Amor Eterno Amor - Capítulo Especial
O COMEÇO DEPOIS DO FIM
Diante da janela de vidro blindado seus olhos vagam na esperança de jamais se esquecer dos detalhes de uma vida que viveu séculos atrás.
No século XIV, a Europa conheceu uma crise, marcada pela tríade "guerra, peste e fome". No entanto, esta crise possibilitou condições para inúmeras transformações.
— Minhas memórias daquela época são vagas e obscuras, minha vida parecia água estagnada. Fiquei cada vez mais impaciente... Até que...
O homem de terno alinhado e escuro permaneceu de costas olhando fixamente as nuvens, passou os dedos pelo cabelo e fechou os olhos.
— Esperança, apenas Esperança...
Como um mantra a palavra chave o levou para outras terras...
"A escrava de corpo curvilíneo esgueirava-se pelas vielas estreitas da cidadela, tomando o máximo cuidado em não ser vista nem mesmo notada. Ela precisava cumprir a missão que lhe foi dada por sua mestra e tinha que fazê-lo com rapidez, antes que alguém desse por sua falta.
Finalmente, atingira o local onde ficavam as celas dos gladiadores. Era um lugar protegido por altos muros de pedra escura e intensamente vigiado por centuriões da guarda palaciana. Mas Esperança sabia o que fazer, pois conhecia a cidadela melhor que ninguém, e as celas situavam-se próximo das masmorras que foram seu lar por algum tempo.
Arrastou-se pelos velhos dutos pluviais que agora serviam de sistema auxiliar de esgotos. O cheiro erá fétido, insuportável, mas sua permanência na residência de sua mestra dependia do fiel cumprimento daquela missão e ela não pretendia voltar de onde viera, e muito menos, submeter-se ao castigo imposto por aquela mulher, servindo aos prazeres nojentos e insaciáveis do senhorio dos clientes (indivíduo por quem nutria um ódio mortal!).
Não tardou para que ela atingisse seu objetivo: estava dentro do núcleo subterrâneo do Coliseu, onde haviam instalado as celas dos gladiadores. Esses guerreiros indômitos que jamais temiam a morte, porém lutavam pela vida, eram aprisionados nessas pequenas celas onde dormiam e se alimentavam. Vez por outra o centurião responsável pela vigília diuturna de seus pupilos, os presenteava com algumas concubinas palacianas ou escravas novas – recém-adquiridas – que amansavam o ímpeto daqueles lutadores nos momentos em que estes encontravam-se à espera de novas contendas. E Esperança sabia muito bem disso já que servira a alguns deles logo quando de sua chegada.
Sorrateiramente e evitando mover-se de modo abrupto, ela aproximou-se da cela do gladiador a quem chamavam de 'o celta'. A escuridão quase absoluta impedia que ela pudesse vê-lo, exigindo que a jovem se valesse de uma pequena lâmpada a óleo iluminando sutilmente o interior da cela.
Todavia, quando achou que tinha percebido algum vulto sentiu uma mão forte agarrar-lhe o pescoço apertando-o com o vigor típico de um homem acostumado ao uso da força.
Esperança pensou que aquele seria o seu fim, e o sussurro rouco em seu ouvido deixou-a segura quanto a isso. 'O que você quer escrava? Seja breve, pois, caso contrário, seu destino já está selado'.
Com enorme dificuldade em pronunciar as palavras disse ao Celta que vinha em nome de sua mestra, esposa do regente atual trazendo uma mensagem para ele. Esperança aliviou-se e conteve a vontade de tossir quando aquela mão de ferro libertou-a da possível sentença de sua morte.
O guerreiro Celta encostou-se na parede da cela e após um momento de reflexão exigiu que a escrava disse-lhe logo qual era o teor daquela mensagem.
Esperança, após recompor-se, disse a ele que sua mestra desejava que ele desse cabo de um outro gladiador – aquele a quem chamavam de aniquilador Negro - e que se assim fizesse poderia pedir qualquer coisa, exceto, é claro, a sua liberdade, já que isto não estava ao seu alcance.
Após ouvir a proposta, o gladiador respirou profundamente e pensou por alguns minutos, findo os quais respondeu que aquela proposta em nada lhe interessava, já que a única coisa que almejava na vida era tornar-se novamente um homem livre. Dizendo isso, o guerreiro celta, cerrou os olhos dando sinais de que aquele diálogo havia sido definitivamente encerrado.
Esperança estava decepcionada. Não podia retornar para o castelo de sua mestra com a negativa do lutador. Precisava pensar em algo, e pensar rápido! Mas o que dizer para alguém que já havia decidido que não aceitaria algo menos que sua liberdade? Ademais, pensou ela, nada mais justo para quem fora caçado, aprisionado e obrigado a lutar por sua vida todos os dias até o momento em que alguém encerrasse seu sofrimento com um golpe certeiro? Ela não tinha dúvidas quanto à certeza das palavras do Celta. Todavia, ela precisava convencê-lo do contrário, pois disso dependia também o seu próprio futuro.
Desesperada, Esperança não hesitou em fazer o que o seu coração ordenava. Levantou-se cuidadosamente deixando que sua silhueta se projetasse por meio da pouca luz disponível e despiu suas vestes, mostrando suas formas esguias e generosas para o deleite do guerreiro. Esperou até que tivesse certeza de que estava sendo observada pelo gladiador e depois disse-lhe com um tom de voz misto de oferecimento e hesitação ante a sua própria sorte: "Gladiador, se eu pudesse implorar-lhe que atendesse ao pedido de minha mestra, eu o faria,... porém, mais que isso eu me ofereço a você..., por favor, atenda ao pedido e salve a minha vida..., eu serei sua pelo tempo que meu corpo e minhas carícias lhe aprouverem... "
O Guerreiro musculoso e rude como a terra de onde viera, olhou detidamente para aquela jovem desnuda e deliciosamente provocante, sem deixar transparecer o que passava por sua mente. Ficou assim por alguns momentos – que para Esperança pareceram séculos intermináveis – e logo em seguida respondeu em um tom solene e desafiador: "O que faz você pensar que eu mataria alguém, apenas pelo prazer de tê-la para mim? Não se mata alguém por algo tão fútil,... Vá embora mulher atrevida,... e diga à sua mestra que não mato por encomenda!"
Esperança não foi capaz de conter a tristeza que invadira sua alma e desabou sobre seus joelhos chorando copiosamente e procurando conter os soluços que explodiam em sua garganta. Não tinha mais palavras nem argumentos e sabia que sem a resposta positiva do gladiador ela não poderia retornar – o castigo a esperava sem dó ou piedade!
Depois de alguns minutos, conformada com o seu próprio destino, Esperança levantou-se e tentando esfregar as lágrimas que ainda rolavam por sua face, agradeceu ao guerreiro por tê-la ouvido e pediu-lhe perdão pelo exagero. Despediu-se apagando a pequena lâmpada que levara consigo e iniciou o retornou pelo mesmo caminho tortuoso pelo qual viera até ali. Quando deu de costas foi tomada de susto pela voz forte e determinada do guerreiro que lhe disse apenas uma última frase: "Vá escrava, vá e diga a sua mestra que sou eu que decido o que fazer e como fazer,... Apenas eu e ninguém mais,... ela pode ser dona do seu destino, porém jamais será do meu..."
Mesmo sem entender muito bem a frase dita pelo gladiador, Esperança sentiu dentro de si um pequeno sopro, os olhos escuros e as palavras do estranho guerreiro queimaram o seu interior até alcançar a sua pobre alma (talvez nem tudo estivesse perdido), mas mesmo assim foi embora pensando no castigo que a esperava quando contasse para sua mestra que havia falhado em sua missão."
O homem cerrou os dentes com força e fechou seu punho, quantos dias, semanas, meses ou melhor anos se haviam passado. Ele tinha perdido tudo, até mesmo o desejo de viver. Mas o que antes lhe pareceu ser uma benção havia se tornado a sua maldição.
Abrir os olhos e voltar a realidade sempre era preciso. Mas não agora...
— Tudo é tão cansativo. Eu queria dar um passo à frente, mas estava com medo de fazer isso. Murmurou ele encostando a testa sobre o vidro da janela. — No entanto... Está dor no meu peito... Esta agonia...
1361 Palavras
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