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Capítulo 14

E hoje em dia
Como é que se diz:
“Eu te amo?”

Legião Urbana, Como é que se diz Eu te amo

      Sinto como se minhas estruturas estivessem fracas ao despertar. Mas um sorriso surge em meu rosto quando vejo que os olhos de Odin estão direcionados aos meus, com um meio sorriso malicioso brincando em seu rosto.

      A mão dele se projeta sutilmente em minha direção, tocando meu rosto, pondo uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. Esse toque tão delicado faz um calorzinho gostoso se espalhar pelo meu corpo e os pêlos dos meus braços se arrepiarem. Como é possível a gente sentir calor e arrepio ao mesmo tempo?

      Me mantenho imóvel, só curtindo a carícia do meu namorado, que desliza seus dedos pelo meu pescoço, clavícula e toca um dos meus seios nus. Ao sentir seus dedos tocarem meu mamilo, sinto-o ficar duro.

      — Bom dia — ele diz.

      — Bom dia — respondo.

      O semblante dele é o de um garoto travesso pronto para transpor seus limites com uma garota. Confesso que quero muito isso. Ah, como eu quero! Se eu fôsse um pouco mais inconsequente e não ligasse para compromissos que exigem de mim muita dedicação, eu podia ficar a manhã inteira com ele.

      Os olhos dele fazem um escaneamento completo do meu corpo em perfeita sincronia com suas mãos, que descem e tocam minha intimidade. Parece há um braseiro nessa parte, e que se eu não me controlar, vou me perder de mim e ficar louca.

      — Não tem coisa melhor do que acordar e te ver assim, tão perfeita, como você foi criada — ao dizer isso, Odin aproxima seu rosto do meu. Meus olhos se fecham, minha respiração se acelera um pouco. Os lábios dele encontram os meus.

      Dormimos sem nenhum lençol sobre nossos corpos nus. Foi uma noite incrível, como são todas as noites em que transamos. Às vezes dizemos palavrões, palavras de baixo calão. Noutras vezes nos limitamos a apenas fazer amor, sem dizer nada. É nosso jeito, e gostamos assim.

      A verdade é que nunca cansamos um do outro. Nunca me canso de dizer e ouvir as mesmas frases ousadas, nunca me canso de sentir a textura dos dedos dele tocando meu corpo.

      Meu sorriso se transmuta de alegre para malicioso assim que nossos lábios desfazem o contato. Meus olhos se cruzam com os dele e consigo ver um pouco de cansaço e preguiça, com uma pequena insinuação de desejo e um convite pra eu fique.

      Correspondo ao contato dos seus dedos no meu sexo com uma carícia demorada em seu rosto.

      — Também adoro te ver assim — direciono meus olhos para seus músculos oblíquos. Para seu sexo. — Uau! — mordo os lábios.

      Antes que eu perca o controle dos meus instintos, desvio meu rosto dos olhos de Odin e me levanto de um jeito impulsivo, andando nua até a janela aberta. Me espreguiço, olho para o céu púrpura que aos poucos ganha tons claros, com algumas poucas estrelas que se apagam uma a uma e que logo vão se apagar.

      Não fico por muito tempo sozinha olhando as luzes das janelas do apartamento diante de mim, já que meu namorado patéticamente carinhoso encosta seu corpo ao meu, põe meu cabelo no lado esquerdo do meu ombro e passa a língua nos pequenos cisnes negros tatuados na minha nuca e atrás da minha orelha. Só viro meu pescoço pra beijá-lo. A mão direita dele acaricia minha bunda, e a outra, meus seios.

      — Sai da janela — ele sussurra no meu ouvido. — Você está nua.

      — E daí? — vejo a possibilidade de me divertir.

      — Não quero que os vizinhos daquele prédio vejam o que só eu posso ver.

      Rio com malícia enquanto fecho os olhos. Não me importo de estar pelada, me sinto bem à vontade, mas deixo que os braços fortes de Odin me tragam de volta para perto da cama. Quando retomo o controle sobre mim, ponho minhas mãos em seu peito e o empurro, fazendo-o cair no colchão desarrumado e com nosso cheiro impregnado nos lençóis úmidos de suor.

      — Tenho que ir para a aula — o semblante de Odin se fecha, faz uma expressão teatral de tristeza.

      — Você não pode faltar nenhum dia? — ele acha estou aberta a um suborno.

      — Não, nem pensar — ando até minha mochila e ponho toalha, escova e pasta de dente sobre o rack. Tiro também um conjunto de moletom limpo, uma calcinha, meias e tênis limpos.

      Meu namorado apoia os cotovelos na cama enquanto me abaixo para dobrar as roupas que usei ontem. Só há um esboço de sorriso em seu rosto, eu sei que ele acha que ainda é cedo, mas o tempo não para, e quero chegar cedo na escola para ver a Companhia Jovem ensaiar. A Mia, a Lara e a Lívia.

      — Posso tomar banho com você? — Odin cola seu corpo ao meu ao se levantar num salto.

      Reviro os olhos, balançando a cabeça para os lados.

      — Claro que pode — consinto, sendo puxada para o box do chuveiro.

      As mãos dele ensaboam meu corpo enquanto meus braços estão em volta de seu pescoço. Odin é forte, viril, porém sempre preocupado comigo. Gentil. Carinhoso.

      Alberto está terminando de coar o café quando vamos à cozinha. O cheiro de pão quentinho com margarina é delicioso e tem uma aparência muito boa. A mesa também tem uma garrafa térmica com leite e um pote que eu imagino ter dentro doce de leite ou requeijão. Para ser sincera, não gosto.

      — Bom dia, pai — Odin se acomoda após puxar uma cadeira para eu me sentar.

      — Bom dia — Alberto joga o filtro de papel com borra de café num cesto com saco plástico preto em volta. — Dormiram bem?

      Meu namorado troca comigo um olhar de cumplicidade.

      — Não precisam falar — Alberto ergue as mãos. — Ah, jovens! 

      Ofereço ao pai do meu namorado um olhar terno com um sorriso. Que bom que nem todos os pais são moralistas.

      — Senti no corredor o cheiro do café — ponho manteiga na metade de um pão. — Parece delicioso.

      — Você bebe café? — Alberto arregala os olhos. — Pensei que gaúchos só tomassem chimarrão.

      — Ei, eu não sou gaúcha. Sou catarinense — protesto.

      — Ok, desculpa — o pai de Odin. — Mesmo assim… Achei que você não tomasse café.

      — Puro eu não tomo, mas misturado com leite, por que não? — esclareço. E assim que Alberto traz a cafeteira e põe na mesa de tampo de granito, despejo um pouco de café na meia xícara de leite que estou segurando.

      Temos uma conversa agradável, como costuma ser neste apartamento. Impossível não achar graça nas histórias que Alberto conta. Ele é sempre bem humorado, e não sei se é porque toma muito café e a cafeína o deixa constantemente ligado, mas assim que termina seu desjejum, vai ao quarto e volta quinze minutos depois vestido com uma bermuda, uma camiseta regata e tênis esportivos. Ele frequenta uma academia todos os dias, faz musculação antes de trabalhar.

      — Juízo vocês dois, hem! — Alberto aponta com os indicadores para os próprios globos oculares e para o filho em seguida enquanto sai da cozinha.

      — Pode deixar! — Odin grita.

      Dou um sorriso para ele, ponho um pouco mais de leite no café até a bebida ter a cor que eu quero. Do nada surge diante de mim uma fatia de pão com manteiga. Odin e sua mania de ser carinhoso. Fecho os olhos, abro a boca e mastigo bem devagar. Deixo sempre meus olhos conectados aos de Odin, sem fugir às suas investidas, sem recusar sua tentativa de tentar me sondar por dentro.

      O canto esquerdo de sua boca se enleva, se insinuando de um jeito malicioso que conheço bem e que adoro. Em momentos como este é que tenho que manter meu equilíbrio de bailarina para não querer um contato mais íntimo que um beijo ou um abraço. E acredite, é difícil pra mim.

      — Seu pai pediu pra termos juízo — o lembro quando pressinto o perigo de cair em queda livre num abismo.

      Odin revira os olhos.

      — Eu não fiz nada — retruca.

      — Mas pensou — rebato.

      — Desde quando consegue ler pensamentos?

      — Seu bobo, ninguém pode ler pensamentos. Mas eu sei como acabamos sempre que nos olhamos assim.

      Minha resposta produz uma mudança sutil no rosto de Odin. Ele deixa escapar um suspiro por entre os lábios, se atentando a cada detalhe do meu rosto, tentando encontrar uma falha nas minhas defesas. Mas ele sabe que eu quero que respeitem meus limites. Eu sei separar as coisas, que tem hora pra tudo, e não é um par de olhos azuis escuros que vai me dobrar e me fazer dar o que não quero.

      A mão dele tenta tocar meu rosto, e quando está perto de alcançar seu intento, pego num bote um pedaço de pão sovado e me levanto rindo.

      — Tenho que ir ao balé — falo animada.

      Minha tentativa de fuga termina quando sou puxada por trás, pela cintura, e Odin me faz girar e ficar de frente para ele. Fico esperando o que vai dizer, se vai me elogiar ou me pedir pra que eu fique. Ainda é cedo.

      — Boa aula, meu amor — ele me puxa para si, selando nossos lábios com um beijo.

      Sorrio, acenando levemente com a cabeça. Trocamos outro beijo, mais demorado e então, parto em direção ao Ballet Imperial de Petrópolis com uma mochila que está pesando duas vezes mais que o habitual por causa das roupas que usei ontem no balé.

      Carros param em frente à porta da escola e saem assim que saltam meninos e meninas com conjuntos de moletom da companhia. Luna, Tiffany e Roberta viram a cabeça ao mesmo tempo, acenam para mim e me esperam para que entremos juntas. Luna está com o cabelo escuro amarrado num rabo de cavalo alto, o que dá um realce legal ao seu rosto moreno, fazendo-a parecer mais travessa.

      — Oi — a paraibana se adianta para eu beijar-lhe o rosto. O sorriso que ela me oferece é simplesmente lindo, como o de uma garota que está sempre bem humorada e que não tem angústias, muito menos medo.

      — Oi — retribuo com meu sorriso metálico. À seguir cumprimento as outras duas garotas.

      — Como foi a noite de vocês? — Luna aproveita a oportunidade para ser indiscreta. — Vocês… 

       — Ah, não, amiga! — reviro os olhos. — Você não quer saber detalhes, não é?

      — Claro — a morena dá de ombros. — O que tem de mais?

      — O que tem de mais? — paro um momento para olhá-la; Tiffany e Roberta já estão bem na nossa frente. — Isso é muito íntimo, sabia?

      — Ah, deixa de bancar a garota comportada. Conta. Foi bom?

      Dizer que minhas transas com Odin são incríveis só vai instigar Luna e fazê-la querer ter logo sua primeira experiência, e eu acho que ela é muito imatura pra isso. Ela tem muito o que viver ainda. A gente cria tanta expectativa pela nossa primeira vez, e quando perde a virgindade, compreende que podia ter esperado um pouco mais, para que realmente valesse a pena.

      — Foi incrível — respondo laconicamente.

      Ela empina o queixo na expectativa de que eu me abra, mas não vou contar nada num corredor de escola cheio de alunos.

      — No banheiro eu te conto. Já que você gosta de uma boa história hot, então vou dar detalhes.

      Pisco meu olho esquerdo ao dizer isso e ela parece ficar satisfeita.

      Subimos vários lances de escada e andamos até a sala onde os bailarinos da companhia principal estão ensaiando. A primeira bailarina que aparece no meu campo de visão é a Mia. Hoje ela está um pouco mais vestida, usando um collant regata rosinha pink, meias calça branca e sapatilhas branca, com polainas rosas. O coque médio perfeito. E claro, com uma faixa cor de rosa em volta da cabeça. Como sempre, ela acena com os dedos e sorri quando vê Luna e eu, mostrando seu sorriso com aparelho de dente.

      Ela vira as costas e vai para o fundo da sala, fazendo um por de bras, e executa três grand jetés incríveis. 

      — A Mia é foda, né? — Luna me olha extasiada com a demonstração da bailarina de cabelo louro escuro.

      — É sim.

      Lívia aparece ao lado de Lara também no fundo, as duas conversam e gesticulam. Deve ser sobre os passos que vão executar ou sobre passos de uma coreografia. A bailarina loura e que usa short sobre a meia calça preta executa os mesmos passos que a Mia, e não fico nem um pouco surpresa que seus saltos saiam tão bons quanto aos da primeira solista.

      Lara faz um pequeno ajuste na parte de trás do collant, tirando-o da bunda, respira profundamente e sorri ao fazer seu port de bras. Se os grand jetés das duas solistas foram bons, os da primeira bailarina saem perfeitos. Não sei nem o que dizer. Lara simplesmente parece uma folha no ar que teima em voltar ao chão, dada sua leveza no ar, a abertura negativada de suas pernas.

      — A gente se sente um bebê perto dela — Luna confessa, os olhos confidenciando sentimentos de admiração e baixa autoestima.

      — Dançar parece uma coisa tão fácil pra ela — observo.

      — E é. Por isso é a primeira bailarina — a morena tira o celular da mochila. — Merda! Quase hora da aula.

      — Deve ser legal poder viver só disso — vejo a bailarina de outro planeta andar até onde estão as duas garotas que saltaram antes dela. — Não vejo a hora de terminar meus estudos e poder dançar o dia inteiro, como elas.

      Um bailarino de companhia dedica oito horas de seu tempo na sala de aula. Quem se cansa depois de uma hora e meia de aula acha exagero a gente ficar quase o dia todo se esticando, forçando colo de pé, fazendo aula e ensaiando, mas ninguém faz ideia o quanto essa dedicação é importante para que a gente evolua. Cada detalhe faz toda a diferença. Nicole, Duda e eu tínhamos espacate negativado porque, enquanto todo mundo ficava debruçado no chão de tablado, a gente se alongava num canto. E treinava muito. Pirouettes, fouettés.

      Quanto mais nos dedicamos, mais o balé é generoso. Por outro lado, um dia sem alongamento e o nosso corpo fica duro, e é nessas horas que as dores musculares ficam mais fortes. Mas nosso corpo se adapta muito às cobranças que fazemos a ele. E com o tempo, aprendemos a evoluir e a lidar com a dor.

      — Vamos? — Luna pergunta já virando o corpo.

      Insisto em ficar mais um pouco para ver Lara demonstrar outro passo. Ela faz uma preparação de quarta posição de pernas, abrindo seu braço esquerdo e pondo o direito à frente, ambos na altura do umbigo. Olhando para sua imagem no espelho, assim que corrige sua postura, a garota respira e executa uma série de fouettés en tournant que me deixam sem palavras.

      Que termo posso usar? É simplesmente fenomenal. Para se ter uma ideia, o pé de base dela parece não se mover um único centímetro no piso. Lara simplesmente desafia qualquer tipo de compreensão, e não adianta tentar entender como alguém pode dançar assim. Isso pra ela é instintivo.

      Mia se adianta até a colega e lhe mostra o vídeo que fez de seus fouettés, e então as duas andam até um canto e se sentam no chão para conversar. Percebo que não tenho mais nada o que ver aqui.

      — Vamos — respondo sorrindo para Luna.

                               …

      Termino de amarrar minhas sapatilhas, ausente de tudo. Não costumo me ligar ao que está acontecendo à minha volta enquanto me preparo mentalmente para as aulas, porque preciso ter um momento meu, me confrontar com minha insegurança, com minhas angústias e meus medos.

      Eu costumo estar pronta antes da aula começar. Basta o primeiro acorde sair do piano e eu me torno uma página em branco para que a dança deixe sua marca em mim. Como uma tatuagem, que dói e fica pra sempre no meu corpo, a dança faz com que eu ascenda a uma condição superior à de uma garota comum. Ela me dá equilíbrio, sempre me faz vivenciar uma sensação que imagino ser próxima da sensação de plenitude, beleza e perfeição. Me faz viver um conto de fadas, onde sou uma princesa.

      É o meu mundo.

      Me ponho em pé já forçando a ponta da sapatilha contra o chão para alongá-lo, e ainda estou alheia a tudo, quando escuto o trinco da porta se mexendo. Todos nós nos viramos instintivamente para a figura imponente da professora russa, que entra como se estivesse numa passarela. Queixo empinado. Maxilar duro. A postura altiva. O olhar duro e clínico, sempre atento à postura das suas bailarinas.

      — Bom dia — ela diz com sua habitual frieza.

      Respondemos ao seu cumprimento de forma mecânica. Yuri, à minha frente, se vira sorrindo pra mim com a mão estendida.

      — Vamos? — ele diz.

      — Vamos — respondo.

      Me deixo ser conduzida para o fundo da sala pelo bailarino russo. Nastia e Nikita estão à nossa esquerda e Dominique e Guilherme à nossa frente puxam o grupo. Apesar da bailarina negra fazer um esforço tremendo para mostrar maturidade e fingir que não está mais ligando por eu ter tomado seu partner, está na cara que ela está mordida. Eu podia dar uma de Duda e alfinetá-la só pra dar um motivo para ela me odiar, mas não sou disso. Sou superior a esse tipo de infantilidade de bailarina. 

      Suspiro passando levemente a mão no meu coque, fechando os olhos e os abrindo, marcando com as mãos os passos que Nastia e Nikita, Dominique e Guilherme e duas outras duplas estão dançando. Yuri, que está do meu lado e com os braços nas costas, encontra meus olhos quando viro acidentalmente meu rosto e reparo em seu semblante tranquilo, com um meio sorriso em seus lábios.

      — O que foi? — ele pergunta com diversão.

      Dou de ombros. Sinto um calorzinho se espalhar pelo meu rosto.

      — Nada — respondo.

      Yuri ri ao mesmo tempo em que abana a cabeça de um jeito sutil.

      — Não precisa ter medo — ele me tranquiliza. — Não vou te deixar cair. Nunca deixei uma parceira minha cair.

      Me ponho de frente para o bailarino. Cruzo os braços, sorrio, irônica, insinuando um movimento para os lados com a cabeça.

      — Parece que você se orgulha disso — observo.

      — Orgulho é uma palavra que não faz parte do meu dicionário. — o ruivo esclarece.

      Minha atenção se volta para a reprimenda que Olga Fiodorovna passa em Guilherme por este ter adiantado um passo apoiando o pé de apoio em en dedan, acho desnecessário ela empregar um tom de voz rude por causa de um erro que todo bailarino comete. Tem gente que gosta de mostrar autoridade e se alimenta disso, de crescer para alguém, de intimidar esse alguém e sentir um secreto prazer de que não vai ser questionado.

      — Próximas duplas! — a russa acena para que a pianista toque.

      Me adianto para o centro da sala na ponta dos pés, parando com um piqué e um arabesque. Então me viro e Yuri vem em minha direção, eliminando a distância entre nós com um salto incrivelmente ornamental, que é bem mais que um grand jeté. Um sorriso brinca em seus lábios enquanto o russo põe um joelho no chão e me estende sua mão direita, que aceito de bom grado enquanto meus olhos encontram os dele.

      De repente, me liberto de mim e me deixo ser conduzida por ele. Deixo que ele tome todas as decisões por mim, que ele toque minha cintura e me erga até o alto de sua cabeça apoiando minha lombar.

      O que me deixa desconcertada é que sinto uma estranha paz, como se eu sempre tivesse sido sua parceira e ele conhecesse cada um dos meus medos. E por mais que eu só tenha dançado uma vez com ele, não tenho nenhuma dúvida de que estou segura em seus braços.

      Não dá pra comparar com nada que eu vivi em treze anos de dança.

      Fecho os olhos por um instante e agora experimento a adrenalina de por ínfimos microsegundos cair em queda livre e pousar em arabesque nos braços de Yuri: com meu pé direito tocando o chão só com a ponta e minha perna esquerda estendida para trás. Ele me gira como um ponteiro de relógio, só apoiando minha cintura. Vejo que estamos dançando no mesmo compasso de tempo que as outras duplas, por isso Olga dá instruções sem se exasperar.

      Quando o pianista termina de tocar, meu corpo está tombado do lado direito do bailarino, segurado por seu braço esquerdo. Sorrio ao recriar com ele a conexão visual com que começamos a aula. Nem preciso de espelho para saber que minhas bochechas estão com uma coloração rosada, embora não exista um motivo aparente para isso, já que é só uma aula. Mas eu sinto que alguma coisa mudou em mim.

      Yuri aos poucos delineia um sorriso que mais lembra uma pintura e que me deixa sem equilíbrio. Não sei mais o que pensar dele e não sei que sentimento é esse que está se instalando em mim. Só consigo voltar ao chão quando escuto palmas serem batidas. Fico ereta e vejo Olga vindo em nossa direção.

      — Obrigada — ela diz simplesmente, sem fazer observações.

      Yuri e eu saímos pelo canto 1 da sala, andando lado a lado. O semblante dele é leve, diferente do que costuma mostrar. Ou do que eu imaginava. 

      Será que tudo o que eu pensei dele nunca passou de fantasia? Quanto mais fico perto desse garoto, quanto mais converso com ele, mais me convenço de que ele tem algo mais que qualquer garoto de sua idade.

      Nos sentamos de frente um para o outro, com as pernas dobradas. Dou um sorriso que é retribuído na mesma medida.

      — Fizemos um bom ensaio, não é? — pergunto.

      — Sim — Yuri responde.

      Fico esperando que o ruivo acrescente algo à sua resposta, porém seu silêncio a seguir me deixa sem graça. Yuri é do tipo que só fala quando quer, ou tipo que pensa no que vai falar.

      Fujo de seus olhos invasivos, iguais aos da irmã e vejo as outras duplas dançando enquanto Olga passa por entre elas, orientando e fazendo gestos com os braços. Mas o impulso de voltar a olhar para meu parceiro forte demais. Os olhos dele estão pousados em suas mãos, que afagam a parte posterior de sua coxa esquerda.

      — Está doendo? — fico preocupada.

      Ele dá de ombros.

      — Um pouco — responde, tranquilo. — São só as dores do balé. 

      Suspirando de um jeito profundo e fechando os olhos, continua:

      — Tenho treinado muito. Normal.

      Mordo meu lábio inferior. Acho tão difícil imaginar que um bailarino tão bem preparado fisicamente como Yuri sinta dores, porque ele não parece ser feito de matéria quando dança. Então me lembro que não importa o quão bom sejamos, nossos corpos são como o de qualquer pessoa normal. Temos ossos, e ossos se quebram quando sofrem impacto muito forte. Temos músculos, e músculos sofrem distensões. E temos tendões, que infelizmente sofrem rompimentos.

      Só quem vive da dança tem resiliência e força pra suportar tudo isso. Pelo pouco que convivi com Yuri, ele é uma dessas pessoas. Ele nasceu para isso. E nada me deixa mais feliz do que um garoto não ter vergonha de mostrar que ama balé.

      Minha boca semiabre de repente ao ver, mesmo sob a calça preta justa do garoto ruivo, os músculos de sua coxa.

      — O que foi? — ele pergunta, sem deixar de ser simpático.

      — Nada — disfarço sem graça.

      Desvio meu rosto para um dos flancos, inclinando sutilmente a cabeça.

      — Danny.

      — Sim? — volto a olhá-lo.

      — O que você dançava na sua antiga escola?

      — É mais fácil eu falar o que eu não dançava. Dancei praticamente tudo. Paquita, Diana, Satanella… Cisne Branco.

      — E pas de deux?

      Percebo por sua pergunta que, embora não esteja me pressionando pra eu escolher o que vamos dançar, ele acha importante começarmos a pensar numa dança que possamos mostrar nossas melhores qualidades.

      — Meu último pas de deux com o Angel foi Lago dos Cisnes, Siegfried e Odette. Mas antes disso dancei Diana e Acteon em Ribeirão Preto.

      Yuri abana a cabeça levemente em afirmação e empina o queixo de um jeito sutil como se esperasse eu continuar. 

      — Também dancei duos contemporâneos. Mas gosto mais de clássico.

      — Você tem linhas de bailarina clássica. Mas isso você sabe melhor que ninguém.

      Concordo com um sinal sutil de cabeça.

      O meio sorriso em meu rosto aos poucos cresce, e isso faz o ruivo se soltar mais. Luna e Tiffany, no outro canto da sala, bebem água de suas garrafas sem deixar de olhar de um jeito furtivo para nós, e percebo que elas estão sussurrando alguma coisa. Suspiro com tédio. Inclino levemente a cabeça para o lado direito.

      — Que lindas — volto a olhar para o russo sem entender o porquê do elogio.

      — O que são lindas? — quero saber.

      — Essas tatuagens que você tem atrás da orelha e na nuca. Pequenos cisnes negros.

      — Obrigada — sorrio agradecida. — É, eu amo tatuagens. 

      — O que elas significam pra você?

      — Como assim?

      — Uma tatuagem não é só um desenho que fica pra sempre na pele. Ela traz todo um significado, um traço da pessoa tatuada.

      Mordo o lábio inferior, pensativa. Fecho os olhos por um instante deixando que algumas lembranças invadam minha mente. São lembranças profundas que, assim como as tatuagens do meu corpo, vão ficar pra sempre em mim.

      — Me fazem lembrar da minha mãe — parece que vejo minha mãe dançando quando respondo. Meu coração acelera uma batida.

      Yuri me oferece um meio sorriso.

      — Pensei que esses cisnes mostrassem quem você é — ele me contesta.

      — Não acho que eu tenho alguma coisa a ver com um cisne.

      — Acho que tem. Um cisne é uma ave graciosa e imponente. E também faz lembrar mistério, encanto. Não consigo não te ver dançando e não te imaginar como um cisne.

      As palavras de Yuri me pegam desprevenida e não sei o que responder. Dou um sorriso sem graça.

      — Não é justo, sabia? — passo levemente os dedos no meu cabelo preso em coque.

      — O que não é justo? — Yuri intensifica em mim seu olhar sempre questionador.

      — Sei lá — dou de ombros —, a gente mal se conhecendo e você me deixando sem jeito.

      — Não gostou do que eu disse?

      — Não, não é isso… É que… O que você falou é muito bonito e eu… 

      Yuri empina levemente o queixo, esperando que eu termine. Suspirando, faço uma confissão:

      — Você acabou de descrever como eu me sinto quando danço. Como um cisne. Livre. Belo. Sozinho.

      — Você se sente sozinha?

      — Na maior parte do tempo, sim. Quanto mais conquistas a gente obtém na dança, mais sozinhos ficamos.

      Yuri faz uma inclinação quase imperceptível com a cabeça, concordando comigo. Não sei como funciona com bailarinos, já que eles são muito poucos nas salas de aula, mas, como bailarina, posso afirmar que infelizmente é assim. Disputas pelos papéis principais. Competição para ver quem tem mais abertura de pernas. Inveja.

      — Não devia ser assim — o semblante do bailarino adquire um tom grave.

      — Nos sentirmos sós a maioria do tempo quando dançamos? Ou não sabermos quem são nossos amigos de verdade?

      — Todos temos o mesmo sonho, os mesmos objetivos, os mesmos degraus pra subir. Por que não trilhamos esse caminho juntos? 

      — Yuri, isso aqui é balé — ergo meu braço fazendo um semicírculo em volta do meu corpo, apontando para as duplas de bailarinos que estão dançando. — Não dá pra girar uma série perfeita de fouettés e abrir suas pernas no ar, e achar que a sua colega ficou feliz por você.

      — É isso o que você pensa?

      — Não é o que eu penso. Eu sei que é assim.

      O bailarino fecha os olhos ao suspirar profundamente.

      — Quando paramos de acreditar que no fundo as pessoas são boas, uma parte da criança que temos dentro de nós morre.

      Minha boca se abre em espanto. Quem esse garoto pensa que é para querer me ensinar uma lição com fundo moral? O pior é que não sei o que responder, embora uma voz dentro de mim mande eu falar alguma coisa. Mas não consigo.

      Ficamos conectados visualmente por alguns segundos que parecem uma eternidade. Nastia vem saltitando sorridente, senta-se de frente para nós dois e fixa em mim seus olhos invasivos, iguais aos do irmão gêmeo. Ela nada diz. 

      — Você e o Nikita foram muito bem na aula — elogio a garota. Seu semblante não muda, mantendo-se alegre.

      — O que vocês vão dançar em Petrópolis? — ela me questiona, ignorando minhas palavras.

      Pelo pouco que aprendi sobre autistas, estes não conseguem compreender as mudanças no rosto das pessoas. Não sabem, por exemplo, quando as pessoas sinalizam por meio de resmungos, suspiros, que estão aborrecidas e cansadas de um assunto, e por isso, o autista insiste neste mesmo assunto até ficar satisfeito.

      O bailarino e eu trocamos um olhar sério. É verdade que temos tempo até lá, mas o tempo passa e quanto antes escolhermos o pas de deux, melhor.

      — Yuri, se você tiver alguma ideia, pode falar — jogo a responsabilidade para o russo.

      O ruivo solta um suspiro entediado.

      — No momento não estou com cabeça pra isso — sua voz recupera a habitual neutralidade, mesmo um meio sorriso brincando em seu rosto salpicado de sardas enquanto ele segura a mão da bailarina ruiva.

      — Por que vocês não dançam O Quebra Nozes? — Nastia sugere.

      Sinto meus olhos adquirirem um brilho de empolgação ao ouvir a sugestão da bailarina. Percebo o mesmo no semblante do meu partner quando me viro para este.

      — Nastia, é perfeito — vibro segurando outra mão da russa. — Obrigada! — e me esquecendo burramente que a garota é autista (e que pode não reagir bem a movimentos bruscos), eu a abraço como a Mia me abraçou no teatro: balançando-a de um lado para o outro.

      Solto a irmã de Yuri quando me dou conta do meu ato impensado, me voltando para o bailarino imaginando que vou receber um olhar de reprovação. Mas seu semblante continua tranquilo. 

      — Você tem jeito para Fada Açucarada — Nastia salienta. — Não tem, Yuri?

      — Sim, muito — o bailarino concorda.

      — Então tá — dou de ombros, não fazendo a menor questão de esconder minha satisfação com o pas de deux. — Vamos de O Quebra Nozes, então?

      Yuri só balança a cabeça em afirmação. É o jeito dele, pouco expressivo, mas que é o bastante para mim. Eu sei que ele também gostou da sugestão da irmã, e tenho certeza que podemos fazer um ótimo trabalho com esse duo.

      Não. Muito mais que isso. Com Yuri me dando todo o suporte para me manter em equilíbrio, e eu dando tudo de mim, podemos ir muito além do que sonhamos. E não falo de conquistar prêmios. Não ligo pra esse tipo de coisa. 

      A verdade é que eu preciso, eu tenho necessidade de voar mais alto, ir até meu limite e me eternizar como bailarina. Ser uma fonte de inspiração para futuras gerações de meninas que vão um dia vão calçar um par de sapatilhas de ponta e sentir seu sangue pulsar através das fitas de cetim e viver a dança como uma religião ou um sentido de vida.

      Por uma razão que não sei explicar, ao olhar para os gêmeos, sinto que eles não querem menos que isso. Vejo nos olhos de Yuri um amor por disputas, uma motivação infinita e uma segurança inabalável. Ele não tem medo. 

      Nada melhor para uma bailarina do que dançar com um bailarino que desconhece o significado dessa palavra.

Capítulo de 5,2k de palavras


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