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Olhares

Com o olhar coberto por lágrimas, Aurora corre pelos vastos campos de grama da colina perto do vilarejo, até que consegue se afastar o suficiente e ficar sozinha. Em vista de um dia ensolarado, o fluxo tranquilo do rio e as batidas de vento trazem paz ao coração da garota. O som do canto dos pássaros e da água batendo nas pedras são as únicas coisas que o choro dela quer ouvir no momento.

No entanto, ela começa a escutar alguns barulhos de passos, como se fossem de uma bota de ferro. Ao olhar para a sua esquerda vê um soldado, que a acompanhou saindo do vilarejo, indo em sua direção sem seu capacete, que revela um cabelo azul raspado em uma lateral e um brinco no formato de um crucifixo na orelha do mesmo lado.

Aurora continua olhando para a frente, tentando ignorar a existência do cavaleiro. Ele senta-se próximo a ela. E, enquanto a garota continua chorando, o soldado permanece quieto, com as mãos apoiadas na grama e os olhos fechados, aproveitando o tempo.

— O clima daqui é gostoso. Lá na capital as altas muralhas não deixam você sentir um vento desses — diz o soldado, que não recebe uma única resposta. — Você já foi nas cidades do reino?

— Não.

— Entendo... — Ele estende a mão. — Meu nome é Rodrigo, prazer! — Ela olha tanto a mão dele quanto o tempo de insistência com que ele permanece com ela suspensa ao ar para receber um aperto.

— Aurora... — Ela não apertou sua mão.

Vendo o fracasso de tentar um contato, baixou a mão de imediato.

— E por que choras? Pelo o que ouvi do comandante você sentia-se super feliz com a aparição do exército Real, aconteceu alguma coisa?

— Nada, coisas familiares...

— Ah! Sei como é! Sabe, tinha seis irmãos e nenhum deles se dava bem um com o outro, pois infelizmente minha família alimentou muito o ego, então eles começaram a aprender as coisas e guardar para si, compreende? Eram todos ótimos guerreiros, mas tudo que aprendiam de novo se negavam a compartilhar com os outros. — Ele fecha as mãos enquanto Aurora presta atenção na história. — Uma vez fomos atacados. Pessoas invadiram nossa casa no intuito de assassinar minha família e meus irmãos, sozinhos, caíram um a um, porque mesmo sabendo que podiam ajudar uns aos outros, continuaram sendo egoístas. — Aurora percebe que os dentes do soldado trincam em desgosto e seu ar pesa. — Você já viveu isso? Esse egoísmo?

— Sim! Meus avós, eles se recusam a me ensinar magia. — Aurora abriu um pequeno sorriso e depois uma cara de indignação.

— Magia? Aposto que eles são bons então. — Os olhares se cruzaram.

— São ótimos, são os melhores curandeiros do mundo, eles ajudam muita gente! Eu queria ajudar também... Mas eles não me ensinam magia.

— Ajudam, é? — Rodrigo abre um sorriso maquiavélico, como a feição do próprio demônio. — Talvez estejam te protegendo do perigo que é cuidar das pessoas, nem todo mundo vem com boas intenções.

— Talvez... Ainda assim, eu queria tentar, eu seria super feliz.

— E eles ajudam a todos mesmo? — O soldado chegou mais próximo da garota.

— Qualquer um.

Rodrigo se levanta, puxando-a pelos cabelos. A garota, desnorteada, segue o movimento pela dor e grita em desespero para que ele a solte, no entanto, ele caminha lentamente de volta para o vilarejo. Ao chegar no local, o cavaleiro se pôs na frente da porta da casa dos avós dela, puxa seu punhal e o coloca na garganta de Aurora.

— Entreguem-se! — grita o homem. — Ou vou esfolar a carne desta garota na frente da casa de vocês! — Imediatamente, Frederico e Sophia saem de casa com as mãos para o alto, os soldados subordinados aproximam-se e põem algemas nos dois anciões. Rodrigo, levando a garota como refém, chega mais perto. — Onde ele está? — O olhar do homem gentil e sentimental, que se sentou com Aurora, não existia mais.

Sophia vê o ódio em seus olhos frios. Ela reluta em responder, mas quando Rodrigo pressiona a adaga contra o pescoço de sua neta e o sangue escorre pela lâmina, o desespero bate.

— No quarto! Ele está no quarto!

Rodrigo entra com Aurora, indo em busca do fugitivo. Com um chute violento, encontra o desertor segurando uma espada com o seu corpo contra a parede. Ele pressiona o pano na ferida e sua frio de medo, a arma balança muito em sua mão, enquanto suas pernas buscam forças para se mover.

Rodrigo, vendo a cena, solta uma risada leve e, com o mesmo olhar agressivo, arremessa Aurora para o canto esquerdo do quarto e vai para cima de sua missão. A fraqueza do fugitivo é tanta que o cavaleiro segura a lâmina sem equilíbrio e a lança no chão.

Com o punhal erguido, finca-o na lateral do pescoço da vítima. O homem, cujas dores haviam cessado há pouco, volta a experimentar um desespero imensurável por causa do soldado de cabelo azul que o apunhala sequencialmente por todo o corpo.

Aurora, sentada no canto, não sabe o que fazer. Os gritos a deixam com medo, enquanto gotas de sangue respingam sobre o seu corpo. Ela consegue ouvir o barulho dos músculos sendo rasgados pela lâmina. Aos poucos, a voz do homem fica baixa, até não existir mais.

Ofegante, Rodrigo se levanta e vira-se para a porta.

— Quero homens aqui para recolher o corpo — diz.

Por reflexo, ergue seu braço e protege seu rosto de uma peça de metal.

Aurora jogou um escudo em Rodrigo. Seus olhos estavam como a nascente de rios devido à imensa tristeza e medo que sentia, mas o cavaleiro fica irritado. Ele se agacha para pegar a peça com certo ódio em seus dedos, que apertam com força a placa.

— Sua criança fétida... — Uma forte luz sai da entrada da casa. Rodrigo, por instinto, utiliza o escudo contra a iluminação, que aos poucos fica mais forte.

E mais quente.

Um enorme jato de fogo arremessa-o contra a parede e abre todo o imóvel. As chamas se alastram e explodem, as paredes de pedra se despedaçam e voam por causa do impacto. Aurora, no meio de toda a explosão, apenas se abaixa esperando pelo pior.

Ao se sentir ainda viva, alça os olhos sutilmente, percebendo que seu corpo está envolto por uma bola roxa.

Quando o perigo parte, o orbe também some. Ela põe seu torso de pé e vê vários soldados do Império desnorteados e abatidos pela magia de seus avós.

De repente, se atina a saber como estão seus avós. Sua visão é um completo desespero: lanças perfuram o torso de Sophia, enquanto Frederico tem espadas atravessadas em seu peito. As últimas forças dos anciões foram utilizadas para salvar sua neta.

Aurora corre para perto deles, chorando em desespero.

— Filha. — A voz fraca de Frederico chama atenção da garota, que põe seu avô em seu colo.

— Vô! Vô, fica comigo! — Ela segura a cabeça do senhor, que baba sangue.

— Fuja... — Frederico mal consegue falar — Pegue o livro... O tomo... — Frederico cospe mais sangue.

— Pare de falar, vô! Guarde forças, por favor. — As lágrimas de Aurora se juntam as de seu avô.

— Nós sempre te amamos, filha...

— Vô? Não... — Os olhos de Frederico não se abrem mais. — Vô! — gritou. — NÃO! — Um som que apenas ela pôde sentir o impacto.

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