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– Vivian Darela? – a mulher pergunta para mim, mas não há dúvidas em sua voz, ela já deve me conhecer.
– Sim? Como ela está? Como o meu sobrinho está? – as palavras que saiam da minha boca disputavam para sair rápido.
– Por favor senhorita Darela, fique calma – a mulher, mesmo cansada, me olhava com carinho. E eu não gostei desse olhar.
Se ela estava me tratando com cuidado demais era porque notícias ruins viriam ainda. Mas não posso fazer muita coisa além de sentar o mais reta possível na cadeira e me segurar com toda a força nos descansos de braço.
– Pode me falar doutora.
Inconscientemente eu busco a mão do Nicolau e assim que ele segura minha mão, eu a aperto com muita força, com tanta força que sinto nossos ossos rangerem juntos.
– Bom, sua irmã chegou aqui no hospital com um sangramento intenso, e o quadro dela de...
– Por favor doutora – eu interrompo a mulher. Tento fazer com que a minha voz fique o mais clara possível. – Me poupe dos termos médicos e procedimentos por enquanto. Eu nesse momento só preciso saber se a minha irmã está bem. Se o meu sobrinho está bem...
– Sua irmã está um pouco fraca, mas o quadro dela agora está bem estável, mas já a criança, temo que não conseguiu resistir...
Meu mundo cai e derreto para fora da cadeira. Quando meu corpo toca o chão, não consigo mais ver a doutora na minha frente, as lágrimas já estão cobrindo o meu campo de visão.
Não consigo escutar mais nada. Somente um zunido fraco no meu ouvido. Nicolau me acolhe em seu peito, e sei que ele está falando alguma por causa da vibração que sinto em seu peito. Nem sei por quanto tempo ele fala. Nem sei por quanto tempo eu choro.
Meus olhos ardiam e eu pisquei inúmeras vezes tentando aplacar o ardor. O dia já tinha clareado e o hospital parecia estar mais populoso.
– Você sabe onde está a minha irmã? – pergunto pro homem que estava me consolando. Minha voz saiu fanha e esquisita.
– Vão transferi-la para um quarto em questão de horas. Eu pedi para que nos avisassem quando pudéssemos vê-la.
– Obrigada – encosto novamente a cabeça em seu peito.
– Espero que não tenha problema, mas pedi para um amigo meu ir buscar algumas roupas para nós na sua casa. Não é bom ficarmos no hospital de pijamas... – ele diz alertando para as nossas roupas. – É bom você usar algo mais coberto e quentinho.
Eu não estava tremendo de frio, mas concordei com ele.
Com os primeiros raios do dia, o amigo do Nicolau chega e se apresenta. O nome dele era Carlos, mas eu já o conhecia. Ele era o braço direito do Nicolau e quando investigava meu namorado atual, vi os dois juntos em diversas situações.
Muito atencioso ele trazer uma escova de dentes novinha e vários produtos de higiene pessoal. Depois de me trocar, Nicolau já está me esperando com um copo alto, cheio de café quentinho. O cheiro me faz acordar e melhorar um pouco.
Meu namorado tinha se trocado também e usava um terno com cheiro de novo. Seus sapatos brilhavam e ele tinha um olhar consternado no rosto.
– O que aconteceu? – pergunto.
– Uma reunião que não posso faltar mandona. Me desculpe, mas não vou poder ficar aqui com você. Eu vou resolver o mais rápido que conseguir e...
– Não se preocupe – o interrompo colocando um dedo suavemente sobre seus lábios. – Eu vou ficar bem. Você já fez muita coisa, não quero atrapalhar os seus negócios.
– Você não atrapalha, é que...
– Já disse, está tudo bem – dou um selinho nele e o tranquilizo.
Ele sai a passos rápidos, dizendo que voltava o mais rápido possível. Eu me ocupo em sentar numa cadeira, esperando alguém me dar notícias da minha irmã.
Mas como não possuo muita paciência, eu mesma vou perguntar e depois de perguntar muito, descubro o quarto que a minha irmã foi transferida. Meu coração aperta quando vejo a doutora sair do seu quarto, e agora, eu consigo escutar o diagnóstico da minha irmã.
Ela teve um aborto natural e os médicos não conseguiram salvar a vida do bebê. Ela me explicou detalhadamente os procedimentos e tudo mais, mas não consegui prestar atenção em nada. Tudo o que eu tinha assimilado era que o meu sobrinho não existia mais. Minha irmã deve estar arrasada.
Pergunto se posso entrar e a doutora me libera. Mas fico com mão suspensa, perto do trinco da porta. Estava com medo de entrar. Dou batidas na porta para que ela saiba que tem alguém querendo entrar, mas ela não responde.
Entro no quarto e minha irmã está de costas para a porta, deitada de lado. O único barulho que eu consigo escutar é a da máquina que monitora os seus batimentos cardíacos. Eles estão lentos, arrastados, tristes.
– Vanessa? – digo com receio. Não tenho nem como começar a imaginar o que se passa na cabeça dela nesse exato momento, mas só consigo pensar no pior.
Ela não me responde, e o silêncio que toma o quarto, me sufoca. O que eu poderia falar para ela? O que eu poderia oferecer para a minha irmã que a pudesse confortar de alguma forma? Eu só conseguia pensar na minha presença ali.
Não tinha vivido nada parecido para compartilhar a dor dela. Sei que nem chega a ser uma comparação justa, mas eu também estou arrasada com a perda do bebê. Do meu querido sobrinho. Mas a perca dela não tem tamanho, não tem medida.
Vou me aproximando aos poucos. Minhas pernas demoram a me obedecer e eu me sinto uma intrusa ali dentro. Me sinto uma covarde, mas tenho uma vontade grande de sair daquele quarto. Ou talvez não seja covarde, talvez a minha irmã precise de um tempo sozinha, um tempo para pensar.
– Vanessa. Você quer que eu fique aqui? Eu posso voltar outra hora, se você preferir...
– Viv... – o meu nome sai de sua boca bem baixinho, numa voz chorosa e fraca. Ela se vira para me encarar. Seus olhos estão fundos, vermelhos e quebrados. Me partiu o coração ver minha irmã daquele jeito. Seu olhar tinha envelhecido no mínimo uns trinta anos em questão de poucas horas.
– Eu sei Van – não sei o que falar.
Ainda bem que eu não precisei falar mais nada. Vanessa estica o seu braço na minha direção, me chamando para me aproximar dela. Agora eu vou com pressa, sem demora e segurando a mão da minha irmã, eu a tomo em meus braços, a abraçando o mais apertado que consegui.
Seu peito tremia em concordância com o meu. E choramos juntas, no braço uma da outra, coisa que não fazíamos desde que éramos crianças. Tomei todo o cuidado quando me deitei ao seu lado no leito, sempre com cautela para não puxar ou torcer um tubo que eu não deveria, não queria aumentar a dor de Vanessa.
Os minutos viraram horas e a tarde virou noite. Minha irmã não me largou por nenhum momento. De algum modo o nosso silêncio e o nosso contato estava nos dando força.
Olhei para o relógio e vi que já passara de meia noite. Daqui a algumas horas, acredito eu, estaremos a um dia vivendo de uma das maneiras mais miseráveis possível.
Minha bexiga reclama mais uma vez e eu tenho que levantar para me aliviar. Quando me olho no espelho, não consigo nem me espantar com o meu reflexo. É exatamente como eu imaginava.
Olhos vermelhos. Nariz irritado. Cabelo bagunçado. Roupa amarrotada. Um pedaço de mim tinha morrido.
De dentro do banheiro escuto batidas na porta. Minha irmã manda entrar. Pensei que fosse um médico ou algo parecido, mas era o Nicolau, com uma sacola com algumas roupas minhas e com uma sacola de papel que cheirava maravilhosamente bem.
Em outro momento, aquela sacola me faria revirar os olhos de felicidade e meu estômago acordar para vida. Só que agora, não sentia fome. Mas sabia que tinha que me alimentar, por isso enfiei goela abaixo o jantar, que estava bom, mas estava triste demais para aproveitar alguma coisa.
Já Vanessa se tiver comido duas garfadas foi muito. Ela parecia um robô, sem alma e sem propósito. Seus movimentos eram bruscos e poucos.
– Comprei uma coisa para vocês... – ele retira de outra sacola que eu nem tinha visto, um pote de sorvete de menta com chocolate e duas colheres. Coloca o pote de sorvete entre mim e a Vanessa e entrega uma colher para cada uma. – Se precisar de mim, estou por perto.
Ele me dá um beijo na testa de cada uma de nós e sorri delicadamente. E sem dizer nenhuma outra palavra ele vai saindo do quarto.
– Nicolau! – minha irmã fala repentinamente, assustando tanto eu quanto ele. Nicolau se vira e para de andar. – Obrigada.
Ela agradece e dá o mais próximo de um sorriso que eu a vi dar durante sua estadia ali no hospital. Nicolau faz um movimento suave com a cabeça e desta vez sai do quarto, me deixando novamente só com a minha irmã.
– Ele é um cara legal – minha irmã diz, abrindo o pote de sorvete. Ela enche a colher e coloca todo o conteúdo que tirou dentro da boca. Ela fecha o olho e uma lágrima rola em seu rosto. – Mas você já sabe disso.
– Sim eu sei – pego a minha colher e colho uma quantidade considerável de sorvete.
– Você se importa de me contar mais uma vez a história de como se conheceram? Não me poupe dos detalhes. Será bom pra tirar a minha mente dos meus pensamentos.
– Claro Vanessa...
Elevamos a maca em que ela estava deitada e sentamos, uma do lado da outra, e entre colheradas e lágrimas, conto tudo para minha irmã. Foi maravilhoso colocar a minha mente em outro lugar, tirando o meu coração e o dela um momento da dor.
Pouco mais de duas semanas tinham se passado. Vanessa não saía de casa por nada. Na primeira semana não fez nada além de chorar e alisar a sua barriga, que ainda estava um pouco inchada, mas não havia mais nenhuma vida ali. Mal comia e mal dormia.
Na segunda semana já não chorava mais, e ela fez uma taça cheia de vinho a sua companheira constante. Ela passou a beber. Muito. Provavelmente pelo efeito do álcool ela conseguiu sorrir umas poucas de vezes.
Ainda bem que eu não precisava ir trabalhar. Pude passar esses dias ao lado dela, dando o apoio que ela precisava. Nicolau também vinha aqui em casa, sempre com um estoque de comidas variadas e com pequenos presentes para passar o tempo.
Sua presença perto de nós sempre trazia uma calma, uma sensação que as coisas iriam entrar nos trilhos eventualmente. Minha irmã dava os seus melhores sorrisos com as piadas sem sentido que ele contava. Ou então quando levava um filme que de tão ruim era bom. Mas o melhor de tudo era o seu ombro amigo.
Ele escutava sempre o mesmo pranto, com a mesma paciência e com o mesmo olhar doce. Não falava nada que fizesse a Vanessa parar de chorar, ele só ficava ali, segurando a mão dela, enquanto a cabeça da minha irmã estava no meu colo, molhando toda a minha roupa.
Estava começando a anoitecer e eu já estava esperando o Nicolau aparecer. Ele estava trazendo alguns filmes e disse que tinha comprado pipoca pra alimentar duas salas de cinema lotadas. A campainha toca.
Acho estranho, já que Nicolau tem a chave. Olho pela pequena câmera de segurança e não vejo ninguém na frente de casa. É, deve ser alguma criança...
– Quem era? – Vanessa pergunta.
– Não sei, deve ter sido apenas alguma criança fazendo travessuras aqui...
– Pensei que o Nico tinha perdido a chave daqui – minha irmã dá de ombros e eu sorrio ao olhar a imagem dela.
Ela tinha tomado um bom banho. Seus cabelos estavam limpos e desembaraçados. Já não segurava mais a sua taça e pode ser somente impressão minha, mas eu vi um lampejo de luz querendo voltar aos seus olhos.
– Você está bem Vanessa.
– Precisava tomar um banho, estava cheirando a vinho e tristeza... – ela abre um sorriso sem dentes, mas sincero.
Minha felicidade de ver minha irmã melhorando, aumenta. Só quero ver a minha irmã bem novamente. A acompanho até a cozinha, e me impressiono quando ela abre a geladeira e pega uma maçã e com se fosse natural para ela, dá uma mordida.
Nem sei porque a cena me fez ficar emocionada. Nem tive tempo para parar a lágrima solitária que escorreu na minha bochecha. Mas foi uma lágrima feliz.
Sentamos no sofá da sala e ficamos procurando alguma coisa para assistir enquanto Nicolau não chegava. Mas nem encontramos nada quando ele foi entrando na sala e dando um beijo no topo da cabeça da minha irmã e um selinho rápido em mim.
– Mandona posso falar um minutinho com você? – ele fala baixo no meu ouvido e logo me levanto. Algo na voz dele me fez ficar em alerta.
– Vou fazer a pipoca Vanessa. Você quer alguma coisa pra acompanhar? – pergunto.
– Hum, acho que hoje vou de suco. Que tal de manga, tem algumas na geladeira. Pode deixar que eu faço – ela faz menção de levantar, mas eu a impeço de ficar de pé.
– Pode deixar Vanessa. Pode ir arrumando aqui o filme, eu e o Nicolau voltamos já – digo meio apressada.
– Tá certo mana – ela pisca um olho pra mim. Tá, não era nesse sentido que eu queria ficar sozinha com o Nicolau, mas vai servir.
Vamos até a cozinha e eu vou colocar a pipoca no micro-ondas. Nicolau cola seu peito em minhas costas e suas mãos apertam minha cintura num abraço gostoso. Sua boca vai em direção ao meu pescoço e eu afasto um pouco minha cabeça, facilitando o seu acesso.
– Seu cheiro está diferente... – ele diz mordiscando de leve meu pescoço.
– Um diferente bom ou um diferente ruim?
– Um diferente delicioso – sinto o seu sorriso alargar na minha pele e me sinto arrepiar. Mesmo assim, ainda não me sinto no clima para voltarmos a fazer as nossas loucuras na cama. E nem ele estava forçando alguma coisa.
– O que é que você queria falar comigo? – resolvo então mudar de assunto, para o clima não aumentar.
Mas quase me arrependo de ter perguntado isso. Seus músculos retraem e ele solta uma respiração rápida. Fico nervosa junto com ele. Aproveitei que ele afrouxou o aperto e me viro, ficando de frente para ele.
– Agora você tem a minha curiosidade, o que foi que aconteceu.
– Você recebeu uma carta – ele diz num tom sombrio.
– Carta? – falo confusa, mas quando um lampejo de conhecimento me bate, meu estômago revira.
– Sim – ele me solta e pega um envelope pardo.
Nem preciso abrir para o nó se formar na minha garganta. Eu não tinha mais nada haver com eles. O que ainda querem de mim?
– Onde foi que você encontrou isso?
– Estava no chão, assim que eu abri a porta, eu vi esse envelope.
Me lembrei da hora que a campainha tocou e provavelmente deve ter sido nesse momento que a carta foi entregue. Mas que inferno! Sem conseguir esperar muito, mesmo com os dedos trêmulos eu consigo abrir a carta.
Dentro, escrito com a mesma letra da carta passada, algo que fez o meu sangue gelar. E depois ferver.
Gente, o livro tá esquentando. Estamos caminhando para a nossa trama principal. E aí, o que estão achando? Espero que estejam gostando. Ainda temos muita coisa pela frente. Mas e aí, o que acham que tem nesse novo bilhete?
Se gostaram, não se esqueçam de votar e cometar :D Beijos e até breve ;**
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