Capítulo 50
Vozes distantes ficavam me puxando para a realidade.
— É assim que uma competidora é tratada no castelo? — perguntou uma voz fina feminina. — Graças aos céus, eu nunca me inscrevi para aquela bobagem.
— Isto está horrível... o que vai fazer? — questionou outra voz, desta vez masculina e bem eloquente.
Aquelas vozes... onde já as ouvira? Eram tão familiares.
— Vou colocar o osso no lugar — esta eu reconhecia. Seu tom sarcástico e bonito. Cassian. Ele falou muito próximo: — Sinto muito, princesa. Aguente firme.
Então algo se repuxou e foi abruptamente levantado e gritei com a dor que queimou.
— Acho que vou vomitar — disse a voz feminina.
— Você está bem? — questionou a voz masculina em evidente preocupação.
— Estou...— um grunhido de dor é ouvido. Cassian estava ferido? — Dê isto para ela beber... merda.
Queria perguntar se era ela o convocando.
Será que estava quebrando algum de seus ossos? Ou só lhe proporcionando uma dor de cabeça horrível?
— Ei, bonitão, você está sangrando... — alertou a voz feminina, levemente preocupada.
— Eu tenho que voltar... Não me olhe assim, pequeno mercenário. Não me esqueci de nosso acordo. A mantenha a salvo... — então o ouvi muito próximo. Não... dentro da minha cabeça.
Adeus, princesa.
Parecia uma despedida, se não fosse nosso acordo de sangue teria acreditado que era para sempre.
Então tudo começou a ficar silencioso e a dor foi se tornando distante até não passar de uma lembrança ruim.
☽⋯❂⋯☾
— Até quando este pedaço de merda real continuará dormindo? Não sou sua maldita babá — grunhiu alguém, me acordando.
Abri os olhos sentindo meu corpo ainda dolorido, mas não quebrado. Não sentia a dor da costela ou do braço partido. Eles pareciam bem, estranhamente bem.
Me sentei e analisei o lugar. Estava em um quarto pequeno e empoeirado. Estava sentada em uma cama de madeira velha e havia uma mesinha com uma tigela com água e empoleirado nela estava um garoto com o rosto franzino e delicado... não, uma garota. Reconheci suas vestes e expressão de desdém e raiva.
Lenna.
Na cadeira com a perna cruzada e um livro na sua mão esquerda e na direita óculos, estava Aschilan. Seus cabelos estavam curtos em comparação com a primeira vez que o vi e mesmo assim os cachos indomáveis, uma completa bagunça.
Seus olhos me analisaram como provavelmente um estudioso olharia para uma espécie recém descoberta de algum animal.
— A princesa acordou, finalmente. Achei que ficaria dormindo até o seu namoradinho invadir a casa e a levar embora — disse Lenna rispidamente, debochando do título.
Título. Leon me deu um antes da cerimônia. As imagens de antes me preenchem e me levantei lembrando de Yanna, da rainha.
Cambaleio e Aschilan correu para me segurar pelo cotovelo. O vestido marrom e simples que usava substituiu o vestido de noiva que agora estava jogado no canto do quarto.
Não queria saber quem me trocou.
— Se acalme. Você não está totalmente recuperada. Mesmo após beber seja lá o que ele lhe deu, seu corpo ainda está fraco.
— Onde... — água. Precisava de água. Quanto tempo fazia que não bebia? Minha garganta estava tão seca que dois falar. — Yanna... ele conseguiu... pegar o corpo dela?
Minha boca estava com um gosto terrível de sangue. Queria vomitar.
— Sim — falou Lenna sem qualquer emoção na voz. Seus olhos se fixaram nos meus. — Quem era a pessoa que vocês estavam lutando?
— Um monstro — apertei as pálpebras, quase aliviada ao saber que ele a havia tirado de lá.
Mas Damien ainda estava... Assim como Luke.
Só este permanente foi capaz de extinguir meu alívio.
— Vamos te ajudar a sair de Mountsin — disse Aschilan.
Voltei a me sentar na cama com sua ajuda e apoiei a cabeça nas mãos.
— Por que... o que ele ofereceu em troca? — que preço ele tinha pagado pela ajuda deles? E como diabos isto me afetaria?
— Alguns favores. Por quê? Não quer nossa ajuda? — perguntou Lenna, de forma ácida. — Então vamos embora.
— Lenna - suspirou, Aschilan. — Vá ver como Islachr está.
Ela bufou alto e saiu resmungando.
Islarch... ele não devia estar na masmorra... como saiu?
A fuga... os guardas...
Cassian.
Seus olhos analisaram meu corpo, em busca dos machucados inexistentes. Ele deixou o óculos e o livro na mesinha ao lado de uma tigela com uma jarra e um copo.
— Desculpe pelo comportamento de Lenna. Sua criação foi repleta de negligencia e violência. Está é uma forma que ela encontrou de chamar a atenção — sabia muito bem como era. Tínhamos algumas coisas em comum. Mas enquanto eu escolhi a auto-piedade, ela escolheu o ódio a tudo e a todos. Talvez eu devesse ter escolhido este caminho. — Você deve ter perguntas, bom, eu também tenho. Quem vai começar?
Levantei a cabeça e o encarei.
— O que ele ofereceu?
— Seu namorado...
— Não é meu namorado — falei, fazendo careta.
Ele deu de ombros.
— Companheiro, amigo ou inimigo. Como quiser chamar. Ele nos ajudou, sabia que estávamos planejando entrar na masmorra do castelo e salvar Islarch. Não fazíamos idéia de que o novo rei era tão benevolente — Novo rei.
Então ele fora coroado. Que horas eram? Que dia era?
Olhei para a janela do quarto e ainda estava escuro. Tinha dormido por quanto tempo?
— Ele usou seu poder para o tirar de lá e só pediu que quando chegasse a hora deveríamos ajudar uma jovem a fugir do reino. Que surpresa a minha foi descobrir que ela era a nova princesa e noiva do rei — falou me olhando com um sorriso de lado.
— Não sou princesa — sussurrei, franzindo a testa.
Muito menos noiva daquele ser.
— Não é isso que esse cartaz diz — ele tirou do bolso um papel dobrado e o abriu. Nele havia uma pintura minha sorrindo usando um vestido carmesim. O desenho era bonito, aquela pessoa na imagem era tão cheia de vida, de paz, de amor. Desviei os olhos dela e vi as palavras em baixo.
"Procura-se a noiva do Rei Leon Pwerus. Foi sequestrada por um homem alto e ruivo. Blá-blá-blá. Quem a encontrar a recompensa será um título de livre escolha e dois baús de ouro."
— Isso está sendo distribuído por toda a Cìlia. Depois de alguns dias todos no continente saberão quem é você, e sabe, só com algumas moedas você já seria caçada por alguns ótimos mercenários. Mas dois baús? E um título de livre escolha? Até Lenna está tentada a te entregar — comentou soltando um risinho.
Dois baús de ouro. Um título de livre escolha.
Isso era como jogar carne fresca para um monte de abutre. Seria difícil fugir, todos já deveriam ter decorando minhas feições.
— E a princesa Alba?
— Ela? Bom. Seu noivo... ele anunciou o cancelamento alegando que havia se apaixonado pela concorrente da competição de seu irmão. Uma plebeia. Deve imaginar como o povo ficou extasiado, uma igual no poder. Uma linda e comovente história de amor que fora atrapalhada por um vilão mal que a sequestrou.
O desgraçado sabia mesmo mentir.
Balançei a cabeça.
Como Alba estaria após tudo aquilo?
— Que dia é hoje?
— Se passou dois dias depois da sua fuga. Se quer mesmo fugir sugiro que vá antes do sol nascer. O que será daqui três horas. E não se preocupe quanto a esses cartazes, tenho o disfarce perfeito.
Concordei com a cabeça. Seria mais fácil. Devolvi o cartaz, não olhando para minha imagem sorridente.
— E quanto a Imyir? — ela estava a caminho da prisão. Isso se já não estivesse lá. Não tinha ideia de onde ficava aquele pequeno pedaço do inferno.
— Minha mulher cuidará dela, ela tem influência lá dentro — sua voz ficou baixa ao falar da mulher, que foi o motivo de ter me sequestrado.
Então ele ainda não conseguiu a tirar de lá.
Optei em confiar nele, afinal era sua mulher, mas não deixei de me preocupar com elas.
— Ele te ofereceu o quê para ajudar Imyir?
— Que destruirá aquela prisão, após se libertar, com sua ajuda — vi suas perguntas estampadas no rosto, sobre quem exatamente Cassian era. — Se já acabou eu tenho três perguntas para você e depois você decide se vai ou não ir embora. Seu irmão está lá em baixo, com a irmã do tal Damien, disse que seus pais foram embora. E que ele resolveu ficar para ajudar e proteger a garota.
Fiquei aliviada em saber que Mathias a tinha trazido e cuidado dela. Ela tinha perdido tudo, talvez mais do que eu. Pensaria depois sobre todas as mortes que causei, por hora somente minha fuga deveria ser minha prioridade.
— As faça.
— Qual é o objetivo do rei quanto a você? Dá pra se notar que não foi uma bela história de amor.
Deveria lhe contar a verdade?
— Eu sou importante para ele conseguir... mais poder.
Não diria o porque. Afinal, não confiava totalmente nele.
Não era uma resposta que o agradou, mas ele não insistiu.
— Eu posso confiar no tal Cassian?
Suspirei e dando de ombros.
— Eu não sei. Não confio totalmente nele, mas ele parece dizer a verdade — sim de fato ele sempre me disse a verdade. Desde que nos conhecemos.
— E em você? Posso confiar em você?
Dei de ombros.
— Tanto quanto eu posso confiar em você.
— É justo — ele se levantou e pegou suas coisas. — Vou estar no quarto ao lado. — Eu lamento... pelo que passou.
E saiu fechando a porta.
Fechei os olhos.
☽⋯❂⋯☾
Depois de tomar um banho de balde no banheiro compartilhado, estávamos em uma pousada afastada do castelo e perto do mar.
Era tão suja e decrépita que quase não tinha clientes. Recusei o jantar que era uma sopa com um cheiro pior que o da Eleonora. Só bebi a água.
Voltei para o quarto e peguei a carta do Damien no vestido. Achei que era hora de lê-la. A abri e as palavras me fizeram sentar na cama com lágrimas nos olhos.
"Nocte, sinto muito. Acho que nunca será capaz de me perdoar e eu entendo. Mas nós, nossa história, nunca teria dando certo, mesmo que você nunca tivesse sido levada, mesmo que nada daquilo tivesse ocorrido. Nunca poderíamos ter um final feliz, e acho que você também sabia. Não estávamos destinados a ficar juntos e percebi que tinha que te tirar aquela casa, eu vi suas costas. Sabia o que tinha sofrido e o que sofria. Aquela foi a única maneira que achei de te salvar, e se te perder era uma consequência eu aceitaria, só para vê-la livre, sem dor. Sei que não confia mais em mim, mas você corre perigo neste castelo. Tente ser eliminada e vá até minha casa e pegue o dinheiro com minha irmã, não precisa me ver. Seja livre, e leve meu coração com você, porque foi a única coisa que eu não pude vender, a única coisa que é e sempre será eternamente seu.
Eu te amo, Damien."
— Então o que fará após fugir, alteza? — perguntou Lenna entrando abruptamente no quarto.
Limpei os olhos na manga do vestido.
— Irei conseguir poder. Para então voltar.
— E destruir? — havia excitação em sua voz.
— Destruir — concordei.
Ela sorriu mostrando os dentes.
— Vai precisar disto então — ela me jogou um saco marrom. O peguei e aqueles panos tinham um cheiro horrível.
— Onde voce pegou isto? No lixo?
— Sim — e deu de ombros saindo do quarto.
Depois de vestir as roupas do saco marrom e quase vomitar com o cheiro ela me arrastou até os fundos da pousada e pintou meus cabelos de loiro. Ficamos quase uma hora ali para a tinta fazer efeito e eu quase a esganei pelos puxões no cabelos que sabia, eram intencionais.
Fez uma trança no cabelo e me deu um chapéu velho. Sujou meu rosto e quando minha feminilidade se foi ela sorriu e me declarou repulsiva demais para ser uma princesa procurada.
Essa era a intenção.
Até Aschilan não me reconheceu quando voltei para o quarto e elogiou o trabalho de Lenna que corou suavemente.
— Vai ver seu irmão? — perguntou franzino o nariz para meu cheiro.
Puxei a barra da camiseta preta para baixo e encarei as botas surradas. A calça para ficar no lugar precisou de um cinto e o casaco cinza era tão grande que parecia um vestido.
Tinha tantas perguntas a ele, mas nos tinha tempo. E era provável que o iria socar se ficássemos no mesmo cômodo.
— Não. Mas de isso a ele — peguei o anel que ainda usava e coloquei na sua palma aberta. — Mande ele ir para longe com Mad e vender isto. Vai conseguir um bom dinheiro. — Poderia sugerir que eles pegassem o dinheiro da competição no banco, mas Leon poderia detecta-los.
O peso no dedo me abandonou e mesmo assim não consegui me sentir livre, acho que demoraria um tempo para tal coisa.
Apertei a carta que estava no bolso do casaco, a levaria comigo, já que era a única coisa que possuía dele.
— Aqui — ele me deu um papel com um desenho de uma bandeira de navio. — Este é o seu bilhete, diga para o capitão que Aschilan a mandou. Ele me deve um favor e vai te levar a onde você quiser. Tem algum nome falso para usar?
Pensei durante alguns minutos e só um parecia o correto.
— Tenho. É Nocte — não era exatamente falso. Tinha matado Rosemary quando enfiei aquela adaga em Damien. — Obrigada — falei indo até a porta. Mesmo que tudo aquilo fosse apenas um trabalho para eles eu me sentia grata.
Era o mais próximo que tinha de amigos no momento.
— Boa sorte.
— Tente não morrer — disse Lenna indo até o quarto de Islachr.
Que parecia melhor do no dia que o vi, foi isso que Aschilan me disse, ele estava sem a mão e muito machucado, mas vivo. Não consegui olhá-lo, não queria ver o resultado da tortura de Leon, ela deixava uma marca e era a mesma que eu carregava.
Caminhei até as docas mantendo a cabeça baixa e protegendo o rosto do frio. O cheiro forte de peixe e maresia quase me fizeram sorrir ao ver o mar infinitamente azul e sereno se estender além da minha visão. Mas a cor, era igual a cor dos olhos dele e a alegria se foi.
Muitas casas aglomeradas percorriam a costa.
Alguns feirantes tinham acabado de arrumar as barracas já que o sol estava nascendo. Vi alguns cartazes espalhados e andei com pressa até os navios.
Aschilan disse que o navio era negro e de porte médio, com uma bandeira de uma sereia segurando um coração preto.
O encontrei com vários homens gritando e correndo com caixas de um lado para o outro. Subi pela rampa de madeira e dei uma última olhada para o Reino de Mountsin. Grande impiedoso, minha prisão particular.
Deixei o fantasma de Rosemary Argae Swan ali.
Desviei o olhar. Voltaria um dia para destruir este lugar, um dia.
Ergui a cabeça e algumas mechas loiras voaram da trança e vi a neve finalmente cair em Mountsin e dei mais um passo, subindo no navio.
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