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Desejos de Baal

Aurora, ao ver a chateação no rosto de seu companheiro, olha para as barracas à sua direita. Estreitando-se contra as mercadorias, ela agacha um pouco o corpo e suavemente furta um turbante, colocando-o enfaixado sobre o rosto de Baal.

— Aurora? — diz um homem no meio da multidão, Baal instintivamente protege a garota em suas costas.

— O senhor me conhece? — Baal finalmente vê quem a chama. Trata-se de um senhor de óculos, com uma idade elevada assim como seus falecidos avós. O olhar é de surpresa e a boca possui poucos dentes. Sua enorme barriga é coberta por uma roupa mais grossa e oclusa, diferente da dos frequentadores da rua, além de utilizar um pequeno chapéu oval

— Venham comigo. — diz o senhor. — Vocês vão acabar arrumando problemas se continuarem pela rua.

A garota recua com o estranho que a chama. Com medo, aperta firme o braço de Baal enquanto tenta achar uma resposta.

— Vamos com ele — diz Baal. Em seguida ele a olha nos olhos. — Ele tem o cheiro de Sophia.

Baal pega na mão de Aurora e, guiados pelo senhor, entram por outras ruas secundárias.

Após uma caminhada, chegam à sua casa. O velho tira seu chapéu e o põe em uma mesa logo na entrada. A madeira da parte interna da estrutura recorda a garota da sua antiga morada. Um corredor imenso separa o salão de recepção, sala e cozinha e na frente deles há uma escadaria que destina ao segundo andar.

O senhor sobe as escadas, pedindo com as mãos para que o sigam. Baal vai na frente, ainda segurando a mão de Aurora.

Nas escadas a madeira range, sendo o único som no lugar tão imenso e vazio. A garota sente seu parceiro extremamente calmo, então aos poucos relaxa para tentar não pensar coisas erradas.

No segundo andar, viram para a esquerda, seguindo o velho. Chegam a um quarto cheio de livros, diversos frascos e recipientes de vidro que guardam estranhos líquidos e gases de diversas colorações.

Um basculante aberto ilumina todo ambiente, em que Aurora encontra-se encantada. Baal dá umas cafungadas no lugar. Por fim, o lobo solta um enorme suspiro de alívio pela boca, vai então até uma cadeira que estava no canto do quarto e senta-se, apoiando sua cabeça e braços na bancada da mesa e pondo-se a descansar.

— Você cresceu muito — diz o senhor com um sorriso de orelha a orelha.

— Desculpe-me, senhor, mas eu não o conheço. — Aurora mantém-se próxima à porta do quarto

— Mil perdões! Me chamo Afonso, sou um velho amigo da sua avó. — Ele estende a mão.

— Da minha avó? — Aurora, com um pouco de medo, trava o movimento dos braços, no entanto, ao ver o lobo tão calmo, sente que pode fazer aquilo. — Prazer! — Ela aperta sua mão.

— Ainda bem que eu os encontrei na rua. — Afonso a oferece um banco alto e pega outro, para se sentarem em frente à mesa, no meio do quarto. — O povo é meio recluso em relação a usuários de magia que não conhecem. Qualquer coisa diferente eles atribuem à invasão mal-intencionada. Penso que se sentem assim ao ver o seu amigo, principalmente por não ser humano.

— Humanos são nojentos — diz Baal com a voz abafada sobre a mesa.

— Então você conhece minha avó? — questiona Aurora.

— Sim! Sim! — Ele dá um leve sorriso. — Sophia e Frederico eram meus amigos de infância. Eu a conheci até ela ter a sua idade, depois desapareceu com uma história de viajar pelo mundo e só retornou quando tinha uns quarenta anos.

— Nossa! Baal, vocês viajaram por tanto tempo assim? — Aurora vira-se para seu amigo.

— Bem, ela gostava de ficar comigo em Iamune, então algumas das viagens eram por lá mesmo.

— Iamune... — fala Afonso. — Então você pretende ir para lá?

— Sim — responde Baal. —, mas preciso de um mapa, não consigo sentir o cheiro do mar nessa região.

— O Império de Myan é vasto, ele é bem longe do mar aberto. — Afonso mexe em alguns de seus livros em uma estante e tira um pergaminho. — Olhe aqui. — Baal se levanta e vai para perto deles olhar o papel. — Esse é um mapa do continente de Bastia. Vejam! — Ele aponta para as nomenclaturas escritas no atlas. — Myan é coberta por montanhas ao seu entorno. Bem longe do mar. Vocês ainda terão que passar por Saluem, lá há um porto, mas sugiro que tomem cuidado.

— Por quê? — Aurora vê no rosto de Afonso a preocupação.

— Saluem e Myan estão em guerra faz algum tempo, aparentemente Myan possui algo mágico de interesse do Rei de Saluem, que, ao que tudo indica, é muito poderoso.

— Inclusive, eu não perguntei a ti... — Aurora vira-se para seu amigo, excitada com a viagem. — Você disse que quer voltar para Iamune, você quer rever sua família?

— Quero matá-la. — A resposta de Baal espanta os dois, trazendo à tona o ar medonho que Aurora vê nele.

— Quê? — pergunta Aurora, atordoada.

Então Baal dá um leve suspiro.

— Sou príncipe e designo do trono dos Hast. A antiga governanta do reino era minha mãe, contudo, meu pai e meu irmão mataram-na... Se eu tivesse ficado... — A voz abafada contra a madeira saía vaga e triste, enquanto arranha a mesa com suas unhas. — Tenho que reconquistar meu império. — Seu modo de falar passa mais dor do que desejo.

— Então por que você estava aprisionado em um pingente?

— Pingente? — Afonso fica curioso. — Então era você o artefato que ela tanto protegia quando voltou para cá.

— Fui amaldiçoado por um feiticeiro. Ele pôs uma marca em meu corpo, que cresce à medida que sinto ódio ou raiva, se ela chegar por completo à metade de meu torso minha existência se esvai — explica Baal. — Quando eu vi meu pai sentado no trono e percebi tudo o que havia ocorrido, meu corpo se encheu de fúria, mas ao invés de conseguir atacá-lo, meu tronco caiu em agonia. Sophia me selou como a única maneira de me proteger. O tempo e o desmemoriamento fizeram com que a dor e o sentimento de raiva não viessem à tona.

— Entendo... — responde Afonso.

— Baal... — Aurora o abraça, ele fica impactado com o gesto e a retribui de volta com um sorriso no rosto.

— Inclusive — diz o lobo, mexendo em sua cabeleira. —, aqui está. — Ele retira um livro de seus cabelos.

— Não acredito! — Afonso o pega imediatamente. — Esse é o livro de Frederico!

— Pensei que fosse o livro da minha avó — fala Aurora.

— Sua avó era a melhor conjuradora deste reino, mas Frederico é o melhor inventor de feitiços, por isso eles eram tão poderosos juntos. — Afonso olha para a garota deslumbrado. — Você quer que eu a ensine a ler?

— Sim! — responde Aurora de imediato.

Baal, ao ver a garota maravilhada com a sua inserção na magia, fica quieto, enquanto um pouco de felicidade adentra o seu corpo. Usa o tempo para descansar, vendo Aurora tão feliz. Percebe que uma forte quantidade de magia emana por todo o torso da jovem. Então se põe a dormir.

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