As Idades Se Igualam
Enquanto procurava por mais informações sobre sua tia avó Irene, Marina se chocou mais uma vez com a semelhança entre as duas. Se nascidas no mesmo período, com certeza poderiam passar por gêmeas. Ela sabia que, por conta de sua aparência, sua avó sofria ainda mais a perda da irmã mais nova. Sempre que se encontravam, enxergava nos olhos da mais velha a saudade de quem já não está mais aqui.
Pelo menos, era nisso que Marina acreditava. Para ela, a tia havia morrido no mesmo dia em que sumiu, no fatídico 31 de outubro de 1965. Era de se esperar que a data se tornasse motivo de melancolia para a menina, mas a verdade era outra.
Não sei se podemos atribuir o fascínio da ruiva ao sobrenatural por sua grande semelhança à tia, mas Marina insiste que sua data de nascimento entre o dia das bruxas e o dia dos finados garante a ela uma maior sensibilidade com o mundo dos mortos.
Vó Carolina havia guardado todas as reportagens que noticiavam o sumiço de sua irmã. Estamos falando de pilhas e pilhas de jornal velho, pois a cidade de Laguinho nunca antes havia presenciado um desaparecimento, ainda mais se tratando de uma figura como Irene, extremamente conhecida por lá.
- Olha Vó! Esse ano eu farei 17 anos, a mesma idade que tia Irene tinha naquele Halloween – Informou, com um ar de conquista que deixava Vó Carolina incomodada. Apesar de apreciar o interesse de sua neta pela tia, a garota causava um frio na espinha da mais velha por seu fascínio com o desaparecimento de Irene.
Por anos ela havia tentado tirar da cabeça da menina a ideia de contatar a tia. Que garota dessa idade gostaria de se comunicar com os mortos? Além do mais, Carolina nem sequer acreditava que Irene estivesse morta. No entanto, a avó sabia muito bem que sua irmã e neta se assemelham não só na aparência - ambas possuem um dom imensurável com a ciência. No entanto, enquanto Irene tinha uma excelente oratória e combinava suas habilidades para que as mulheres tivessem um espaço de maior destaque na sociedade, Marina era péssima com pessoas e misturava a ciência com o sobrenatural.
- Sim, Mari. Mas você terá um futuro lindo pela frente e conquistará tudo que sua tia apenas sempre sonhou – declarou a avó, que não queria contrariar a neta, mas rezava todos os dias para que ela fizesse amigos e vivesse sua própria vida, ao invés de seguir os passos de uma pessoa que ela nem sequer conheceu.
Marina já estava distante em seus pensamentos, como a avó pode notar em seu olhar, enquanto a neta fitava a fotografia de Irene vestida como quando fazia suas pesquisas no laboratório do Colégio Municipal de Laguinho.
- Tchau, Vó! A gente se vê amanhã, já estou atrasada para a aula! – A pequena deu um beijo na testa de Carolina, e saiu correndo portão a fora pelas ruas da pacata cidade, pedalando sua igualmente pequena bicicleta.
Vó Carol só teve tempo de suspirar, enquanto pedia à Deus que cuidasse de sua menina.
- Por favor, Irene – acrescentou em voz alta – se Marina estiver certa sobre você, cuide dela daí de cima também.
***
- A minha ideia é a seguinte, Seu José: na madrugada do dia 30 para o dia 31 de outubro, eu tentarei me comunicar com tia Irene. Pensa comigo: com base em minhas pesquisas de ondas energéticas, nós sabemos que esse dia é o mais propício para a comunicação entre os vivos e os mortos. Eu vou continuar trabalhando em minha versão científica do tabuleiro de Ouija, e tenho certeza de que dessa vez dará certo! São dois dias antes do meu aniversário, você acredita? Será o melhor presente da minha vida!
José, o zelador do Colégio Municipal de Laguinho, ouviu atentamente as palavras de Marina, mas sem concordar com nada do que ela disse. Porém, como ouvinte assíduo dos monólogos da garota, Seu José entendia, assim como Vó Carol, que pouco adiantava discordar da menina.
Para ele, criado em uma família na qual a religião era tratada de maneira fervorosa, a ciência nada mais era do que uma maneira do homem desafiar à Deus, imagina então quando uma pessoa queria mexer com o sobrenatural? Marina com certeza seria castigada por isso. O zelador só esperava que a cidade inteira de Laguinho não pagasse pelos atos irresponsáveis da pequena ruiva. Ele sabia que, com esse comportamento, não era estranho o fato de que ela não possuía um amigo sequer. Desde quando José voltou a trabalhar no colégio, dois meses após Marina ganhar o prêmio de cientista destaque na feira de ciências, ele nunca havia visto a garota conversar com ninguém, além dele.
Enquanto varria a calçada, o zelador apenas se deu ao trabalho de acenar com a cabeça para a ideia absurda que estava ouvindo. Para ele, a alma de Marina nunca teria chances de ser salva.
- Eu pediria para você me ajudar, mas sei que não concorda com nada disso. Eu continuo dizendo, Seu José, se seu Deus existisse, ele não permitiria que alguém tirasse a vida da minha tia como tiraram. Mas eu vou descobrir quem foi, você vai ver.
A pequena garota ruiva subiu em sua bicicleta e saiu, pegando a curva para passar no minimercado da cidade e comprar as velas que faltavam. Às vezes, ela era bastante indelicada! Mas não o fazia de maneira consciente. Como sua avó bem sabia, Marina não possuía jeito com as palavras – mas o tamanho de sua consideração pelas pessoas compensava esse pequeno detalhe.
Mari imaginava que sua avó nunca teria paz de verdade se não soubesse o que aconteceu com sua irmã, e em seu coração ela tinha certeza de que a tia estava morta. Mas como provar, se a família alimentava por anos a esperança de que não se passava de um sequestro? A dor da possibilidade machucava ainda mais do que a da certeza de uma partida, e ela estava disposta a conseguir um fechamento para o grande desaparecimento de Laguinho.
- Por favor, tia, me responda dessa vez, tá bem? – Pediu Marina, olhando para o céu. Mesmo tendo problemas em acreditar em um Deus que havia levado sua tia avó tão nova, a garota gostava de pensar que Irene pertencia agora à um lugar melhor.
1067 palavras
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