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De olhos fechados, sinto o sol tocar cada pedaço de pele exposta.
O paraíso existe e o nome dele é Búzios. A cidade é ponto turístico certeiro de muitos, principalmente no fim do ano. Mas são poucos que podem se dar ao luxo de deitar em uma espreguiçadeira na área externa de uma pousada de luxo, de frente para o mar azul e tranquilo, com uma taça na mão e um livro na outra, sabendo que o único trabalho que tem é garantir um bronzeado que contraste com o perolado do vestido que vai usar na virada do ano.
A vida é difícil para algumas pessoas. Eu realmente não sou uma delas.
Confiro se o biquíni continua no lugar e volto a encarar a paisagem de tirar o fôlego à minha frente. Os pequenos barcos que levam turistas aos passeios nas ilhas ao redor colorem o mar e, ao longe, montanhas cobertas por uma vegetação verde faz com que o horizonte ganhe uma coloração muito mais interessante. A faixa de areia é extensa e branca e me faz ter vontade de dar uma volta pela praia.
É o que decido que vou fazer pelo resto do dia.
Depois de um banho rápido, decido por uma passada no restaurante do hotel para um almoço leve antes de me aventurar por aí. Estou com a atenção presa no celular, em meia dúzia de e-mails que me fazem torcer o nariz, e assim continuo quando um garçom se aproxima.
— Vou querer uma salada de grão-de-bico com atum, por favor — peço, rolando a tela do celular.
Tenho certeza de que solto um resmungo irritado para mim mesma, lendo baboseiras sem fim no e-mail aberto. O calendário marcando 29 de dezembro e existem pessoas com a capacidade de achar que vou me dar ao trabalho de tentar resolver qualquer pepino. Férias, caramba. Fora que trabalhar na empresa da família deveria fazer minha vida ser mais fácil, não o contrário.
— Sim, senhora — o garçom responde alguns segundos mais tarde.
Murmuro um "obrigada" e preparo-me para me desculpar pela falta de educação, mas distraio-me porque logo meu celular toca, mostrando o rostinho bonito de Nicole.
— Boa tarde! Ficou com saudades da sua irmã preferida? — atendo.
— Eu sou sua única irmã. Tecnicamente você é a que eu menos gosto também — responde sem qualquer humor, e eu recosto na cadeira.
— O que eu fiz agora?
— Nada. Ainda. Mas preciso da sua ajuda — diz, parecendo um tanto nervosa.
Espero que continue, porque não estou entendendo nada. Ela suspira do outro lado da linha.
— Papai está insistindo para conhecer meu namorado — diz, soando um tanto desesperada. — Preciso que o faça mudar de ideia.
— Eu não — respondo. Isso parece enfurecer ainda mais minha irmã; ouço-a respirando fundo. — Já passou da hora de apresentar o príncipe encantado do seu conto de fadas à família. Nem para mim você apresentou esse tal Bernardo, Nic. Estou magoada.
Meu tom dramático disfarça a verdade por trás das palavras. Nicole é quatro anos mais nova que eu, mas sempre foi minha melhor amiga. Seja lá qual fosse a insanidade que eu estivesse aprontando, ela era a primeira a saber. Agora ela está namorando esse cara misterioso por quase um ano e o mantém escondido de mim. Absurdo.
— Lola, por favor — implora com a voz chorosa. — Você sabe que a mamãe vai transformar isso num evento fora de proporções. Eu sei que preciso apresentar o Bê pra vocês em algum momento, mas não ainda, está bem?
Solto um gemido e abaixo a cabeça, tocando a mesa com a testa.
— Tudo bem — concordo, sabendo que há uma chance maior de papai me ouvir; não sem que eu tenha que dar alguma coisa em troca, mas com essa parte já estou acostumada. — Você fica me devendo uma.
— Não estou te devendo nada, sua folgada! — reclama.
Sinto uma movimentação ao meu redor e tiro a testa da mesa para agradecer quando ouço o som de algo ser colocado na mesa. Mas, ao invés da minha salada, vejo um copo de vidro, alto, com gelo e um líquido âmbar até a boca, e uma rodela de limão na beira do copo. Sinto o cheiro adocicado familiar do meu drink favorito e franzo o cenho.
— Nic, te ligo mais tarde.
Viro-me para dizer ao garçom que não pedi um Long Island, mas ele não está mais por perto. Olho ao redor, mas o restaurante está praticamente vazio. Então, vejo um pedacinho de papel dobrado ao lado do copo, com a ponta molhada. Desdobro o papel e reconheço a caligrafia de imediato.
Meu coração dispara e para de bater, tudo ao mesmo tempo. Prendo a respiração, sem motivo nenhum. Percorro o polegar pela frase escrita em caneta azul e aperto os lábios, engolindo em seco.
Pelos velhos tempos, ruivinha.
O apelido atinge meus nervos. Todos eles, de uma vez só. Era assim que ele me chamava, com uma voz carinhosa e divertida, no pé do meu ouvido, deitados debaixo da Flamboyant do meu jardim, tarde da noite, escondidos de todo mundo. Era geralmente a última coisa que eu ouvia antes de dormir, nas noites em que fugia do meu quarto e me embrenhava no dele, ou o contrário, rezando para papai não descobrir.
Foi assim por muitos anos.
Até que não foi mais.
Quatro anos. Faz quatro anos desde a última vez que o vi, mas provavelmente apenas quatro minutos desde a última vez que pensei nele. É por esse motivo que simplesmente odeio Miguel. Ele não tem direito de ocupar minha mente dessa forma. Não tem direito de ficar na minha vida tanto tempo depois de ter ido embora. Não tem direito de ser o único maldito homem que já amei na vida.
Definitivamente não tem direito de lembrar minha bebida preferida.
Levanto-me e olho ao redor. Há poucas pessoas aproveitando um almoço tardio e não consigo ver aquela cara irritante dele em mesa alguma. O que Miguel poderia, em nome do sangue do Cordeiro, estar fazendo aqui? Ele sempre odiou esse tipo de lugar. Sempre odiou esse ambiente de "riquinho mimado que vive de aparências". Foi isso, afinal, que ele gritou na minha cara alguns dias antes de me dar o pé na bunda mais bonito que já recebi na vida.
Com a garganta apertada, saio batendo pé do restaurante. Deixo a bebida intocada em cima da mesa, saio do restaurante e sigo até a entrada, alcançando a hostess do lugar, uma garotinha com sorriso estático no rosto presa dentro de um vestido preto muito bonito no seu corpo.
— Boa tarde, querida — cumprimento, apoiando-me no balcão. Recebo um aceno em resposta. — Você poderia me informar se Miguel Souza está hospedado aqui?
Ainda com o sorriso fixo no rosto, ela pisca alguma vezes e nega com a cabeça.
— Desculpe, senhora. Não estou autorizada a passar informações sobre hóspedes — aponta o óbvio, e eu reviro os olhos, irritada.
Não poderia ser um homem trabalhando aqui para eu poder esfregar o decote na cara dele e conseguir o que quero? Não. Claro que não. Quero culpar Miguel por isso também. Aperto os olhos para ela, considerando se suborno é uma tática que vá funcionar, mas decido evitar a fadiga. Afinal, o que vou fazer com essa informação de qualquer forma? Bater no seu quarto e arremessar aquele maldito drink na sua cara por ele ser um filho da mãe sem coração?
Olha, até que é uma boa ideia.
Reviro os olhos, agradeço e começo a me afastar. Volto um segundo depois, contudo, apoiando o indicador no balcão.
— Senhorita — corrijo. A menina me olha confusa. — Senhora é minha mãe. Senhorita. Não acabe com meu dia me fazendo me sentir velha, por favor — peço, fazendo um bico manhoso.
A garota demora alguns segundos para entender que é uma brincadeira, mas, por fim, sorri e acena com a cabeça.
— Não vai se repetir, senhorita...
— Albuquerque — completo. — Aceito suas desculpas no formato de uma garrafa de vinho branco no meu quarto. Obrigada!
Assopro um beijo para ela e saio, rebolativa, para cuidar da minha vida. De preferência bem longe de qualquer lugar que aquele filho de uma égua esteja.
Já é início de noite quando meus pés começam a protestar pela caminhada pela Rua das Pedras, ponto turístico da região ao redor da pousada onde estou maravilhosamente bem hospedada. O lugar está cheio, entre restaurantes e bares que começam a abrir e lojas que ainda não estão fechadas. Nessa época do ano, quando a cidade fica abarrotada de turistas, não é impossível de andar, mas tem muito mais calor humano aqui do que eu gostaria.
Estou cansada e carregando mais sacolas do que pretendi a princípio. Perdi a linha em lojinhas de suvenires e comprei outros três vestidos brancos para a virada do ano, mesmo eu já tendo trazido um comigo. Eram tão lindos que não pude evitar. Agora, não sei qual usar. E aí, porque comprei vestidos novos, precisei de sapatos novos, o que me fez precisar de bolsas novas e, quando vi, estava em uma loja de joias.
Posso justificar dizendo que é normal abusar das compras quando se está viajando, mas honestamente só estou arrumando qualquer desculpa esfarrapada para ficar longe da pousada. O que é ridículo, porque com um spa completo, serviço de quarto e um restaurante maravilhoso, eu não devia querer sair de lá. Mas agora sei que Miguel está em algum lugar e não quero encontrar com ele.
O preço da minha covardia é um cartão de crédito estourado, paciência.
Mas meus pés, meus pobres pés, precisam de descanso. E o resto todo de mim precisa de uma massagem esfoliante.
Túlio chega amanhã, na hora do almoço. Ele me mandou mensagem há pouco, dizendo estar ansioso para me ver de novo, passar mais tempo comigo e me conhecer melhor. O que pode ser facilmente traduzido em "estou doido para te levar para a cama, já que você me enrolou o jantar caro como o inferno inteiro que eu paguei e não abriu suas lindas perninhas". E elas vão continuar bem fechadas. O objetivo é ter um anel no meu dedo e satisfazer os desmandes do meu progenitor querido, não ser usada como parte da sua festa de solteirão de meia idade.
No caminho de volta para a pousada, andando na calçada de pedras na beira da praia, encaro o céu estrelado por um instante e decido me sentar em um dos banquinhos antes de voltar. A brisa está fresca e agradável, e me permito deixar o olhar se perder pelo mar à minha frente.
Sorrio, para nada em particular, encarando o exagero de bolsas de compras aos meus pés. A Lorena de dezesseis anos ficaria decepcionada comigo agora. Muito, muito decepcionada. Mas, o que adolescentes sabem da vida, afinal?
Antes de me ver mergulhada em uma onda de reclamação no melhor estilo "pobre menina rica", levanto-me e termino o caminho até a pousada. Sigo direto para um banho quente, depois de pedir serviço de quarto para o jantar.
Saio da banheira somente quando ouço a batida na porta. Imaginando que o jantar chegou, cubro-me com um roupão fofinho e vou até a porta, abrindo-a de supetão.
— Chegou rápido! Obriga... Túlio.
Aperto o roupão contra o corpo, enquanto encaro o homem parado no corredor, muito bem vestido e com aquele mesmo olhar que me deu na festa na casa dos meus pais. Interesse descarado e falta de paciência que só um macho alfa sabe carregar.
Já me dá preguiça na hora.
— Achei que você só chegasse amanhã — comento, enquanto dou um passo para o lado para que ele termine de entrar no quarto, coisa que o bonito não esperou permissão para fazer.
Sinto-me um tanto desconfortável por tê-lo aqui enquanto estou mal vestida. Vamos combinar que toda a vantagem que tenho sobre esse homem é uma aparência estonteante e uma atuação impecável. Odeio ser pega fora de guarda desse jeito, então franzo o nariz, descontente, enquanto vejo seu olhar percorrer rapidamente o ambiente.
— Satisfeita com seu quarto? — pergunta, voltando a me encarar.
Como sou rápida no gatilho, quando seu olhar cai sobre mim, já tenho minha melhor máscara de timidez estampada na cara. Mantenho-me um tanto recostada na parede, apertando o roupão como se estivesse disposta a proteger minha nudez de olhos estranhos, e encaro-o por entre os cílios, colocando uma mecha do cabelo molhado atrás da orelha.
— É maravilhoso — comento. — Desculpe meu estado, você me pegou desprevenida. Acabei de sair do banho.
Solto a última frase devagar, deixando a ideia ser construída na cabeça dele. Funciona, porque um sorriso malicioso cresce nos seus lábios.
— Surpresa — diz, a voz baixa e certeira. Dá alguns passos na minha direção, até estar perto o suficiente para me tocar, mas ainda em uma distância respeitosa que me diz que ele também sabe jogar esse jogo. — Precisei resolver alguns problemas de última hora aqui, então cheguei hoje na hora do almoço. Ainda tenho algumas pendências a resolver nos próximos dias, mas imaginei que uma pausa seria bem-vinda. Então, pensei em te levar para jantar.
A ponta dos dedos percorre minha bochecha.
— Não consigo pensar em companhia melhor — completa.
Solto um risinho baixo, tímido, e mordo a ponta do lábio inferior.
— Estou genuinamente encantado com sua beleza, Lorena — ele diz, aproximando-se ainda mais de mim. Seus gestos são curtos, mas precisos, não deixando margem para discussão. A outra mão, a que não está no meu rosto, alcança meus dedos, sobe pelo meu pulso, antebraço.
— Não seja bobo — respondo, sorrindo candidamente. — Estou longe de estar minimamente apresentável. Por que não me dá alguns minutos para eu me vestir e te encontro no restaurante lá embaixo?
Seus olhos descarados caem para o vão aberto no meu decote, onde o roupão não está completamente fechado. Sua expressão deixa claro que me despir parece uma atividade muito mais atrativa para ele no momento.
— Por que não pedimos algo para comer aqui? — sugere. — Tive um dia tão estressante...
Ah, mas não, senhor.
— Adoraria ouvir sobre seu dia durante o jantar — desconverso, e vejo uma nuvem de insatisfação cruzar seus olhos. Olha só quem não está acostumado a ser contrariado. Há uma linha muito tênue onde preciso andar aqui. Se negá-lo demais, ele vai perder o interesse. Então, munindo-me de um sorriso sedutor, apoio as duas mãos em seu peito e me aproximo um pouco, deixando um beijo no canto da sua boca. — Quem sabe a sobremesa não vai ser mais agradável depois de uma ou duas taças de vinho? — insinuo, sutilmente colando meu corpo ao dele.
Isso parece agradá-lo. Túlio aceita a sugestão, selando o acordo velado com um beijo respeitoso, mas firme. Não é ruim, mas suspiro, chateada. Bonito, rico e interessado; seria pedir muito que fizesse minhas pernas tremerem.
Vamos lá, Lorena. Você não está em busca de um amor para a vida toda, nem uma paixão de livros. Um diamante pesado no seu dedo é o suficiente. Mire no lugar certo, mulher. Amor é tolice.
Assisto-o sair do quarto após uma rápida instrução para que eu não demore, e corro até o guarda-roupas onde a meia dúzia de vestidos que trouxe comigo está perfeitamente arrumada. Aproveito a noite quente para sacar um vestido curto, mas, ainda assim, longe de estar vulgar. A medida exata entre sedução e elegância.
Termino uma maquiagem rápida e capricho no perfume nos lugares certos antes de descer as escadas e seguir para o restaurante. Encontro-o sentado à mesa, acenando para o maitre, que serve o vinho em taças.
Túlio me vê e sorri em aprovação após uma rápida inspeção em mim. Sorrio de volta e caminho confiante em sua direção.
Hora de agarrar meu milionário e acabar com essa história de uma vez.
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