. O cavalheiro seguiu para seu caminho, ciente de como iria abordar a ocorrência e para onde deveria ir.
Jack meditou sobre como aquele caso em específico seria muito mais pessoal que um prazer mundano, fitou novamente a fotografia de Robert Grant e imaginou o que poderia ver e sorriu com presunção maquiavélica.
O sol repousava sobre o horizonte com o cair da tarde e o nascer da noite, fria e perigosa, que se abatia sobre todos.
As cortinas se abrem para um novo espetáculo afinal.
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