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Capítulo 21

Islachr se pôs na minha frente.

Era quase cômica a cena. Não parecia que eu era a sequestrada e Leon viera me salvar. Parecia que Islachr me protegia de Leon.

Os três guardas que viera com ele, dois foram atrás de Lenna e Aschilan e apenas um permaneceu. Ele não veio com Fergus.

Leon ergueu a sua espada. Era diferente das que ficavam penduradas na sua parede.

Essa era negra como a noite. Com desenhos prateados intrincados na lâmina, e pontos que me lembravam a estrelas. Havia também alguns arabescos que dominavam metade da espada.

— Fique atrás de mim — disse Islachr e Leon abriu um sorriso com dentes.

— Espero que tenha consciência que suas escolhas vão te levar até uma consequência. E não vai gostar muito dela — o outro guarda estava em cima do cavalo e olhava para os dois avidamente. Esperando a luta começar.

Islachr não respondeu e pegou suas duas espadas curvadas das costas.

Ele sorriu avançando até onde Leon estava.

— Ora, alteza. Tenho plena consciência de meus atos, vou adorar desfigurar seu rosto bonito — e desferiu o primeiro golpe.

Apesar do tamanho ele era muito ágil e o barulho da sua espada se chocando com a de Leon reverberou pelo meu corpo.

Alto e estridente e horrível.

Meu coração acelerou conforme eu tentava acompanhar a luta.

Leon afastou com agilidade a espada da mão esquerda de Islachr que usou a outra para golpear suas costas expostas. Mas ele desviou com graça se afastando.

O príncipe parecia dançar e o grandão não sabia acompanhar seus passos.

Ele não desferiu golpe algum apenas os recebia e os desviava.

Islachr subiu suas duas espadas e as desceu em direção a cabeça de Leon, que segurando aponta da sua espada com a mão livre parou o golpe.

Mas o grandão tinha mais força que Leon e continuou a descendo e vi o suor escorrer de ambos.

Com o coração na boca não podia fazer nada apenas olhar e temer pela vida do príncipe que não possuía vantagem alguma contra a força de Islachr.

Leon abriu um sorriso de desdém e então tudo mudou.

Ele empurrou com sua espada as espadas de Islachr para cima tão rápido que o grandão não conseguiu entender o que havia acontecido e se desequilibrou.

Leon poderia ter lhe dado o último golpe, ali naquele instante, mas não o fez... ele quase parecia divertido naquele momento.

Ele circulou Islachr e o atacou. Suas posições de inverteram e em segundos Leon o fazia recuar apenas mantendo suas espadas cruzadas em cima do rosto.

Islachr tropeçou em uma pedra e Leon aproveitou para acabar com a luta, mas o grandão o chutou no estômago e o atingiu no ombro com a espada.

Assustada coloquei a mão no ombro.

Leon pulou para trás colocando a mão no ombro esquerdo ferido e analisou seu sangue na sua mão.

— Foi o primeiro em muitos anos a me ferir — disse com os olhos cobalto escurecendo. — E será o último.

Dessa vez Leon agiu com mais rapidez e força. Quase voraz.

Ele desferiu golpes que não davam a Islachr chance de se recuperar.

Então em um piscar de olhos duas coisas voaram em direção ao chão.

A espada de Islachr parou próxima aos meus pés e pouco a frente estava sua mão.

Chocada olhei para ele que gritava de dor com o cotoco de seu pulso vertendo sangue pela grama.

Tomado por uma raiva insana Islachr não se deu por vencido. Mesmo sem uma mão ele usou a única que restará e desferiu golpes descontrolados.

Leon não recuou de tal ira e recebeu cada golpe e os devolveu com tamanha ira.

Islachr tentou acertar o braço de Leon e só conseguiu cambalear para frente e aproveitando o príncipe deu a volta e cortou os calcanhares do grandão o fazendo cair de joelhos com um urro de dor escapando de seus lábios.

O príncipe parou a sua frente.

— Patético — disse erguendo a espada. — Esperava mais de você.

Percebi então que Leon sempre teve a vantagem e tudo aquilo fora mais um espetáculo, um divertimento pessoal para ele.

Não parecia ele. Não era o príncipe que elogiou meu quadro. Era uma besta sedenta por sangue fresco.

Suas palavras despertaram algo em mim.

Patético.

Patético.

Patética.

— Faça — pediu Islachr erguendo a cabeça. Estava ajoelhado sem a mão e mesmo assim manteve a cabeça erguida.

Leon abriu um sorriso insano e desceu a espada e parou a centímetros dos olhos do grandão, de repente voltando a realidade. Ele piscou e a escuridão desapareceu de seus olhos.

Eu a havia imaginado?

— O leve para o castelo, vamos interroga-lo — falou para o guarda e se afastou.

Não consegui me mexer olhando para Islachr que parecia agora implorar com os olhos para morrer enquanto o guarda o prendia com algemas e o puxava para cima, arrastava.

Os outros dois retornaram sem ter conseguido pegar Lenna e Aschilan e o ajudaram a levar Islachr. Pegaram uma carroça encostada no celeiro e a prenderam em dois cavalos e se foram com ele.

— Rose? Está me ouvindo?

Fiquei aliviada pelos dois. Não queria que fossem capturados. Não queria que ficassem como aquela mão no chão.

Comecei a tremer.

Aquele pedaço de alguém jogado na grama.

Meus batimentos se aceleraram.

Senti o peso de algo deixar meus pulsos. Os grilhões...

Mãos apertaram meus ombros.

— Rose? — pisquei notando Leon a minha frente me sacudindo. — Você consegue me ouvir?

Respirei ofegante.

Tentei falar, mas não consegui.

— Se acalme. Você está em choque. Respire comigo.

Imitei sua respiração e aos poucos meu coração foi normalizando.

Minhas pernas não aguentaram tão bem quanto minha mente e cedi ao chão. Mas Leon me pegou antes que eu me ajoelha-se e me pegou no colo.

— Seu... seu... ombro... — tentei falar.

— Não foi nada - disse me levanto até o seu cavalo branco.

— Me... me coloque no... chão...

— Não.

O encarei e ele mantinha os olhos em Islachr que parecia um ponto distante agora.

— Alteza — nada. — Leon.

Seus olhos cobalto encontraram os meus.

— Está machucada? Eles... eles a machucaram? — raiva e outra coisa brilharam em seus olhos.

— Não — Leon não parecia convencido. — Eles não me machucaram... só queriam me tirar... da competição.

— Tem algum palpite de quem foi?

A palavra Alba quase saiu, porém não me deixei pronunciar.

Se ele fizesse algo com ela eu jamais saberia quem tinha matado a outra plebéia. Não teria beneficio algum além de vê-lá pagar.

Isso claro, se Leon fizesse algo. Afinal ele era noivo dela.

— Não tenho idéia — falei por fim.

Aquela informação era valiosa e eu poderia usá-la.

Leon me olhou durante alguns segundos e assentiu me colocando em cima de seu cavalo.

— Aqui — ele pegou da bolsa presa a cela do cavalo um cantil preto. — Beba.

Ávida aceitei e bebi quase tudo parando para lhe devolver. Ele deveria estar com sede.

— Temos um longo caminho — falou dispensando a água.

Olhei para seu ombro.

— Você deveria ver como está.

Sua camiseta azul estava escura por causa do sangue.

Leon pegou uma caixinha da bolsa e tirou ataduras dela. Em seguida pegou um cantil diferente pequeno e marrom.

— Pode jogar o conhaque na ferida? — pediu e assenti.

Ele tirou com dificuldade a camiseta.

Leon tinha um belo corpo.

Músculos proeminentes e bem definidos estavam sujos do ferimento aberto que agora coagulava o sangue.

Havia pelos pequenos no seu peito dourado.

Mesmo já o visto sem camisa, sem roupa praticamente, fiquei vermelha.

— Você me ouviu?

Aturdida olhei para seu rosto.

Leon sorria.

— O que você disse?

— Pode jogar.

— Ah... claro — envergonhada virei de uma vez o conhaque e ele soltou um grunhido.

— Tão... delicada — disse fazendo uma careta.

— Desculpe — ele pegou as ataduras e desci do cavalo as pegando de sua mão. — Não vai conseguir fazer sozinho.

Ele apenas assentiu me deixando limpar com algumas o sangue velho de cima do corte.

— Deveria levar pontos — disse colocando as ataduras.

— Não foi tão profundo.

Ergui as sobrancelhas em escárnio.

— Eu vi o quão fundo foi.

Eu estava muito próxima dele a ponto de sua respiração fazer cócegas no meu pescoço.

— Não fique preocupada. Não vou morrer.

Contive a vontade de revirar os olhos e me concentrei em apertar os panos. Leon mordeu os lábios com dor.

— Não estou preocupada — me afastei quando terminei nos dando algum espaço. Era difícil me concentrar no que fazia com seus olhos em mim.

— Você mente muito mal.

— Já me disseram isso — cruzei os braços enquanto ele colocava a camiseta suja novamente.

— Onde aprendeu a atar ataduras tão bem?

Inspirei, desviando meus olhos e encarando o chão.

Meu silêncio o fez me olhar curioso.

— Não tive uma infância tão... agradável — Leon piscou lentamente então soltou um ah baixo. — Então tive que aprender a me cuidar cedo.

— Eu lamento.

Balançei a cabeça afastando a memória daqueles dias.

Aqueles dias sem vida.

Com a dor como companheira fiel.

Ele pegou minha mão e as encarei.

— Bom, tudo está no passado agora — falei, tentando suavizar o assunto.

— É por isso que precisa do dinheiro? Quer partir daqui.

Soltei sua mão limpando a garganta.

— Sim, em partes.

— Eu posso fazer algo para te ajudar?

Neguei com a cabeça.

— Não. Mas... aumentar o preço do acordo parece bom o suficiente para mim.

Leon me lançou um sorriso.

— Você vai me falir, Swan.

Dei de ombros, casualmente.

— Vou tentar, alteza.

☽⋯❂⋯☾

Seguimos ambos no mesmo cavalo até o castelo.

Estava sentada a sua frente e ele conduzia o cavalo com dificuldade.

— Eu posso conduzi-lo — disse pela terceira vez em menos de dez minutos de cavalgada.

— Eu já lhe disse não, obrigada.

Bufei.

— Céus e depois eu sou teimosa. Você está machucado, alteza. Deixe-me ajudar. Já que estou sendo um fardo para você.

Ele parou o cavalo abruptamente me fazendo ir para trás com força.

— Escute Rosemary. E preste atenção. Você não é um fardo. Lembra? É uma amiga. E eu iria até o inferno para te trazer de volta. Preciso de você.

Engolindo em seco com suas palavras apenas assenti e Leon bateu levemente no flanco do cavalo para ele voltar a andar.

Preciso de você.

Um arrepio subiu pela minha espinha e meu rosto ficou vermelho.

Sensações a muito tempo congeladas derreteram e se espalharam pelo meu corpo.

— Como seus pais se conheceram? — era uma pergunta repentina eu sabia disso, porém precisava de uma distração.

Não queria pensar muito sobre o que eu estava sentindo por ele. Era perigoso.

Leon ficou alguns minutos calado então falou em voz baixa:

— Só sei o que minha ama me contou. Ela veio com o pai de um reino pobre ao sul, provavelmente Dumb. Queria estudar mais sobre os seres mágicos. A grande concentração deles era aqui, quase não havia tantos humanos em Mountsin. Seu pai era um lorde e conhecia meu avô que os convidou para jantar no castelo. Meu pai nunca teve irmãos, era o único filho da familia real. E quando ele conheceu minha mãe se apaixonou perdidamente.

"Sabe alguns seres tem lendas e crenças para descrever o ato de se apaixonar a primeira vista. Destino e Alma gêmea. Pessoas que estão conectadas desde a criação do mundo pela alma."

— Conectadas pela alma? — perguntei, curiosa.

— Sim. A lenda diz que as pessoas não nascem com a alma completa, está dividida, fragmentada. E que outra pessoa possuí essa outra parte. Ela só pode ser inteira com esse outro alguém e vice versa. Outros dizem que é um fio invisível que une a ambos. Amarrado pelo próprio destino e não importa como ou quando essas duas pessoas vão se encontrar. Mas não significa que ficarão juntas.

— E seus pais tem isso?

Leon assentiu.

— É o que os templos acreditavam já que não conseguiram explicar porque ele não aceitou a competição e se casou com ela tão rapidamente.

— Acha que isso existe?

Não, eu espero que não — disse e ficou quieto.

O clima ficou esquisito.

Não sabia muito bem como interpretar sua resposta.

— Como foi... sua infância? — perguntou de repente.

— Meus pais... não eram tão gentis quanto os seu — senti seu corpo tremer, uma risada talvez. — Eu só nunca consegui os agradar também. Temos isso em comum, eu acho.

— A lista apenas cresce.

— Ela já te tratava assim? — perguntei me referindo ao modo como sua mãe o tratava friamente. — Antes.

— Não, começou depois que fiz cinco anos. Tenho lembranças vagas dela me segurando no colo quando era muito pequeno. Depois de um tempo ela simplesmente parou. Então começou a me odiar.

Mordendo os lábios contenho a vontade de abraça-lo.

— E seu pai?

— A ele sempre me odiou — ouvi sua risada amarga. A senti em mim.

— Eu sinto muito.

— Talvez devesse convida-los para um chá. Os seus pais e os meus.

Estremeci imaginando a cena.

— Acha que sobreviveriamos a isso?

— Talvez, juntos.

Novamente as sensações vieram e contive a vontade de estremecer.

Juntos.

Passei longos minutos tentando afastar tudo aquilo. Suas palavras e meu pulsameneto que só acelerava.

Leon parou o cavalo e percebi tarde demais que havíamos chegado no castelo.

Ele desceu primeiro e ofereceu sua mão.

— Eu posso descer sozinha. Não quero te machucar.

Ele bufou e me segurou pela cintura me puxando para baixo.

Seu toque queimou na minha pele e pousei no chão tão perto dele. Tão perto o bastante para analisar seus lábios avermelhados. A linda linha que seu maxilar fazia.

— Vou achar quem a sequestrou — disse e assenti me afastando.

— Obrigada — não tive coragem em olhar para seu rosto. — Por ter ido me salvar.

— Eu que agradeço por ter voltado. Poderia ter ido com eles já que só queriam te levar daqui. Mas não foi. E sou extremamente grato por isso — ele pegou minha mão e depositou um beijo breve.

Seus olhos azuis estavam brilhando e puxei minha mão.

— Somos amigos afinal, alteza. E eu prometi te ajudar. Não vou voltar com minha palavra.

Essa parecia ser a resposta que ele queria ouvir já que seu sorriso cresceu. E meu coração novamente bateu rápido.

Eu estava perdida.

Estava gostando de Leon, príncipe herdeiro de Mountsin.

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