Capítulo I
Não acreditariam se contasse, nem eu acredito, mais fácil seria dizer que meus olhos me enganaram, ou que não passou de fruto de algum devaneio induzido por fatores externos, ou, talvez, um mero sonho. Ainda assim, apesar de tão surreal e do absurdismo hiperbólico contido nos acontecimentos que narrarei, faço questão de registrar qualquer detalhe ínfimo que aflorar em minhas memória de forma tão objetiva quanto minha êxtase permitir.
Começou no dia 13 de maio do ano 2024, havia aterrissado em Lisboa às 15:20 para visitar minha irmã, Sara, seria minha segunda vez no país, a outra fora há 11 anos. Num primeiro instante, me surpreendi com o calor intenso apesar de ter sido avisado para não o subestimar. Já despido o casaco que vestia, parei para um lanche no McDonalds do aeroporto enquanto esperava por Sara que apareceu após uns 40 minutos de táxi; um cumprimento afetuoso marcou nosso encontro e logo ela se pôs a explicar que seu carro estava em conserto, portanto teria de usufruir dos transportes públicos e táxis por um tempo.
O lugar onde Sara morava tinha vista para o mar, e que vista maravilhosa era! O azul marinho do mar do Tejo blindava as janelas do quarto andar do apartamento e temperava o ar com uma salinidade leniente. Sara vivia com o filho de 8 anos chamado Lucas num apartamento com dois quartos; em termos de tamanho, era bastante confortável e a decoração simples em tons claros tornava o ambiente acolhedor. Sara determinou que eu poderia me apossar do quarto de Lucas durante a estadia, algo que foi surpreendentemente bem aceito pelo menino que, na verdade, parecia empolgado com a situação. Instalou no quarto uma luminária que emitia luzes coloridas em forma de estrelas no teto e disse que era um presente para me ajudar a dormir, apresentou também uma série de livros infantis e pelúcias que serviriam para o mesmo efeito. Lucas era um ótimo rapaz, por vezes, energético demais para a pouca paciência de sua mãe.
Às 20 horas havia terminado de ajeitar meus pertences no quarto e tomei um banho enquanto Lucas assistia televisão e Sara preparava o jantar. Ajudei a pôr a mesa, e logo me servi do espaguete, Sara tinha mãos mágicas quando o assunto era culinária, ou seria o tempero do amor materno, como ela disse.
O jantar foi acompanhado de risos gerados pela empolgação de Lucas, ele tagarelava sobre sua vida, seus amigos, a escola, os vizinhos, tentou recitar sua biografia detalhadamente no curto espaço de tempo do jantar, e ao terminar, caiu num sono profundo que apenas crianças em idades tenras como essa podem apreciar. Após colocar Lucas no quarto – ele dormiria com Sara – desculpou-se pela agitação, justificou que ele estava ansioso para conhecer o tio.
— Está tudo bem, Sara. Adorei a recepção. — Respondi entre risos.
— Se você diz. Enfim, finalmente algum tempo a sós, assunto de adulto agora.
— Infelizmente.
— Pois é, vou buscar a bebida que te falei. — Dito isso, ela foi em direção a cozinha e retornou com uma garrafa e duas taças em mãos. — Você vai amar, é uma das minhas favoritas.
— Qualquer álcool é bom para você. Licor Beirão? — li o nome no rótulo.
— Sim. Aqui.
Sara me estendeu uma taça e ficou a me observar com expectativa, tomei um gole, estalei a língua em degustação, depois mais um pequeno gole acompanhado de um semblante reflexivo.
— Para de graça, Carlos. Diz aí, o que achou?
— Quantas garrafas consigo levar para o Brasil?
Ela riu-se com a pergunta.
— Por mim, quantas você quiser, o problema é a alfândega.
— Nem me fale. — Suspirei.
— Isso é problema para o futuro, por agora, quero notícias, conta tudo o que se passou esses últimos anos.
Em concordância com a solicitação de Sara, me coloquei a narrar sobre minha vida. Nossos pais se separaram quando éramos pequenos, eu tinha uns 5 anos e Sara beirava os 3 anos de idade; permaneci com nosso pai no Brasil, e ela veio com a mãe para Portugal. Contei sobre meu casamento falho e as duas pequenas vidas fruto desse erro; eram gêmeas, ficamos com a guarda partilhada, entretanto, não queríamos separá-las, então passavam o fim de ano e alguns feriados comigo, e o resto do ano com a mãe. Sara contou sobre o pai de Lucas, Vicente, neste momento viajava a trabalho, um bom homem; tomou uma decisão difícil de se afastar da família, mas não pôde recusar a oportunidade, voltaria depois de um ano, faltando ainda 8 meses para seu retorno.
Foi durante essa conversa com Sara que ocorreu o primeiro devaneio, sonho, alucinação, visão, não sei como devo chamar, sei apenas que, num piscar de olhos, me transportei para terras distantes e desconhecidas.
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