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- Você está bem Vivian? - Fábio me pergunta baixinho, já que o estacionamento da delegacia estava cheio de policiais.
- Estou Fábio - olho para ele e tento dar o meu melhor sorriso.
- Você sabe que...
- Eu sei Fábio, você sempre vai estar ao meu lado para me apoiar, mas eu estou bem, sério. Só ainda com uma pontada de dor de cabeça...
- Certo então - ele volta a me acompanhar em silêncio. - Você não vai numa viatura? - ele pergunta quando eu passo direto pelas duas viaturas que se preparam para ir até a cena do crime.
- Não. Acho que a dor de cabeça só tende a piorar e eu não quero ainda ter que voltar pra delegacia... Vou no meu carro mesmo, e de lá, eu vou direto pra minha casa.
- Bem pensado Vivian - ele fala me acompanhando.
- Você vai comigo?
- Não, vou no meu carro também. Quando sai de casa de madrugada a Rebeca ficou preocupada, mas eu disse que voltava cedo, e se eu for na viatura e voltar pra cá, me conheço, vou acabar querendo ligar todos os pontos ainda hoje... E amanhã tem o jogo do Gustavo, não posso perder o jogo dele.
- Você tem que tirar um pouco a cabeça do trabalho... - falo.
Fábio para de andar e começa a gargalhar.
- Só assim mesmo né Vivian? E vindo de você? Um dia você ainda me mata de rir. Se alguém aqui tem que dar um tempo do trabalho, esse alguém é você.
Dou um soco de leve no braço dele e ri de leve da sua piada. Mas sei que ele realmente acredita nisso.
- Se você quer tomar o meu cargo diz logo...
- Não mesmo, muita burocracia e tem segredos demais, perigoso demais. Não sei se minha família iria aguentar.
- Sorte a minha que eu nem gato tenho - pego as chaves do meu carro e o destranco.
- Vivian, você sabe que não foi isso que eu quis dizer.
Sei que o Fábio nunca iria "esfregar" sua felicidade com sua família na minha cara. Ele e a sua mulher Rebeca foram namorados no colégio, faculdade e hoje são felizes e tem um filho muito fofo de oito anos chamado Gustavo.
Ele não fala por mal essas coisas, sei que ele como meu amigo só quer o meu bem, e que eu seja feliz, e como ele é feliz com a família dele, ele quer que eu encontre uma família para mim. Cansei de falar para ele que o meu trabalho me deixa muito feliz.
Já tenho uma família. Meus pais e minha irmã, acho que eu ainda não tinha falado sobre ela correto?
Vanessa é uma jovem em todos os aspectos da palavra. Oito anos mais nova do que eu. Mas nunca deu trabalho aos meus pais, nenhum desgosto, que é como a minha mãe fala do meu trabalho. Nós tivemos uma fase bem chata quando ela era mais nova e cheia de vontades, mas hoje nos damos bem.
Ela realmente parece muito comigo, uma versão minha mais jovem, mais magra e mais bonita. Vanessa tinha os cabelos escuros, mas não tanto quanto os meus e seus olhos são escuros, puxando os do meu pai.
Apesar não nos falarmos todos os dias e nem sermos confidentes - acho que o lance da idade atrapalhou um pouco a gente - ela é uma parte importante da minha vida e sabe disso. Ela acabou de completar dezenove anos está seguindo os passos da minha mãe, vai cuidar da livraria.
Está fazendo administração e nos falamos vez ou outra. Mas chega de falar sobre a Vanessa, nem sei porque pensei nela agora, mas tenho que me focar no trabalho.
Dou a partida no carro e vou seguindo calmamente as duas viaturas policiais. Eles vão se afastando da cidade e já consigo ver o mar brilhando com intensidade, o brilho prateado da lua.
Até que as viaturas estacionam e eu coloco meu carro ali perto.
Já tinha andado por ali. Mas não tinha prestado muita atenção nos detalhes dali. Já tinha feito um treinamento da polícia ali e o treinamento foi de dia. Não fazia ideia de como esse lugar era reservado e esquisito à noite.
O galpão estava escuro e era o último de um lote de quinze galpões que geralmente eram usados como depósitos. Antes de entrar, um corpo masculino estava estirado ao chão, um cano de ferro enfiado em seu peito, e abaixo dele uma enorme poça de seu próprio sangue.
- Temos identificação? - pergunto me aproximando dos dois policais que estavam ali perto. Um estava tirando fotos do corpo e o outro anotava algumas coisas num papel. O que anotava no papel foi que me respondeu.
- O que você está fazendo aqui moça? Não viu a faixa amarela?
Ai que droga, mas um que não compreende que eu posso fazer o meu trabalho sendo uma mulher. Retirei meu distintivo que estava preso na parte detrás do meu jeans e mostrei para ele.
Sua postura muda, mesmo a pouca luz ele reconheceu meu distintivo e deve ter juntado uma coisa com a outra, ele fez um sinal de respeito para mim e assume outra postura.
- Tenente Darela, desculpa é que o ambiente está escuro e...
- Poupe suas palavras, oficial - falo, tentando manter a calma. - Então, temos uma identificação?
- Ainda não, estamos trabalhando na identidade dele, mas não acho que isso vá ser muito relevante na resolução do caso.
- E por qual motivo você acha isso?
- Simples, ele tinha um celular na mão e a ultima ligação que foi feita no celular foi para a emergência.
- Então você acha que esse homem viu tudo o que aconteceu aqui, ligou para a polícia, e o senhor Castilho o viu e o assassinou?
- Sim, é a coisa mais óbvia a se pensar.
- E já temos o telefone isolado, com digitais?
- Sim, nós tomamos o cuidado para não adicionar mais nenhuma digital, e vamos levar para a delegacia, onde vamos fazer o reconhecimento delas.
Mas que merda! Tudo parece estar se encaixando. Nicolau estava aqui, a poucos metros, poderia muito bem ter avistado esse pobre homem e retirado a sua vida. Só vejo um problema. Como é que um morador de rua tinha acesso à esse celular?
Acho pouco provável ele ter comprado esse celular, a não ser que ele tenha roubado, ou encontrado, alguma coisa assim. Mas o estranho é que eu sei que tinha um orelhão público ali perto. Porque você não telefonou de lá? Vai ver, o orelhão está quebrado...
Olho para o corpo do homem no chão e suas roupas estão velhas e esfarrapadas, seu rosto coberto por uma fuligem e somente uma perfuração no corpo inteiro. Direto no coração, uma morte rápida.
Me abaixo para olhar o homem melhor. Coloco umas luvas de látex toco de leve a ferida. Uma perfuração limpa, o assassino não hesitou por nenhum segundo ao enfiar esse cano no peito desse homem. O sangue ainda está fresco e pela quantidade de sangue que eu estou vendo no chão só posso pensar que ele sangrou até a morte.
Mas seu rosto, tinha alguma coisa muito familiar no rosto desse homem... Seu rosto não me é estranho, será que eu já o tinha visto por aqui? Mas não adianta ficar olhando aqui pra ele agora. Nesse momento eu tenho que ver o resto das vítimas.
- Me informem sobre qualquer coisa que descobrir sobre esse homem...
- Sim Tenente - o rapaz mais uma vez faz seu sinal de respeito e eu me despeço e vou me afastando dos dois.
Vejo Fábio afastado, conversando com um senhor baixo, barrigudo e de cabelos grisalhos. O senhor está de robe, provavelmente mora ali perto. Ao me ver, Fábio acena para mim e me chama. Quando eu me aproximo dos dois, Fábio vai logo me apresentando ao senhor. Ele é o dono daquele complexo.
- Então ele estava me dizendo que está à nossa disposição para resolvermos tudo. Disse que irá nos fornecer as imagens das câmeras de segurança...
- Câmeras de segurança?
- Sim, - o homem velho começou a falar. - Mandei instalar essas câmeras há alguns meses, quando tudo começou. Aqui é um lugar muito escondido, e à noite é bem isolado... Fiquei com medo que pudesse acontecer alguma coisa... E aconteceu.
- Realmente peço desculpas pelo ocorrido senhor. E obrigada por nos fornecer as imagens, o que encontraremos nelas vai ser o ponto final nessa história de horror e assassinatos. E se o senhor depois puder nos dar a lista dos donos e das pessoas que alugam esses espaços, será de grande ajuda.
- Deus te ouça Tenente - o homem fala. - E meu escritório estará aberto para as investigações.
- Obrigada. Agora, se vocês dois me dão licença, eu vou ver os corpos.
Antes que eu passasse pela porta Fábio me alcança e me segura pelo braço.
- Vivian, eu tenho que te avisar, está diferente. Não sei se um dia eu vi alguma coisa parecida, nem vinda dele...
- Tudo bem Fábio, obrigada pelo aviso.
- Não há que quê - ele fala, soltando o meu braço e me deixando livre para entrar no galpão.
Três holofotes apontavam para o centro do galpão onde tinha uma enorme cama de casal. E o casal está em cima da cama. Linhas presas ao teto e aos holofotes sustentavam os corpos em suas posições.
Não tinha palavras que me preparassem para aquilo.
O homem estava deitado com as costas viradas para o colchão. A mulher estava sentada em cima dele, os dois corpos estavam nus, mas o dela estava completamente sem pele. Mesmo de longe eu consegui ver o corte na garganta do homem.
Fui me aproximando e notando os detalhes. A mulher foi posta em cima do homem com suas costas bem arqueadas, bunda empinada, cabeça para trás, mãos espalhadas no peito do homem. Os cabelos estavam soltos e mexiam de leve com o vento que vinha pela porta.
Balançava também alguns corações pendurados nas linhas, eram de tons de vermelho e rosa e pareciam ter sido recortados à mão. Mas que doente!
Não tinha dúvidas, ele quis simular uma relação sexual aqui. Mas agora, porque?
De costume a pele da mulher estava ao lado dos corpos, e nem precisei olhar para aquela pele para saber que não teria a mão esquerda. Não sei que merda de coisa esquisita era aquilo, retirar a pele e ficar com a mão esquerda.
- Tenente - um dos policiais se aproxima de mim e me entrega um pequeno envelope branco. No envelope tinham duas gotas de sangue. Escrito em letras grandes de forma tinha o meu nome.
Noto que a carta ainda estava selada.
- Não abriram antes porque?
- Iríamos abrir Tenente, mas quando nos informaram que a senhora estava vindo, então resolvemos esperá-la, afinal, isso é endereçado à você...
- Certo.
Sem cerimônias pego o pequeno envelope e o rasgo, liberando o pequeno pedaço de cartolina branca que continha os dizeres do recado. Respirei fundo algumas vezes antes de olhar as linhas que estavam escritas à mão.
A letra era pequena e apressada, não tinha a mesma beleza do que a letra na frente do envelope. Acho que ele escreveu esse recado às pressas...
"Eu tenho te observado de perto Vivian Darela. Sei o que está acontecendo na sua vida e sei dos seus sonhos. Conheço tudo o que há para conhecer de você. Sei da sua devoção por esse caso. Desculpe informá-la, mas você não vai conseguir me pegar. Não enquanto eu não quiser. Mas voltando à você, sei como sua vida sexual anda parada, então fiz essa cena para esquentar as coisas, o que achou? Siga a linha do prazer Vivian. Algo não está no lugar."
Ah Nicolau Castilho, seu descarado! Tenho que por minhas mãos nas fitas de segurança! Ele nunca mais vai ver o nascer do Sol! Vou me certificar que ele esteja muito bem preso e longe de qualquer esperança!
Como ele foi capaz de fazer uma coisa dessas? Meu estômago já estava querendo revirar somente pelo cheiro... Siga a linha do prazer, algo não está no lugar, mas que merda era aquela? Que tipo de jogo de palavras aquele bastardo estava fazendo agora.
A não ser que...
Não seja um jogo de palavras, será que era literalmente? Me aproximo dos corpos e vejo uma linha mais fina que as demais, quase imperceptível, estava invisível com toda aquela luminosidade.
A linha saía exatamente do clitóris da vítima.
Mas que bastardo! Seguro a linha e vou acompanhando seu comprimento. Os policiais me acompanham de longe, curiosos para saber onde eu vou. Me afastando da cena vou seguindo a linha até me deparar com uma janela velha e tão cheia de poeira que estava cinza.
- Ótimo, não tem nad... - antes que eu pudesse completar percebo uma linha marrom alinhada com o ferro da janela, a cor da linha poderia ser confundida com ferrugem, mas alguma coisa me disse que não era. Me aproximei dali e passei meus dedos ali em cima.
Aquilo parecia papel. Tentei retirar o papel dali e veio em um grande retângulo de papel de cor esquisita. Parecia uma pasta de arquivo.
Pego esse arquivo e vejo seu nome.
"Nomes locatários e donos"
- Filho da puta! - não consigo evitar meu grito de raiva ao perceber que ele já tinha posto as mãos dele nos arquivos dos locatários daqui.
E mais uma vez o nome dele estava lá.
Nicolau Castilho.
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