VIII | As estrelas apontam para o norte
Os membros do Conselho recolheram seus assentos à mesa e se dirigiram à saída. Precisava interrogar com urgência que porcaria era aquela que estava escrita no Livro do Infinito. Perdão, Orion, pediu ao deus pelo termo. Mas não encontrava outra palavra para atribuir à determinação. Sentia o coração acelerar conforme acelerava os passos para acompanhar o Senhor de Alphard.
Com o livro na mão, o suor o tornava escorregadio e, foi obrigada a trocar com a outra para não jogá-lo ao chão de raiva, tamanha ela era que se pegava toda hora imaginando as mais diversas formas que podia expressar sua ira. E numa dessas, seus passos aceleraram de tal forma que os ruídos das botas contra o chão tornaram-se audíveis.
- Por que está me seguindo? - questionou ele, inexpressivo.
Naquele momento, as palavras sumiram de sua garganta. Selena se viu ante ao mesmo rosto que vira na última madrugada em casa. Rapidamente, o fôlego se perdeu na breve perda de raciocínio ao olhar aquele par de olhos da cor do fogo, firmes e ousados, não obstante, mansos.
- Aconteceu alguma que você quer me contar?
Bastou aquela pergunta para se realocar no assunto.
- Esse livro. Você sabe o que está escrito? - a pergunta era retórica e fez questão de deixar claro no seu tom de voz irônico.
Mesmo assim, ele questionou:
- O quê?
- "Uma morte e Kyrios virá". - Não esperou desta vez sua resposta. - Eu sei que você é Kyrios, o Eu Sou. Eu larguei toda minha vida, deixei minha vó a Deus-dará, e em troca disso, perco a batalha que você tanto disse que "venceríamos" - gesticulou no ar as aspas -, como se não bastasse, agora estou numa depressão desgraçada tentando superar a morte da minha melhor amiga. - Com a voz peremptória, encerrou aos prantos - E não me diga que não é Kyrios ou isso tudo é um sonho e quando eu acordar, vou estar na minha cama, na minha casa!
Ele se ajoelhou de modo que pudesse olhar em seus olhos a mesma altura.
Selena esperava que, como qualquer outra pessoa em seu lugar, fosse ficar na ofensiva. Previa encontrar nas sobrancelhas arqueadas algum sinal de raiva, incredulidade ou até mesmo, fingir-se de desentendido. Porém, não. Nada, senão mansidão. E detestava aquilo de algum modo. Como assim ele não compreendia o sentimento que ela sentia?
- Mostre-me aonde isso está escrito.
Selena passou alguns segundos com os olhos transbordantes sondando seu semblante. Duvidava do que havia dito? Era isso?
Piscou ela várias vezes para que as lágrimas escorressem de vez pelo rosto para que assim enxergasse melhor o livro. Logo encontrou a página a qual se referia.
- Aqui - esforçou-se por usar seu mesmo tom obstinado, mas sua voz falhou.
O homem analisou o livro e sorriu fraco, dirigindo o olhar a Selena.
- São letras dela.
Dela. Selena não se importou como ele sabia daquilo.
A cavidade onde estava seu coração pareceu diminuir dois terços de tamanho quando reconheceu a letra de Dalienne no livro. Diferente das demais palavras, a tinta estava mais escura e significava que não havia muito tempo que as palavras estavam escritas ali.
- Ela sabia...? - interrogou quase sem som.
- Essa profecia você já ouviu - disse ele, apontando para as demais palavras escritas em tinta recente.
"Eu peço a atenção de toda a sagrada descendência, nobres e modestos filhos de Rhoan. Eu fui requisitada, ó Lua, para bem narrar os antigos acontecimentos do mundo, como lembrar dos tempos longínquos."
- A profecia da Lynn...
Ele arqueou uma das sobrancelhas, desafiador.
- Acho melhor você procurar saber o que Sua Senhora, Lady Dalienne, e melhor amiga, estava procurando. - Aproximando-se do seu ouvido, disse - As estrelas apontam para o norte.
Preciso da ajuda de Hendrik.
Selena deu as costas ao homem e calculou apressadamente qual era a aula que estaria tendo àquela altura. Havia passado o tempo da janta com o Conselho, à tempo de estar presente da última aula do dia.
- Espera - disse a si mesma.
Ainda era hetisadav*. Isso significava que a última aula era de história.
Selena pôs-se a correr o mais rápido que pôde rumo à sala da matéria, por onde o Senhor de Alphard estava indo. Ela chegou a se perguntar porque ele não lhe havia falado sobre a aula. Havia andado a toa.
Quando havia alcançado o corredor, chegou a tempo de encontrar o homem deixando a porta atrás de si aberta, como se soubesse que ela viria logo atrás. Podia faltar a sua aula. Quer dizer. Na verdade, não, mas queria. Mas aquela porta, estando aberta, de alguma forma e sem qualquer pedido, convidou-lhe a participar da aula. Talvez assim, apesar de não prestar atenção no conteúdo, poderia estudar o que Dalienne havia escrito no Livro do Infinito.
Após uns segundos parada no corredor, Selena enfim entrou na sala.
- Quem de vocês é bom em desenho? - perguntou o Senhor de Alphard assim que ela entrou.
Automaticamente, Selena foi tomada pelo instinto de erguer a mão, mas não fez. Há quanto tempo não se dedicava ao dom que mais gostava em si.
Ninguém levantou a mão e Selena se viu ante a uma classe inteira que lhe olhava curiosa.
- Sabe desenhar Srta. Carter? - questionou.
Selena assentiu, muda.
- Ótimo. Tome o giz. - Lançou o objeto a ela. - Consegue desenhar rápido?
Balançou a cabeça, em negação.
- Então apenas desenhe enquanto eu tiro uma dúvida. Você não poderá olhar para trás, apenas à lousa.
Assentiu Selena, estranhando o que ele havia dito, porém sem argumentar. Deixou o livro de Dalienne em cima da uma carteira vazia, para assim fazer o que havia sido pedido.
- O que dizem sobre o dia da Conquista? - continuou ele, atrás de si.
Pela visão periférica, Selena viu Juliet Raemont erguer a mão.
- Diga Srta. Raemont.
- É o dia em que Rhoan, o Áureo, ganhou a Batalha do Eldorado.
- Certo. Quem foram os protagonistas da história? - questionou o professor.
- Rhoan e seu exército recém-chegado de Samíria contra a Nação Norte dos nativos - respondeu Rosamund Georys.
- O Sr. Mishand fez um ótimo trabalho com vocês - congratulou ele. - Mas falta um detalhe nessa história: os tenebraes. Alguém sabe essa parte da história?
O silêncio predomunou sobre a turma. Mas Selena sabia dessa resposta.
- Rhoan tentou fazer um pacto contra os seres, em vão, já que mesmo assim eles empalaram três mil soldados seus. Rhoan não conseguiu vingar a morte do seu exército, mas venceu aquela batalha contra a nação.
- Sim. E...
Selena só se lembrava até ali. Aquilo lhe deu uma noção do começar a traçar um esboço da batalha, na baía do Eldorado. Sabia que dentre os que pertenciam à Nação Norte, muitos eram dominadores do fogo, herdados do sol, mesmo vivendo numa região tão extrema daquele continente. Já o exército rhoanês, recordou dos retratos, vestiam-se como vikings, com machados e escudos de madeira.
- Rhoan, o Áureo, sai de Ghalandia* com a seguinte profecia de que ela seria exterminada - disse Petrus Scarth. - Ghalandia estava se tornando tudo, menos uma cidade conhecida por ser o berço do povo de Orion. Junto a ele, algumas famílias vão também a procura de uma nova terra, a qual pudessem perpetuar sua história. Diz que Orion era quem guiou a embarcação Aemaki. O timão do navio foi construído dentro de uma sala sem janela alguma e pela porta, só passava Rhoan, todas as manhãs.
- Bem detalhado - elogiou o professor. - Continue, por favor.
- Rhoan carregava consigo o colar ainda invicto, desde sua primeira geração, como promessa da aliança entre ele e o deus, de que teriam uma pátria para si. Ao atracarem ele e mais nove navios em Linsgard, encontraram uma terra já povoada. As nações álficas vieram além do leste da Terra-de-Névoa e haviam se estabelecido três séculos antes. A ordem era para aniquila-los. Muitas dessas nações eram homicidas. Invadiam vilas de outros lugares e os entregavam aos dragões que aqui residiam...
Petrus calou-se quando o professor ergueu o indicador para que desse uma pausa.
- Alguém aqui sabe qual espécie de dragões era predominante neste reino?
- Dragão de opala! - responderam todos em uníssono.
O professor assentiu dando uma breve salva de palmas.
- Continue, Sr. Scarth.
- No dia da batalha, apesar da vitória contra os alfares, uma fenda se abriu em Alfhown. Até a Era Obscura, quando os tenebraes viviam entre nosso mundo e o deles, até serem expulsos da luz do sol, nenhum outro ser desses havia sido visto até então. A fenda está aberta até hoje, embora há menos de um ano, os ataques tenebraes fossem raros. A ficha somente caiu quando o Príncipe Ralpherd quase foi levado e o resto da história todos conhecem.
- Os Aemaki só trouxeram maldição para nós - comentou Rowanen Harlaw.
Selena retirou o giz de sobre a superfície do quadro negro. Sabia que muitos dos capturados eram Aemaki, de alguma forma, assim como ela. Todos tinham sangue rhoanês.
- Concordo - disseram uns alunos, levantando um burburinho pela sala.
- Sabem qual foi o final do Rei Rhoan? - perguntou o Senhor de Alphard, com uma voz grave, o que atraiu a atenção de todos.
- Ele se casou com Wealthow, uma alfar da Nação Oeste - respondeu Domnus.
Àquela altura, Selena havia perdido toda e qualquer inspiração. Olhava para seu ombro, atentando-se para a conversa.
- Isto. Ele é rei, mas não chegou a ver seu reino estabelecido. Quem o fez foi Aurora, a Grande. Nem mesmo a Rainha Aura, e a descendência ilegítima da Rainha Dalienne. Sabem o porquê? Ele entrou ao Império da Morte para assim selar, nem que por alguns anos, essa brecha.
- Como ele fez isso? - questionou Selena, não segurando o impulso de fazer aquela pergunta.
- Segundo a profecia do Grande Rei Áureo, ele viria dalém das águas, dalém dos céus, e com a vida que tinha, deixaria no chão o seu sangue e na estrela sua existência. Ele passou pela fenda e nunca mais tornou para este lado. Quem vai a Cicatrizoculta, jamais retorna, senão aquele a quem a profecia se refere, o mesmo a quem se diz que as constelações de Alfa e Ômega se ausentariam dos céus.
- Mas ele não o era - concluiu Domnus.
- Não. Mas se as estrelas dizem que o Áureo está entre nós e o mesmo Orion disse que este seria o sinal, por que duvidar?
O silêncio bastou para que a turma entendesse que era necessário tudo aquilo acontecer.
- E você, Srta. Carter? O que nos tem a apresentar?
Selena se afastou do quadro e finalmente fitou os olhos nos seus colegas de classe, que, estupefatos, admiravam a gravura perfeita de uma batalha entre Rhoan e a Nação Norte, e do chão, uma rachadura - o qual, Selena nem havia reparado que o havia desenhado, nem mesmo o colar que o rei usava em seu pescoço.
- Bom. Ultrapassamos até mesmo o tempo vago que vocês tinham. Creio que a ceia já esteja sendo servida no salão. Estão liberados.
Os alunos rapidamente guardaram seus materiais em suas bolsas e se colocaram rumo à saída da sala. Hendrik, que estava sentado na última carteira da última fileira, aguardou Selena na porta, a qual ainda estava parada em seu lugar.
- Quer perguntar alguma coisa, Srta. Carter? - perguntou o homem.
Selena olhava para o livro de Dalienne em cima da carteira.
- Não, senhor.
Quando ela recolheu o livro e se dirigiu a saída, viu que Hendrik a olhava com as sobrancelhas arqueadas.
- Mas o que houve contigo?! - inquiriu, sussurrando. - O dia todo sumida. Eu realmente estava preocupado com você, Lena. Miles me disse o que houve no pátio, o que aquela garota fez com você. Se eu estivesse ali...
- Hendrik, sei que você gosta de me proteger, mas não fira mais ninguém. Nem com palavras.
Ele se calou.
- Palavras doem demais e estou farta de tornar ao assunto. Só quero que me ouça.
Aguardou ele assentir para, assim, continuar.
- Eu encontrei esse livro, que pertenceu a Dalie. É o Livro do Infinito e nele, há algumas anotações dela. Eu pensei que havia sido... - Se dissesse sobre Kyrios ser quem ele era, pensou que Hendrik não acreditaria, então, omitiu - o próprio autor que havia escrito isso, mas foi ela.
E mostrou a ele a frase sobre a morte.
- Ela sabia? - Hendrik estava absorto.
- Sim. E se lembra do dia em que Lynn profetizou algo nas masmorras? Ela anotou.
- Por que ela não nos contou?
- Talvez ela pretendia nos mostrar quando solucionasse tudo...
Hendrik passou alguns segundos quieto.
- Lembra naquele dia quando dormimos todos na sacada do quarto dela? - perguntou Hendrik. - Eu vi o livro. Mas jamais imaginaria que ela planejava algo...
Enquanto Hendrik falava, Selena se permitiu divagar os demais trechos da profecia.
"Estremece Vitara, estando de pé o carvalho; geme a velha árvore, e o gigante se liberta. Ele vem tomar a herança de Odo para si, antigo dono da estrela de doze brilhos distintos. Onze brilhos se apagaram; um permanece e o décimo terceiro há de se tornar o primeiro."
Estrela de doze brilhos distintos. Uma voz ecoou em seus pensamentos, lembrando-a de uma frase ainda ouvida naquele mesmo dia.
- As estrelas apontam para o norte - murmurou, escapando-lhe dos devaneios.
- O que disse?
- Olha esse trecho - indicou-lhe. - Ky... - corrigiu a si própria. Somente ela sabia daquilo. - O Senhor de Alphard me disse que as estrelas apontam para o norte.
Ele ainda estava confuso. E Selena, de algum modo, também, mas pareciam que as palavras saiam da sua boca como se soubesse muito bem acerca do assunto.
- Escute o que vou dizer - disse, tornando grave o seu tom de voz. Era sério. E aquilo era demasiado arriscado. - Eu estou no Conselho de Polus. - Olhava em seus olhos. - Eles estão atrás da entrada para Cicatrizoculta. Enquanto ela permanecer aberta, os tenebraes têm acesso a Alfhown. E assim, eles fazem o que bem entendem aqui.
- Conheço essa história. Não era o que o professor dizia agora há pouco na aula?
- Exato. Ele quer dizer algo.
Um acentuado vinco se formou na testa de Hendrik quando ele ergueu uma das sobrancelhas, desconfiado.
- Mas tu não detestava ele?
- Detestar não quer dizer que eu não vá dar ouvidos o que ele diz. Ele também está no Conselho e não é a toa que veio para cá. - Balançou a cabeça se pegando fugindo do assunto. - Foco! Aqui diz que onze brilhos se apagaram. Um - fez o gesto erguendo o indicador - permanecia, até o dia dessa profecia. E há um décimo terceiro brilho, que se tornará o primeiro. Já percebeu...?
Suas palavras se perderam no ar que perdeu quando reconheceu um par de olhos que conhecia muito bem.
- Hendrik, me ajuda. Eu estou vendo ele. Malthor.
As lágrimas rapidamente borraram sua visão, mas a figura encapuzada era distinguível.
- Onde? - Hendrik tentou acompanhar seu olhar, mas não encontrava mais ninguém senão alunos.
- Sai daqui - sussurrou, rouca, sabendo que ele podia ouvi-la muito bem.
Sorrindo, Malthor caminhou a passos lentos e calculados até ficar ao lado de Hendrik.
- Me abrace, Hendrik. Com todas as suas forças.
Sabia que ficaria inconsciente mais uma vez e, caso não pedisse aquilo ao melhor amigo, acordaria na enfermaria com a cabeça enfaixada. E sabe-se lá o que mais poderia machucar enquanto convulsionaria.
Selena respirou entre soluços quando sentiu seu corpo ser aquecido, não antes ser tragado por completa escuridão e vazio. A partir do momento em que o viu, soube que acordaria daquele pesadelo em Cicatrizoculta.
*Hetisadav - segundo dia da semana, equivalente à segunda-feira.
*Ghalandia é uma cidade-estado de Samíria;
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Quase que esse capítulo sai amanhã kkkkkkkkk mas acabei, cheia de inspiração para expor. Agora sei porque OLDA fluía bem no início: eu passava madrugadas em claro escrevendo muitíssimo 😆😆 mas agora não tenho aquele tempo, então paciência hihihi
AGORA, DEIXO AQUI UMA PERGUNTA:
VOCÊS GOSTAM DE LER QUE HORAS? TEM UM HORÁRIO ESPECÍFICO?
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CLICA NA ESTRELINHA PRO TEMPO PASSAR RÁPIDO E A INSPIRAÇÃO FLUIR
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