Entorpecente
Depois de tanto tempo trabalhando sem parar deixei o escritório aos cuidados da Alícia e me dei duas semanas de folga. Precisava dormir. Os remédios estavam ajudando, mas quando o efeito passava as lembranças voltavam. Eu já nem tinha mais lágrimas pra chorar.
Felipe tirou minha confiança, meu amor próprio. Eu não conseguia mais criar. Sentava em frente ao computador tentando criar algo novo, um projeto novo, mas não conseguia pensar em nada além da dor que queimava meu peito. Será que depois de tudo eu não merecia ser amada?
Alícia, sempre cuidadosa, ligava todos os dias para saber como eu estava. E eu sempre mentia. Eu não queria ver ninguém, não queria saber de ninguém. As campanhas estavam circulando a pleno vapor. Respostas ótimas, convites para campanhas novas. Realmente minha vida profissional não podia estar melhor. Mas a Bárbara que construiu tudo isso havia se perdido dentro de mim, e aquela garota tímida da adolescência voltou. Eu só queria ser invisível.
Passado alguns dias da minha primeira semana de folga o interfone tocou, e anunciou o Sr Matias Gutenberg na portaria. Eu nem sabia como estava; não me olhava no espelho há dias, mas não podia rejeitar aquela visita! Arrumei o cabelo num coque alto, e pus o café pra fazer. Me sentia um pouco tonta, mas era efeito dos remédios.
Por fim ele tocou a campainha. Quando abri a porta ele estava com um bouquet de rosas coloridas enorme tampando o rosto.
- Olá bela! - disse ele em tom festivo. E eu não sei se foi o cheiro das flores, a altura da voz dele, ou qualquer coisa, mas eu simplesmente desfalecido nos braços dele. - Bárbara? - ele jogou as flores no chão e me segurou enquanto eu caía, tentando me segurar na porta. Antes que de chegar ao chão eu consegui me segurar na porta e levantar devagar. - O que está acontecendo com você?
- Nada. Estou bem. - disse enquanto entrava me apoiando nos móveis. - Entra, eu fiz café!
Ele entrou, fechou a porta, pôs as flores no balcão da cozinha, e sentou na banqueta em frente.
- Venha aqui, por favor, bela! - pediu.
Virei já com o café para nós dois, e me sentei na banqueta do outro lado, de frente pra ele.
- Açúcar ou adoçante? - perguntei, mesmo sabendo que era puro.
- O que houve? Você está abatida. Está doente? Felipe pergunta por você todos os dias. Vocês brigaram?
Quando ele falou o nome, não me contive. As lágrimas vieram.
- Então esse é mesmo o nome dele? - disse, limpando as lágrimas - Pelo menos uma coisa foi verdade então.
- Não estou entendendo. - disse Matias, me olhando com preocupação.
Expliquei tudo a ele. E apesar do risco, contei sobre os remédios, sobre meu estado. Não consigo explicar, mas a presença dele simplesmente me acalmou, e eu confiei o bastante pra dizer tudo. Ele carinhosamente me ouviu, segurou minhas mãos enquanto eu chorava. Até ameaçou demitir Felipe. Conversamos por horas, até eu me sentir melhor, mais leve.
- Então agora, Bela, vá tomar um bom banho, lave bem esses lindos cabelos, vista um pijama confortável. Vou fazer uma sopa pra você. Tem comida nessa casa pelo menos?
- Alícia fez as compras essa semana. Mas, você vai fazer sopa?
- Eu sou muito prendado, meu amor. O que pensa? - disse abrindo aquele sorriso cheio de luz que aqueceu meu coração - Agora vá. Você tá precisando de cuidados, e eu vou cuidar de você!
Quando saí do banho o apartamento tinha um cheiro maravilhoso de temperos, e carne. Meu estômago logo se manifestou.
- Hum... Que delícia de cheiro!
- Eu disse que era prendado! - respondeu se virando pra me olhar - Ah sim, bem melhor! Agora só falta você me entregar esse veneno que está tomando. Marquei uma consulta médica pra você amanhã.
- Meu Deus, Matias, não precisava, eu estou bem!
- Está! Bem deprimida! - debochou, voltando para as panelas - Eu disse que cuidaria de você, e vou cuidar!
Era bom ser paparicado assim! Ele ficou comigo, jantou comigo, e ficou ao meu lado até eu dormir. Disse que voltaria no dia seguinte para me levar ao médico, e o fez. No dia seguinte, às 10h da manhã, estava ele lá, tocando a campainha.
- Bom dia, Bela! Vejo que está bem melhor hoje! - disse enquanto me abraçava com o braço direito, porque o esquerdo estava com uma sacola enorme.
- Bom dia, querido! Que sacola enorme é essa?
- Seu café. Vá tomar um banho e se ajeitar, e enquanto isso vou preparar um café da manhã decente pra você. E nada de cafeína hoje!
- O quê? Sem cafeína? - protestei como uma adolescente falando com o pai - Mas eu não vivo sem café!
- Mas vai ficar sem café até seu organismo se livrar desse veneno. Vá se arrumar. Esse médico é ocupadíssimo, não podemos nos atrasar!
Como uma adolescente eu obedeci. Coloquei uma roupa minimamente digna para andar ao lado de Matias Gutenberg, mas mesmo assim escolhi Jeans e all star. Não estava na vibe de salto alto. Coloquei uma camiseta moderna, um casaco de corte fino. Coque, argolas, e meus óculos de sol tampa ressaca.
- OK, mocinha, agora coma!
Suco de laranja, torradas, ricota, iogurte, morangos. Me senti num filme. Mas comi com gosto. Estava retomando o gosto pela vida através da comida. O pensamento me fez rir.
- Do que está rindo? - ele quis saber.
- Só tô pensando com cabeça de gordo. - respondi. - E você, não come não é?
- Deus me livre de tantas calorias logo de manhã. Você precisa se fortalecer, por isso essa fartura. Mas eu já comi meu alpiste em casa. - disse rindo!
- OK. Vou escovar os dentes e estarei pronta.
Saímos, e pra minha surpresa ele mesmo dirigiu. "Achei que dar folga ao motorista hoje fosse uma boa ideia" disse, respondendo à pergunta que eu não fiz.
O prédio era luxuosérrimo! Tive até medo de meu all star manchar o chão! Chegamos e uma recepcionista super simpática à qual Matias conhecia pelo nome, como é com todos por onde passa, nos recebeu, e logo nos encaminhou para o consultório.
- Bom dia Matias! - disse o médico; um senhor charmoso e muito simpático, levantando-se para abraçar Matias.
- Querido Roberto, como está?
- Estou bem, meu amigo, e você? Tudo OK?
- Comigo sim. A consulta hoje não é para mim. Quero que conheça minha mais nova musa e parceira de trabalho, Bárbara Santos. - disse, me apresentando - Querida, esse é o médico em quem eu mais confio na vida, Dr Roberto Moreira.
- Muito prazer, srta. - me cumprimentou - Mas, o que os traz aqui?
- Bom, doutor, eu estou bem. Só estou cansada de uma rotina longa de trabalho.
- Ela se automedicou, Roberto. - Matias colocou o frasco sobre a mesa. - E ontem praticamente desmaiou em meus braços. Não tem se alimentado direito, e passou por um forte problema emocional.
- OK, mocinha. Vamos fazer alguns exames, e nada de remédios. Há vários chás que podem te ajudar nesse período de desintoxicação. Vou lhe indicar alguns, e um calmante leve para dormir. - falava enquanto escrevia e carimbava no receituário - Sem cafeína pra diminuir a ansiedade, alimentação saudável. Legumes, verduras e frutas frescas, proteína, e nada de comida congelada. Amanhã bem cedo um enfermeiro irá até sua casa colher uma amostra de sangue e urina, e depois de amanhã quero a srta aqui novamente, tudo bem?!
- Tudo ótimo, Roberto. Pode deixar que ela não vai fugir. - Matias respondeu antes que eu pudesse abrir a boca.
Nos despedimos, e saímos. Na volta ele falou do quanto gostava do Dr Roberto, e o quanto confiava nele.
- Tem quarto de hóspedes no seu apartamento? - perguntou.
- Tem. - respondi sem entender.
- Ótimo. - ele respondeu, e não falou mais nada sobre o assunto.
Paramos para almoçar num restaurante de comida simples, pra minha total surpresa.
- É simples, mas é tudo fresco, como o médico recomendou. O dono é um chefe amigo meu de longa data! - ele parecia ler minha mente.
Ao entrarmos a recepção foi das melhores como em todos os lugares por onde ele passava. O chef veio nos cumprimentar, nos ajudou na escolha dos pratos, e depois nos acompanhou num tour pela estufa que tinha atrás do restaurante. Ele cultivava os próprios legumes e hortaliças, e até algumas frutas. Tudo sem agrotóxico. Era encantador. Com certeza voltaria lá com as meninas. Ops.. As meninas... Me lembrei de Mari, e por um momento senti o coração doer, mas ele me chamou a atenção para a beleza do lugar e me deixei levar pelas cores e aromas. Estar com Matias nem sempre envolvia pompas e circunstancias. Ele era leve comocuma pluma, e se comportava como um verdadeiro cavalheiro; a maior prova de que ser homem e ser hétero dedinitivamente não são sinônimos.
Já no meu apartamento ele me perguntou onde ficava o quarto de hospedes, e se direcionou para lá com uma pequena frasqueira. Quando voltou, disse pra eu descansar um pouco, que ele precisava resolver umas coisinhas rapidas, mas voltava em duas horas. Eu aceitei a sujestão; deitei no sofá, procurei um filme desses de fazer dormir, e deixei o som da TV me ninar.
Quando acordei Matias já tinha voltado, tomado banho, trocado de roupa, e estava preparando o lanche. Ainda era difícil crer que alguém tão ocupado estivesse ali, cuidando de mim. Mas quando queationava ele aoenas dizia "sei o que estou fazendo; seja uma boa menina, e siga minhas recomendações!
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Exames feitos, voltamos ao doutor Roberto. Ele nos recebeu bem. Cara leve, sem aparentar grandes preocupações. Após cumprimentos calorosos, Matias finalmente pergunto:
- E então, Roberto, como ela está?
- Bem, não foi nada muito grave, mas você teve sorte. Automedicar-se é extremamente perigoso. Principalmente se tratando de calmantes. Mas os danos foram bem poucos. Até a droga sair do seu organismo você vai sentir um mal estar forte, mas que vai passar rápido com uma dieta desintoxicante.
- Então é só isso? - perguntei, me sentindo aliviada.
- Não, não. Preciso prescrever umas vitaminas pra acabar com essa anemia leve. Mas não se preocupe, é muito comum no seu estado.
- Estado? Que estado? - perguntei.
- Você está grávida!
***
Amores da minha vida, mais um alerta contra a automedicação. Fiquem ligados, porque esse lance é seríssimo!
Agora, deixem vocês os comentários porque eu tô em choque com essa notícia. Nossa Barbie grávida daquele crápula?
Não se esqueçam de votar, e comentar. O feedback de vocês é super importante!
Beijinhos descafeínados!
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