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Capítulo 7


E essa fama de garoto mau não é por acaso. Existem muitas coisas que omitem sobre a minha pessoa. — O rapaz retira o toque de minha face, e vira-se, ficando de costas para mim, como se estivesse a espairecer. Entretanto, antes de continuar sua fala nostálgica, fixa seus olhos, que agora posso ver o quão verde eles são, nos meus simples olhos castanhos. — Eu também não tinha amigos.

— Também? — questiono a informação recebida antes mesmo de que raciocine sobre tal ato, e ele ri.

— Não precisa agir como se sua vida fosse perfeita como faz com todos. Não comigo, pelo menos.

— E quem disse que eu não possuo amigos? — rebato, eu tenho muitos amigos. Não sou uma esquisita deslocada de convívio social. Tenho Louis, Lucy, Zayn, Lygia...

O homem me encara, e arqueia as sobrancelhas, sugerindo deboche.

— Se você realmente tivesse amigos, você acha mesmo que estaria presa aqui?

O cenário volta a ser de silêncio, mas não de solidão. Não possuo resposta para sua pergunta. Talvez eu até tenha, mas não queira admitir.

Sinto a aura congelada de Harry emanando para o restante do cômodo. Aproximo-me do objeto mais próximo, que acaba por ser uma caixa retangular de madeira, vazia e grande. Não penso duas vezes em me apoiar nela. Não é tão melhor quanto minha posição anterior, mas essa me deixa um pouco mais deitada que a outra. Quero um colchão. Quero minha casa. Não quero mais ficar aqui.

— O mais engraçado é você tentando se enturmar com os populares. Você tem ciência da vergonha que está passando? — Há um hiato em sua fala, mas não possui demora em concluir seu raciocínio. — Amigos te alertariam sobre isso, hein.

Apenas retorno ao local em que eu estava primeiramente em passos lentos e suaves, tentando não soar ameaçadora. Não é como se eu fosse conseguir, o mais próximo que chegaria era de parecer com uma garotinha mimada tomada por revolta.

— Isso foi só uma brincadeira. De mau gosto, mas é apenas uma brincadeira dele.

Ele me encara, desta vez com algo parecido com pena habitando seu olhar.

— Brincadeiras só são realmente brincadeiras quando os dois lados se divertem. A não ser que você dê gargalhadas ao ficar presa em um local totalmente desconhecido, coisa que eu ainda não vi. — Não. Não é isso. Essa afirmação faz com que eu me sinta uma idiota, que está passando a imagem de medrosa e inocente demais para outra pessoa. Mas será que eu não sou assim mesmo?

— E o mais divertido é que os seus problemas com amizades sempre foram assim. Lembra-se de quando as crianças no parquinho brincavam de esconde-esconde só para fugir de você?

Lembro sim. Lembro-me perfeitamente de todas as vezes que ia ao parquinho em frente à escola e era totalmente ignorada pelos meus colegas de classe ou qualquer criança próxima. Recordo quando ia ao balanço e ele se movimentava apenas com o agito de meu corpo, já que não tinha ninguém para me empurrar e levá-lo ao céu. Também me recordo de quando descia o escorregador e não tinha alguém para disputar a respeito de quem subia nele primeiro. Ah, não posso nunca me esquecer da gangorra, em que ficava sempre presa ao chão. Mas é passado, não brinco mais neles.

Mesmo que isso tenha contribuído para as minhas idas frequentes ao shopping com o cartão de crédito de meu pai para aumentar minha autoestima, já passou. Não preciso mais que brinquem comigo no parquinho.

— É, mas ainda precisa que te achem popular para não ser taxada de estranha, ou como a filha do xerife. Mas Louis até que foi bem esperto nessa. — Uma interrogação forma-se em minha face.

— O que ele tem a ver com isso?

— Tudo, linda — responde. — Mas ele é assunto para outra hora.

Não questiono, e não fico nem um pouco curiosa sobre o que ele tem a dizer Talvez essa hora nem chegue, e não vou reclamar se isso acontecer. Se hoje em dia estou um pouco mais segura de mim mesma, foi graças a ele, que me inseriu na sociedade da escola, me colocando entre líderes de torcida e jogadores de futebol. Mesmo isso exigindo um pouco de esforço meu e algumas lágrimas, vale a pena. Acho que meu pai fica orgulhoso de mim por ter amigos bons e não ser uma estranha antissocial. Devido a isso, retomo ao assunto que julgo ser o principal.

— Isso não quer dizer que eu não tenho amigos. Lygia prova isso.

Minha voz sai como o miado de um gato filhote amedrontado. Estou me sentindo do mesmo modo que uma criança se sentiria presa em uma sala com uma professora autoritária e sarcástica demais.

Ou rebater todas as informações recebidas com um sorriso sacana, ou acatar tudo calada, para jogar posteriormente todos os sentimentos para fora, encapsulados em minhas lágrimas. Não possuo a personalidade exigida pela primeira opção, restando-me a esperança de adiar o choro por mais tempo possível.

— Você é tão ingênua ao ponto de dar crédito à amizade de Lygia, Scarlet? —Sou, e a minha resposta fica subentendida no silêncio. — A loirinha só quer que você não encrenque quando pegar ela transando no seu sofá.

— Ela não seria capaz de fazer uma coisa dessas comigo — digo. Ela é a única amiga minha que não conheci através de Louis, e mostrar para ele que eu sou suficientemente interessante para que alguém se torne minha amiga sem interferência dele leva meu ego nos céus.

Ela não é só mais uma amizade por interesse. Nós já conversamos sobre tantos assuntos, ela já me contou diversos segredos, e eu também o fiz. Além de que ela não transaria em meu sofá, Lygia já me disse que é bastante desconfortável.

— É, concordo. Ela vai preferir a cama. A sua cama, mais especificamente.

— Claro que não! Ela não é assim!

— Você acha mesmo que, num casarão vazio e com o pirralho dormindo, ela não vai tirar as roupas, não? — Ele não me dá tempo para negar. — Me poupe, princesa. Seu irmão nunca te contou das grosserias que ela faz com ele quando você não está em casa?

Grosserias?! Conheço sua essência e isso não é de seu feitio, é muito mais fácil meu irmão ter mentido. Ela não consegue nem levantar a mão para uma mísera mosca!

— Eu sei, ela não gosta de sujar as mãos. — diz, em tom debochado. — E desde quando quase ter matado os peixinhos dourados na infância é um segredo? Diante do que você contou a ela, isso não é nada.

Sua arrogância me fere. A importância dos segredos é determinada pela pessoa que o detêm, e se ela acha isso grave, não irei questionar. Mas como ele sabe disso? Quem ele pensa ser para julgar as pessoas desse modo? Ele sequer a conhece, nunca conversou com ela. E Lygia nem está aqui para se defender! Meu pai nunca teve uma reclamação sequer dela, e isso vale ouro, já que é seu primeiro trabalho.

— Pode até ter, mas você nunca ouviu porque ela deve transar muito bem.

Esse é o ápice. Ofender meu pai e uma de minhas amigas é inaceitável! Ela não é uma vadia e papai não transaria com quem tem idade para ser sua filha. Ele ainda não superou a morte de minha mãe.

— E quem você acha que é para falar essas coisas dela? — explodo, levantando a voz.

Meu protesto é completamente ignorado. Meu grito ecoa pelo quarto, e recebo o silêncio de sua parte. Ele me acha tão insignificante ao ponto de ignorar até o meu desabafo? O silêncio volta a reinar, até ele respira fundo e mira seus olhos nos meus. Ele acerta o alvo, e sua batalha já é ganha nesse momento. Talvez a guerra inteira, não duvido disso. E uma frase desliza pelos seus lábios, como se fosse um conselho precioso passado de um pai preocupado para um filho imprudente demais.

— Ponha sua mão no fogo pelos seus amigos, e logo, logo, seu corpo inteiro estará em chamas, Scarlet. — Sua frase marca meu rosto como um tapa. A voz rouca intensifica-a tanto que quase fico tonta quando ela se encontra com meus tímpanos. Não sei o que dizer. Faço como a criança covarde faria. Silêncio agora, para os soluços altos carregados de sofrimento virem depois.



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