CAPÍTULO IV
Summer Daddario Magnus
Summer compadecia-se dela, Rania imaginava, mas tinha sido criada à maneira antiga e não via nada de errado em se planejar o futuro de uma garota. Era assim que as coisas sempre haviam sido feitas ali; era assim que ainda continuavam a ser feitas por um grande número de pessoas, particularmente nas ilhas, onde o progresso era lento e os velhos costumes permaneciam inalterados. Além disso, Summer pouco podia fazer para influenciar seu sobrinho, Rania também sabia disso. Como eram terríveis as mudanças que se passavam em seu pequeno mundo!
— Confie em Aléxandros, menina... — Aconselhou Summer, mas Rania negou com a cabeça veementemente.
— O problema é esse. — Gritou desesperada. — Eu não confio nele!
— Fique quieta! — Disse Aléxandros, categórico. — Pegue aquela-cadeira e sente-se, Rania, não precisa ficar nervosa. Você tem a minha palavra de que não será forçada a casar-se com alguém com quem não queira. Isto a satisfaz?
— Está falando sério? — Ainda tremendo, Rania fitou-o, só naquele momento percebendo que ele também se levantara.
— Confie em mim, como tia Summer sugeriu. — Disse ele. — Isso é tão difícil assim?
Ela meneou a cabeça, observando com o canto do olho a expressão encorajadora de Summer. Sem dizer uma palavra, pegou a cadeira e sentou-se novamente. Aléxandros também se sentou e correu as mãos sobre os papéis antes de falar.
— Podemos continuar? — Perguntou ele, mas Rania ouviu muito pouco do que se seguiu, pois só pensava em seu futuro. Não importava a má impressão que causasse a Aléxandros Magnus; na verdade, ainda não confiava inteiramente nele.
Nos dias que se seguiram, a situação se mostrou mais fácil do que Rania esperava. Ela e Aléxandros não tiveram nenhuma discussão realmente séria, provavelmente porque agora ela se ocupava mais do que nunca das tarefas domésticas. Tinha descoberto, surpresa, que esse trabalho era muito menos cansativo do que imaginava. Aléxandros era razoavelmente tolerante, mas exigia dela e de Luke muito mais do que seu padrasto jamais exigira. Luke parecia satisfeito, mas Rania não escondia seu ressentimento e sua revolta.
Um dia, dispondo de tempo livre, ela subiu a colina e foi visitar a colônia dos artistas. Voltou descalça, segurando as sandálias na mão e com o rosto levemente corado. Costumava fazer isso desde pequena, em parte porque gostava e em parte porque era hábito dos artistas que frequentavam a colônia.
Isso os tornava diferentes das pessoas da vila; e, como Rania tinha muito do caráter de sua mãe, às vezes gostava de parecer diferente. Sorriu quando passou em frente aos barcos de pesca ancorados em fila, satisfeita por ter escapado ao controle de Aléxandros, pelo menos uma vez.
— Ei! Olhe para cá!
A voz zombeteira transformou-se em riso, seguido por outros. Eram risadas amistosas dos jovens que trabalhavam nos barcos. Acostumada a isso, Rania continuou a sorrir enquanto caminhava. Assobios e gritos se misturaram às risadas e ela sabia que, se virasse a cabeça e olhasse para um dos rapazes, imediatamente ele se tornaria o alvo da gozação dos amigos. Tudo, porém, não passava de brincadeira e nunca lhe causara o menor aborrecimento.
Entretanto, foi diferente naquele dia, pois Aléxandros estava parado no fim do cais, ao lado de seu barco, encarando-a com uma expressão muito significativa no olhar. Como se tivessem acabado de notar a presença dele, os admiradores de Rania voltaram às suas tarefas e ela foi obrigada a encarar os olhos acusadores de Alex, que observavam seus pés descalços com franca desaprovação.
Rania já estava na defensiva quando parou ao lado dele, apoiando-se em seu braço para calçar as sandálias.
— Eu já andei descalça várias vezes, Aléxandros. — Disse-lhe. — Não machuca quando se está acostumado.
— Você também está acostumada aos assobios e comentários daqueles homens? — Perguntou ele, enquanto caminhavam.
— Eles não fazem mal algum e... — Falou, com pouca esperança de convencê-lo. — É só brincadeira, Aléxandros.
— Brincadeira! — Ele reprovou asperamente e pegou-lhe o braço, fazendo-a encará-lo, agora que já haviam deixado o cais. — Que tipo de mulher você pensa que eles a consideram, Rania? Os cabelos no rosto, descalça, corada e sorridente... Você se comporta como uma qualquer!
— Como você se atreve a me dizer isso? — Encarou-o indignada, tremendo de raiva. — Será que você está assim tão familiarizado com o assunto? Talvez não seja tão honrado quanto queira parecer!
— Sua... — Seus olhos pareciam duas brasas e Rania encolheu-se involuntariamente. Mas Alex rapidamente recuperou o controle. — Além de sua aparência atrevida, você tem a insolência de uma escrava cativa. Você é uma Magnus agora, querendo ou não, e não vai mais andar por aí como costumava fazer, nem sorrir para todos os homens por quem passa, como se adorasse, a sensação que causa. Você me entendeu bem? Aqui você pode achar estar segura, mas no mundo não podemos baixar aguarda e homens ruins estão a espreita... Sabe que qualquer um, a qualquer momento pode lhe causar mal. Será que não pode entender isso?
Os olhos dele carregavam uma raiva oculta por algo que Rania não conseguia descobrir. O seu descontrole era visível e suas palavras cortavam mais que uma espada de dois gumes. Qual era o segredo de Aléxandros Magnus
— Você é ingênua ou muito burra mesmo. Pensa que esse tipo de homens querem o seu bem. Eles querem outra coisa, e muitos podem se acharem no direito de conseguir a força se for preciso. Nunca mais faça isso, ouviu?... Falou ele praticamente a arrastando para longe dali.
— Eu não quero ficar recebendo ordens, Aléxandros! — Sua respiração estava alterada e, apesar da raiva, Rania se sentia próxima das lágrimas. Tentara tanto se dar bem com ele, mas Alex sempre lhe achava algum defeito. Fitou-o, então, e disse: — Por que você não vai embora e me deixa em paz? Eu era feliz até você chegar, e agora...
— Agora que está sendo forçada a amadurecer e a comportar-se como uma mulher, e não como uma criança inconsequente, você se ressente! — A linha firme de seus lábios pareceu suavizar-se levemente quando olhou para ela. — Eu sei quanto deve ser difícil, Rania, mas você devia saber que esta vida descompromissada terminaria algum dia, não? O mundo não quer saber dos seus sonhos, dos seus desejos. Lá fora tudo é mais difícil e as pessoas não são tão amistosas como imagina. você precisa estar preparada ou não vai conseguir sobreviver quando chegar a hora.
Rania não respondeu, pois não conseguia encontrar palavras. Ficou simplesmente olhando para a pele bronzeada de Aléxandros através da abertura de sua camisa, tentando pensar no que poderia fazer para se manter sozinha, independente dele. Era uma escultora modesta e uma boa pintora, mas já havia tantos artistas na Grécia! E, além disso, ela não sabia fazer mais nada. Apesar de ser áspero e de restringir a sua liberdade, Aléxandros oferecia um curioso tipo de segurança; e ela não queria deixar Serifos, nem tia Summer e Luke.
— Papa nunca viu nada de errado em que eu passeasse descalça.
— Naquela época você era uma criança. E em todo caso, vivendo num lugar assim, Richard acreditou que estaria segura. Mas mesmo sendo uma criança muitas coisas ruins poderiam ter ocorrido. Agora o tempo passou e você se tornou uma garota muito bonita. Droga!... Você não pode agir como uma criança eternamente. Não seja irresponsável... Seu pai a mimou demais e agora eu tenho que fazer de você o melhor que eu puder. Não é uma tarefa fácil.
— O que você está tentando fazer de mim, Aléxandros?
— Estou tentando fazer de você uma pessoa melhor. Uma mulher independente e segura aonde for. — Respondeu suavemente. — Você vive no seu próprio mundo, Rania, e eu tenho que conseguir transformá-la numa mulher normal... Uma Magnus, de preferência.
— Isso importa tanto? Duvido que você seja capaz de me mudar agora. Aléxandros estendeu a mão e pegou uma mecha de cabelos dela, segurando-a com firmeza. Puxou-lhe a cabeça para trás e fitou os lábios de Rania durante um momento longo e silencioso.
— Talvez não... Não como foi anteriormente, mas... — Respondeu ele com franqueza, deixando que os cabelos dela corressem pelos seus dedos. — Vamos, tia Summer vai precisar da sua ajuda para o jantar.
O apoio de tia Summer a Aléxandros, quando soube da discussão, fez com que ela percebesse que havia alguns aspectos da criação que Richard lhes dera que Summer censurava quase tanto quanto Alex. Ela nunca dissera nada; mas agora, sob a autoridade mais rígida de Aléxandros, provavelmente via menos necessidade de ocultar os seus pontos de vista conservadores.
Dois dias depois, Luke ficou muito animado quando Aléxandros anunciou que combinara uma viagem a Atenas para que ele e Rania pudessem conhecer os outros membros da família Magnus. A reação de Rania foi mais discreta. Aléxandros percebeu e disse, impaciente.
— Não vejo motivo para você se comportar como se eu fosse mandá-la para o exílio. Você fará simplesmente uma visita aos outros membros da família e será bem recebida, porque é filha adotiva do nosso primo Richard Daddario.
— Eu só pensei... — Hesitava em dizer a razão pela qual relutava em acompanhá-lo na viagem. — Não posso deixar de ter a sensação de que você não será o único da família que não me vê com bons olhos. E não será uma viagem muito agradável se eu tiver que ficar tomando cuidado com cada palavra que disser, com cada passo que der.
— Você age assim, aqui?
— Você sabe que sim, desde que você chegou, Aléxandros. E se aqui isso já é muito ruim, imagine entre estranhos...
— Entre a sua família agora. — Corrigiu Aléxandros firmemente, mas um leve sorriso aflorou-lhe aos lábios por um momento. — E eu espero que você não faça reclamações tão dramáticas para a família, Rania, ou eles pensarão que eu me transformei em algum tirano depois que vim para cá.
— Eu não disse isso.
— Você não precisa dizer nada, já que está tão abatida. Minha reputação ficará arruinada se você continuar tão triste e desanimada.
— É mesmo? — Ela não havia percebido que dava essa impressão e fitou-o com curiosidade. — É verdade que eu pareço triste e desanimada, Aléxandros?
— Às vezes, mas acho que isso sempre esteve dentro de você na verdade. — Respondeu ele. O sorriso ainda permanecia em seus lábios. — Eu não sou tão rude, sou, Rania? — Sem saber por quê, ela negou com a cabeça e ele continuou: — Eu só estou tentando transformá-la numa mulher que você sempre desejou ser.
Rania ergueu os olhos, os lábios levemente entreabertos, insinuando uma inocência rara.
— É ser uma mulher significa apenas cozinhar e fazer limpeza e nunca passear descalça pelo cais, nem rir do que os pescadores falam? Não há algo mais do que isso, Aléxandros?
Aléxandros cerrou os lábios e o sorriso desapareceu.
— Pelos Deuses! Você não pode querer ser tão provocante assim!
— Eu só quis dizer que, se você está ensinando, Aléxandros, você devia...
— Fique quieta! — Ordenou Aléxandros firmemente, mas havia uma certa expressão em seus olhos que desmentia a aspereza de seu tom de voz e que fez com que Rania se sentisse excitada como nunca estiverá antes. — Você irá a Atenas conosco e se comportará como uma jovem civilizada, ou se verá comigo! Não quero que pareça uma pobre órfã oprimida pelo tutor, nem que se exiba diante de cada homem que vir! E se você olhar para...
— Para quem não devo olhar, Aléxandros?
— Vá ajudar Summer... — Disse ele, virando-se. — E não tente provocar-me demais, Rania, ou descobrirá como eu realmente posso ser tirano!
— Aléxandros...
— Vá! E pare de tentar me enlouquecer de novo. Pelo jeito alguns coisas não mudam mesmo, mesmo que se passem séculos.— Insistiu ele asperamente ficando de costas e ela se afastou sem entender o que ele quis lhe dizer.
Embora ressentida por receber ordens de maneira tão brusca, Rania experimentou uma curiosa satisfação ao obedecê-lo. Era uma sensação estranha perceber que tinha o poder de fazer Aléxandros quase perder o controle; e como ela gostava de fazê-lo... Algo nisso a fez se sentir feliz, como se fosse uma antiga lembrança a muito esquecida nas linhas do tempo.
Tia Summer estava tão animada para ir a Atenas quanto Luke; só ela relutava. Preocupada, Rania queria muito descobrir o porquê disso. Só de imaginar ela andando por aquela cidade seu corpo tinha estranhos calafrios.
Devia ser porque ela detestava sair de Serifos. Era uma sensação que remontava à infância, quando era levada de um lugar para o outro, sem nunca ter certeza de quem eram os seus pais. Em Serifos ela se sentia segura como jamais se sentira em parte alguma. E ia fazer o possível para não sair de lá. Se conseguisse convencer Aléxandros, mesmo que fosse no último minuto!
Quando desceu, Rania usava um vestido branco estampado de pequenas flores liláses, que já tinha pelo menos dois anos. Deixara os cabelos soltos e parecia ter menos de dezoito anos.
Aléxandros estava sozinho na sala e seu sorriso, quando a viu, fez com que Rania se colocasse na defensiva. Seus olhos tinham um brilho diferente, era como se ele a tivesse visto antes. Ele desviou o olhar e por alguns segundos os manteve fechados a deixando irritada.
— Talvez você ache que este vestido é muito ordinário para uma visita aos parentes ricos. — Disse ela, agressiva, pois suspeitava de que ele estivesse zombando de sua roupa. — Não nos preocupamos com a última moda aqui, sabe, e você não pretendia que eu usasse o meu traje preto de domingo, não é?
— Nós podemos comprar roupas para você quando chegarmos a Atenas. Até lá, não precisa ficar se sentindo como a parente pobre, Rania. Foi isso o que quis insinuar, não? Isso não tem nada a haver com você! Afirmou ele com o olhar perdido.
— Acho que sim. Eu pensei que talvez você achasse o meu vestido...
— Acho o seu vestido bonito e ele fica muito bem em você. O branco sempre a deixará linda... — Disse Aléxandros, fazendo-a corar. — Você parece muito jovem, Rania, é difícil acreditar que logo terá dezoito anos. Está me lembrando a primeira vez em que a vi, há quase...! Enfim, uma garota bonita, transformando-se numa mulher. Disposta a tudo e... Melhor mudarmos de assunto.
Os elogios de Aléxandros eram uma experiência nova e a afetavam muito mais do que os assobios e risadas dos jovens da vila. Passando a mão pelos cabelos, Rania tentou disfarçar o que sentia. Um novo sentimento começava a nascer dentro de seu peito juvenil, um sentimento confuso na verdade. Tristeza e incertezas...
— Você não teve uma boa impressão de mim naquela ocasião? — Ela indagou e riu, insegura. Pois tentava se lembrar da onde os dois tinham se visto. Pois Rania tinha certeza de que nunca o havia conhecido. — Acho que a sua opinião não mudou muito, não é, Aléxandros?
— Você se incomodou com as minhas censuras, Rania? Isso ainda a incomoda?
— Não tanto quanto incomodou antes. Eu odiei você!... — Acrescentou ela, virando-se para a janela e ouvindo-o estalar a língua, numa expressão de impaciência com a qual estava ficando familiarizada. — Não acredita?
— Acho isso um exagero de sua parte! Como sempre...
— Acha? — Rania sabia que estava entrando em terreno perigoso. — Talvez eu também não tenha mudado de opinião, Aléxandros. E pare de falar comigo por enigmas.
Aléxandros praguejou, depois se levantou e aproximou-se dela.
— Você é muito teimosa!
— Mais um dos meus defeitos! — Retrucou Rania rapidamente, antes que Aléxandros pudesse continuar.
Ele, então, segurou-a pelo ombro e forçou-a a encará-lo.
— Eu devia... — Largou-a subitamente e afastou-se. — Vá ver onde Luke está. — Já recuperara o controle. — Pensei que pelo menos ele estivesse ansioso para conhecer os primos.
Rania fitou-o, surpresa consigo mesma ao perceber quanto se arrependia já tê-lo feito passar dos elogios para as recriminações. Antes que ela se afastasse, Aléxandros segurou-a pelo ombro.
— Nenhum membro da família viu Richard nos últimos anos. — Disse ele. Rania teve a impressão de que ele escolhia as palavras com muito cuidado. — Ele amava você e Luke, amava-os muito, e o que vão pensar de Richard depende muito da impressão que você e Luke lhes causarem, tente lembrar-se disso, Rania. Você é a defesa de Daddario.
— Defesa? — Aquela palavra deixou-a intrigada. Ergueu as sobrancelhas e olhou para ele com curiosidade.
Aléxandros pensou por um momento e Rania não pôde imaginar no quê. Estava tremendo e suas pernas pareciam não poder mais sustentá-la.
— Há coisas que você não sabe, garota. Muitos segredos em nossa família... — Disse ele finalmente.
— Papa não fez nada de que eu pudesse me envergonhar. — Disse Rania com voz trêmula. — Nós não tínhamos muito dinheiro, mas éramos felizes e ele sempre... — Interrompeu-se e mordeu o lábio, meneando a cabeça lentamente. — Você não sabe como era viver aqui antes, Aléxandros.
Por um momento ele não disse nada, mas continuou com a mão no ombro dela. Depois retirou-a e acariciou levemente o rosto dela com os dedos. A cordialidade voltara a seus olhos.
— Eu posso imaginar sim. — Disse ele suavemente e Rania sentiu o coração bater mais depressa. — Agora vá procurar Luke, sim? Já está na hora de partirmos.
— Você não me deixaria...
— Nem em sonhos eu a deixaria aqui. Eu vou cumprir o meu juramento, aconteça o que acontecer! — Afirmou Aléxandros.
Rania se afastou, sentindo-se estranhamente satisfeita com a resposta que ele dera, mas sem compreender sua própria reação.
2917 Palavras
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