CAPÍTULO III
Fazia algum tempo que Rania não visitava o estúdio de Daddario. Costumava fazê-lo frequentemente quando seu padrasto era vivo, mas desde a sua morte não tinha tido coragem para entrar lá.
Hesitou antes de virar a maçaneta e abrir a porta e, ao descobrir que a sala não estava deserta como esperava, deixou escapar um suspiro. Aléxandros estava sentado à mesa de madeira tosca que servia de escrivaninha para Richard nas raras ocasiões em que ele precisava de uma.
Aléxandros levantou a cabeça quando a porta se abriu e seus olhos estreitaram-se levemente. Havia uma pilha de papéis à sua frente e, mesmo da porta, Rania pôde reconhecer a letra do padrasto.
— Eu não sabia que você estava aqui. — Murmurou ela, preparando-se para se retirar, mas Aléxandros chamou-a.
— Não vá, Rania. Entre e feche a porta. — Vendo-a hesitar, ele largou os papéis que tinha na mão e sentou-se. — Tia Summer logo estará aqui, não precisa ficar tão apreensiva! Sente-se, tenho certeza de que não temos que esperar muito.
— Por que vamos conversar aqui? — Perguntou Rania, um pouco inquieta com o curso tomado pelos acontecimentos. — Por que não na sala, que é mais confortável?
— Você acha o estúdio do seu padrasto desconfortável?
— Claro que não, mas...
— Então, sente-se, por favor. Tia Summer virá logo que estiver pronta. — Ele fitou-a e seu olhar parecia desafiá-la a encontrar mais defeitos no que havia sido combinado. — Na verdade, foi a tia Summer quem sugeriu que conversássemos no estúdio, pois eu já estava aqui com os documentos de Daddario à mão.
Obediente, Rania puxou uma cadeira e sentou-se do outro lado da mesa, suspirando aliviada quando Summer entrou logo em seguida. Ela sorriu para os dois e, depois de se levantar, Aléxandros pegou a cadeira mais confortável do estúdio e colocou para ela, ao lado da sua.
Era estranho sentir a sala tão familiar e ao mesmo tempo tão diferente com a presença de Aléxandros. Era uma sala ampla e ensolarada, com uma grande janela que dava para um pequeno terraço, onde a família costumava tomar as refeições. Atrás do terraço ficava o jardim, nos fundos da casa. Nessa época as diversas espécies de flores estavam se abrindo deixando um agradável aroma por todo o local. Alex desviou o olhar por alguns segundos e suspirou pesadamente, tudo ali lhe fazia lembrar de muitos momentos em uma vida passada que muitas vezes desejou esquecer, mas agora nem isso ele tinha certeza. Seria mesmo esse o seu desejo, esquecer lembranças que o tinham feito viver a felicidade.
Na parede em frente a Aléxandros estava pendurado o retrato de sua mãe, pintado pelo seu verdadeiro pai; como costumava fazer quando ia ao estúdio, Rania virou a cabeça para olhá-lo. O rosto era atraente, mas faltava-lhe beleza, e havia uma ousadia nos olhos azuis que, combinada com um curioso meio sorriso, tinha o mesmo efeito embaraçoso que a Mona Lisa provoca quando se olha para o quadro por muito tempo. Olhando aquele retrato muitos poderiam imaginar que o pintor havia feito uma obra de arte, outros apenas suspiravam imaginando um amor acima de tudo. Mas a realidade acabou sendo outra.
Aléxandros percebeu o interesse dela pelo quadro e voltou sua atenção para ele por alguns momentos.
— É sua mãe, não é, Rania?
— É. Foi pintado pelo meu pai biológico. — Disse ela, virando para olhar melhor o quadro. — É muito bom, não acha? Você não acha que ela era bonita, Aléxandros?
— Era bonita sim... — Concordou Aléxandros, num tom de voz casual. — Mas não tanto quanto a filha. Você se parece com o seu pai, Rania?
O elogio inesperado assustou-a e, por um momento, ela o fitou incerta. Depois encolheu os ombros, aceitando o elogio com naturalidade, e resolveu simplesmente responder à pergunta da melhor maneira que pôde.
Não sabia realmente nada sobre o seu pai, embora relutasse em admitir isso.
— Talvez... — Disse ela com incerteza em seu olhar e voz.
— Não se lembra dele?
— Eu só tinha cinco anos quando ele nos abandonou. Mamãe se casou com Papa quando eu tinha sete anos e eu realmente não me lembro de nada do que aconteceu antes disso. — Rania encarou-o com um brilho de desafio nos olhos azuis. — Eu nem sei qual é o primeiro nome dele, isso nunca foi mencionado.
Aléxandros espalhava os papéis na mesa à sua frente enquanto falava.
— Sua mãe morreu há três anos, não é? — Ele levantou os olhos rapidamente de um dos papéis, como se tivesse pensado em algo. — Desculpe-me, eu não devia ter sido tão brusco. Mas precisamos conversar sobre esse assunto e outros agora.
— Não tem importância. Na verdade, eu não a conheci muito bem. Ela morreu num acidente, há mais ou menos três anos, como você disse.
— E antes disso, você a viu?
— Não. Ela nos abandonou, como o meu pai. — Rania disse isso sem amargura, pois nem seu pai nem sua mãe haviam significado tanto para ela quanto Richard Daddario. Entretanto, sentiu-se estranhamente vulnerável por um momento, com necessidade de agredir Alex por invadir as suas lembranças assim. — Você fala como um advogado. Faz perguntas e mais perguntas! Exatamente como um advogado!
— Se você quis me ofender, não conseguiu menina. — Explicou ele calmamente. — Eu frequentei uma faculdade de direito antes de começar a cuidar dos negócios da família, Rania, portanto, você está certa. Eu falo como um advogado, pelo simples fato de ser um advogado.
Havia muita coisa sobre ele que Rania não sabia, e agora isso começava a parecer muito importante. Levantou a cabeça quando achou que ele já tivesse voltado seu interesse para outra coisa, mas enganou-se. Alex continuava a observá-la com olhos penetrantes.
— Eu não sabia disso. — Retrucou ela pensativa.
— Claro que não. — Concordou Aléxandros friamente. — E agora você vai deixar que eu continue? Ou prefere que eu converse a sós com tia Summer, levando-me a crer que, afinal de contas, você é imatura demais para participar de uma conversa?
Rania enrubesceu e retorceu as mãos, mas sabia que, silenciosamente, Summer estava pedindo para que não discutisse com ele. Assim, respirou fundo e assentiu, sem encará-lo.
— Desculpe-me. Continue, Aléxandros.
— Eu só estou fazendo estas perguntas porque sei muito pouco a seu respeito. — Explicou ele. — E já que estou nesta posição, acho que preciso saber tudo sobre você. Pois a partir de agora minha família será responsável por você até que tenha idade para cuidar de si mesma sozinha. Sei que pode ser assustador todas as mudanças que estão por vir, mas acredite elas aconteceriam mais cedo ou mais tarde em sua vida. Alex disse tudo isso sem se importar se a estava pressionando demais. — Você estava com mais ou menos quinze anos quando sua mãe morreu, não é?
— Sim, ela foi embora e me deixou aqui com Papa quando eu tinha onze anos. Quatro anos depois, mais ou menos, Papa ficou sabendo que ela havia morrido num acidente de automóvel, em Roma. Mandou trazer o corpo dela para cá, e aqui foi enterrada. Acho que ele ainda gostava muito dela.
— Eu tenho sido mãe para as crianças de Richard há mais de sete anos, Alex. — Revelou Summer com seu tom de voz calmo e gentil. Rania notou como a expressão de Aléxandros mudava sempre que ele olhava ou falava com a tia.
— Eu sei, tia, e tem sido mais indulgente do que a maioria das mães. A senhora sempre fez tudo sozinha, sem a ajuda de Rania?
— É verdade, mas fui eu quem quis assim. — Respondeu Summer. — Não há necessidade de Rania fazer nada e eu estou acostumada a trabalhar sozinha, Alex.
— Como você ocupa o seu tempo, Rania? — Perguntou ele. — Você costura?
— Um pouco. — Rania olhou ansiosamente para Summer, pois detestava o rumo que a conversa estava tomando. — Passo a maior parte do tempo pintando ou esculpindo, quando não estamos nadando ou fazendo escavações.
— Escavações?
Rania achou que não devia ter mencionado o assunto, que até então era um segredo entre ela e Luke. Mas ficou feliz por conseguir mudar de assunto.
— Há uma pequena concavidade na colina, acima da enseada. — Explicou ela. — Luke e eu achamos que deve ter existido um templo de Apolo ali. Nós só escavamos um pouco, mas...
— Vocês têm uma autorização?
— Pelo pouco que nós fazemos, não pensei que fosse necessário.
— Ainda assim, precisam de permissão das autoridades para isso. — Disse ele. Em seguida mudou de assunto abruptamente: — Luke ainda está frequentando a escola, é lógico. Você completou os seus estudos?
Aquele era um assunto sobre o qual ela preferia não falar, pois sentia que havia desapontado Richard. Como todos os gregos, ele dava muito valor a uma boa formação escolar e ela não tirara proveito das oportunidades que tivera. Esfregando as mãos na saia, respondeu sem encará-lo.
— Eu não era boa aluna e algumas vezes não ia à escola. De vez em quando Papa me ensinava um pouco, mas nunca me repreendeu... Pelo menos, não muito.
— Você devia ter sido forçada a ir à escola e punida quando não fosse. — Afirmou Aléxandros. — Parece que não existiu disciplina aqui, meu primo foi muito indulgente com você. Tudo isso tornará a minha tarefa muito mais difícil do que eu supunha. Pelos deuses o que ele andou fazendo aqui, o mundo é implacável com pessoas sem o mínimo de instrução. Como pretende se manter no futuro. Ou acha que pode conseguir um bom trabalho sem o mínimo de estudo.
O ar de autoridade dele e as críticas a seu padrasto irritaram Rania, que não deixou dúvidas sobre os seus sentimentos.
— Eu já disse que você não precisa se preocupar comigo. — Respondeu. — Logo terei dezoito anos e não precisarei de um tutor!
— Muito pelo contrário... — Replicou Aléxandros. — Não só a sua educação escolar foi negligenciada, como também suas tarefas domésticas deixam muito a desejar. Quanto ao resto, eu já disse que você é da nossa família agora, legalmente, e como tal você está sob a minha responsabilidade, quer queira, quer não.
— Mas você não pode...
— Fique quieta! — O brilho de seus olhos fez com que Rania se acalmasse. — Acho que você já fez algumas tentativas no sentido de remediar a situação dentro de casa, e como a sua educação acadêmica não tem mais remédio, não falaremos mais sobre isso. Mas, de agora em diante, você terá que fazer pelo menos metade do serviço de casa; o que não souber, aprenderá com tia Summer. Você começará a aprender a ser útil e deixará de ser uma encostada! Entendeu?
Rania ficou furiosa. Apertou as mãos firmemente, embora não pudesse fazer nada no momento. Ia se dar muito mal se fosse tola o bastante para ir embora como havia ameaçado, pois não sabia fazer nada para garantir a sobrevivência. Olhou para Alexandre, ergueu o queixo e fez a única coisa que poderia ter feito naquele momento.
— Sim, entendi perfeitamente!
— Muito bom. — Disse ele, depois de sustentar o olhar dela por algum tempo. — Tenho certeza de que nos daremos muito melhor agora que nos entendemos. — Rania não disse nada, mas duvidava de que isso acontecesse. Voltando a atenção para os documentos que tinha à sua frente, Aléxandros acrescentou: — Agora, vamos aos assuntos que interessam a você e a Luke.
— As vontades de Papa?... — Rania ousou dizer, pois reconheceu a letra de seu padrasto no primeiro documento, cujo título era muito claro.
— Isso mesmo. — Disse Aléxandros. — Como vocês sabem, meu primo, o pobre Richard, tinha poucos bens materiais. Mas, do pouco que tinha, deixou a maior parte para Luke e o resto para... A sua família em Atenas. — Rania abaixou a cabeça e arregalou os olhos, não acreditando que Papa a tivesse ignorado completamente. — O material do estúdio fica para tia Summer, que poderá guardá-lo ou dispor dele. E esta casa fica para você, Rania, como dote, segundo o costume de nosso povo.
Era o dote tradicional da noiva grega. Rania sentiu-se honrada e um curioso arrepio percorreu-lhe a espinha.
— Ele não... — Rania umedeceu os lábios secos. — Não há... Menção de alguém... Quero dizer, ele não mencionou...
— O homem com quem ele deseja que você se case? — Perguntou Aléxandros. — Não está escrito aqui, Rania, mas eu sei quais eram os desejos dele neste ponto e, se for possível, farei com que sejam cumpridos.
— Não! — Rania levantou-se e a cadeira caiu. — Você sabe o que eu penso de casamentos arranjados, Aléxandros, e você disse que entendia! Eu não quero ser simplesmente entregue a um homem escolhido por você e passar o resto da minha vida na frente de uma pia de cozinha, trabalhando como uma escrava para um homem do qual eu nem mesmo goste! Nem você seria tão insensível a ponto de me forçar a isso!
— Se eu deixar de cumprir os desejos de meu primo será porque vou pensar duas vezes antes de unir, para o resto da vida, qualquer homem a uma jovem mimada e teimosa como você, que provavelmente tornaria a vida dele uma tristeza! Agora quer sentar-se, Rania, e deixar que continuemos a discutir os outros assuntos?
— Não há outros assuntos no que diz respeito a mim! — Insistiu ela. — Você tem que me prometer, Aléxandros, que não... Tia Summer! — Virou para a velha senhora, ansiosa. — Por favor, a senhora não vai deixar que ele faça isso, vai?
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