Caminho Humano
— Aberrante? — Aurora olha para Afonso com seus olhos cheios de lágrimas. — Eu... preciso ficar... sozinha. — Ela se levanta da cadeira e solta a colher, deixando-a fazer um barulho contra o prato. O silêncio habita a cozinha.
Aurora entra gentilmente no quarto e deita-se na cama, põe-se a pensar sozinha. A fina aresta da janela deixa o vento bater na cortina e entrar, remexendo os pelos do seu braço.
Sua paz não dura por muito tempo.
Ela ouve algumas batidas em sua porta, quando se vira para olhar, os cabelos grisalhos de Afonso não deixam mistério, ele entra e se senta na cama de Baal.
— Por que minha avó nunca me contou? — Aurora mantinha-se olhando para o teto.
— Devia estar procurando o momento certo. — As palavras do senhor não parecem ser a resposta.
— Eu estava nadando no rio dias atrás, comendo a comida de meu avô e ouvindo as histórias da minha avó. Por que tudo desabou em um simples instante?
— Coisas ruins acontecem com pessoas boas. — Ele a olha, cheio de lágrimas.
— Você conhecia a minha mãe? — Aurora pergunta com os lábios balbuciando.
— Uma das pessoas mais respeitosas com quem tive o prazer de conversar... — Afonso olha para seus pés. — Sei que as coisas não devem estar sendo fáceis. É muito acontecendo simultaneamente. Contudo, não deixe que isso destrua o que você é por dentro. Mesmo que o mundo esteja um caos, não tremule junto às suas tempestades.
Ele se põe de pé e se aproxima de Aurora, gentilmente pega em sua mão, virando a palma para cima. A garota, confusa e com o rosto sujo de lágrimas, se coloca sentada, e então o senhor diz em voz baixa:
— Fjoer.
Ele fica encarando Aurora, com o intuito de que ela repita.
A garota, receosa, olha para a mão e engole a saliva a seco, enquanto uma estranha sensação de arrepio e ansiedade veem à tona em seu corpo. Ela toma coragem e em um tom baixo enuncia:
— Fjoer.
De repente, sua palma começa a iluminar-se em um brilho mais intenso. Uma pequena raiz de árvore começa a crescer. De início parece ser algo simples, mas, com a surpresa da menina, a planta inicia uma dança. Aurora toma um leve susto e em seguida dá um pequeno sorriso ao ver aquilo.
— Este é o seu poder. Aurora, você tem catorze anos. Não precisa saber como usá-lo, como se fosse um fardo de velhos cansados como eu. Apenas o use para fazê-la feliz. A felicidade é a maior e a mais difícil mágica.
Então eles passam horas conversando. Quanto mais a garota entrega-se ao conhecimento de Afonso, mais Baal sente-se deslocado. Ele começa a evitá-los no quarto de magias e pôs-se a dormir no sofá da sala até que a noite chegue. Em um repentino susto, acorda.
Baal pula do sofá quando já está escuro do lado de fora. Com seus sentidos eriçados, ele rosna para as paredes. Põe-se de pé às pressas para encontrar sua amiga. Com passos brutos, vai até o quarto e abre a porta com violência.
Aurora, que está flutuando devido à magia de Afonso, toma um susto com o senhor deixando todos os seus livros caírem no chão com grosseria, alguns até batem em frascos de vidro.
As orelhas do lobo não param de mexer enquanto ele comprime o nariz.
— Estamos sendo cercados — diz Baal. — Sinto cheiro de magia neles, precisamos sair, Aurora.
— Como nos descobriram? — pergunta Aurora perplexa. Enquanto isso, Afonso corre para fora do quarto empurrando Baal para o lado.
— Seu cheiro, você emana muito poder... — Baal a olha. — Vou te proteger.
— Não, não vai.
A resposta veio de Afonso, ele sai do cômodo desesperado e retorna pouco tempo depois segurando dois colares, os mesmos avistados nos bonecos de pelúcia, e um saco de ouro. Ele coloca no pescoço da garota e dá um leve beijo em sua testa, e então continua a falar com o lobo:
— Você vai levá-la daqui. Pegue, pequena. — Ele a entrega o livro de seus avós. — Estude-o sempre que puder, pratique sempre que estiver apta. Os dois vão sair deste reino, o imperador de Myan é uma pessoa nada confiável, além de um mago extremamente poderoso. Estes colares reduzirão o seu poder, usava para treinar minhas filhas, e essas moedas deverão ser o suficiente para poderem sobreviver. — Afonso volta-se para Baal. — Elas moram em Saluem, siga o mapa e saia com ela daqui, está me entendendo? — Baal assente ao questionamento do homem. — Cuide dela.
— Calma, vem conosco! — Aurora segura a camisa do senhor. Ele, sem conter as emoções, dá um forte abraço nela.
— Sou velho, minha criança, e sem ninguém para segurá-los aqui, vocês seriam encontrados. — Afonso sorri enquanto diz as coisas em seu ouvido: — Eu amava a sua avó, mas nunca tive coragem de dizer nada a ela. Não posso ter medo de tomar uma atitude novamente.
— Obrigado. — Baal o olha como um Hast olha quando respeita alguém. — Vamos! — Puxa Aurora, que não desgruda os olhos de Afonso enquanto se distanciam.
O lobo dá mais uma farejada antes de abrir a janela. Ao ver que não há perigo, direciona uma das mãos dela às suas costas, fazendo-a agarrar seu pescoço e deitar sua cabeça no cabelo enorme e macio.
Pondo-se na beira da janela, salta para o teto de outra casa. E assim vão afastando-se cada vez mais.
Até que, com um estrondo, uma iluminação profunda e gritos de dor ressoam pelo ar. Baal vira-se e fica paralisado. Quando Aurora tira os cabelos de seu amigo para ver o que ocorre, seus olhos não conseguem mais lacrimejar. A casa do senhor que os acolheu pega fogo intensamente.
A garota aperta mais forte o seu companheiro, que se vira e volta a saltar sobre as casas.
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