Capítulo 10 - parte 1
There's no chance for us
It's all decided for us
This world has only one sweet moment
Set aside for us
Queen, Who wants to live forever?
Não sei quanto tempo faz que estou me olhando no espelho. Ainda estou em dúvida entre ser ousada e ir quase pelada à praia com este micro fio-dental preto, ou ser uma garota comportada e pôr um biquíni mais discreto.
Levanto com os indicadores a parte de baixo da peça minúscula, fico um pouco de lado. Faço várias poses, passo a mão no cabelo, deixando um sorriso cheio de malícia pender de meus lábios, ao mesmo tempo em que me viro de costas para o espelho e vejo meu bumbum todo à mostra.
De repente fico séria. Será que esse fio-dental fica bem em mim? Meu bumbum praticamente engole o fiozinho preto, então sei que todo mundo vai olhar para o meu corpo.
Não que eu esteja com vergonha de ir assim. Basta eu atravessar a Avenida General San Martín, e pronto, já estou na praia. Além disso, as mulheres andam de biquíni nas calçadas, e não acho que vou ser presa por atentar contra o pudor.
Parecer uma sueca é muito desvantajoso nesta cidade de gente de pele bronzeada e sotaque chiado, principalmente na praia, onde donos de quiosques querem te vender uma água de côco por duas vezes o valor do que costumam vender para quem é do Rio. E eu não estou a fim de gastar a mais.
Suspiro, fechando os olhos.
Decisões, decisões.
É revoltante uma mulher não poder se sentir bem usando um biquíni que valoriza seu corpo por causa de ciúmes de namorado, ou por causa de olhares maldosos de homens com pensamentos nojentos – como se eles achassem que uma garota mostrar seu corpo quer dizer que ela está a fim de dar.
Mas eu nunca fui de me importar com que os outros pensam de mim. A visão da garota loura e com sardas no espelho me agrada tanto, que meu momento de deliberação logo chega ao fim.
Eu vou de micro fio-dental, Odin goste ou não.
— Tu não vem mesmo com a gente? — a porta do quarto se abre. Luna aparece usando um biquíni vermelho, de lacinho, com o top preto. Ela arregala os olhos ao me ver. — Meu Deus, Danny tu tá muito gata! — ela fala maravilhada.
— Seja sincera comigo — peço. — Não tô muito... pelada? — dou uma voltinha, pondo as mãos na cintura.
Luna me olha com estranheza e percebo nela uma certa hesitação em responder, o que me deixa insegura.
— Responda. Ou melhor, não responda. Sei que é muito ousado — num ato de frustração e raiva, jogo meus braços para o alto dando as costas para minha colega de quarto.
Ando até o guarda-roupa, abro a gaveta e começo a tirar outras peças de biquíni, escolhendo entre as que caíram no chão.
— Nem pense nisso — a mão da morena segura meu punho enquanto ela se abaixa ao meu lado. — Você está perfeita assim. Vai usar esse fio-dental e pronto!
Volto a sorrir ao perceber que minha colega está sendo sincera. Ela me ajuda a juntar e a guardar os biquínis. O que ela está usando é bem cavadinho.
— Você é flamenguista até pra ir à praia? — pergunto enquanto borrifo protetor solar na minha mão, passando a seguir no meu rosto.
— Né? — ela ri. — Deixa eu passar nas suas costas — dou o tubo de protetor para ela e me viro de frente para o espelho, puxando para cima meu cabelo a fim de que a paraibana comece espalhando pela minha nuca, costas e bunda — Não quer voltar pra cá como um camarão, não é?
Damos risada juntas de seu comentário.
— Deus me livre! — respondo.
— Pronto — ela dá um tapa bem forte na minha bunda.
— Você é tão amorzinho — sibilo com uma voz doce ao me virar.
— Eu sei que sou. Então, tu vem com a gente?
— Meu namorado está vindo — respondo. — Vou com ele.
— Ah! — ela faz. — Então tá.
De repente, escuto barulho de passos pesados e as outras seis garotas entram no quarto, com biquínis e tangas. Kauane está usando uma peça igual à da Luna.
— Vamos? — a índia sorri timidamente.
— Vamos — Luna diz.
— Você não vem, Danny? — Melissa pergunta ao entrar. Seus olhos se arregalam ao dardejarem por meu corpo. — Meu Deus, Danny, que fio-dental ousado! — ela exclama.
— Ficou legal? — giro uma volta, sorrindo envaidecida enquanto mostro meu corpo.
— Tu tá muito bucetuda¹.
Abro a boca em surpresa, sem entender, intercalando um olhar confuso com as meninas enquanto passo a mão atrás e pinço, com o indicador, o fiozinho quase invisível do meu biquíni. Sinto meu rosto cotar.
— É um elogio, Danny — a baiana ri.
— Ah, tá... Então, meninas, vou com o Odin.
As meninas saem e ando até o terraço para olhar o céu, tão azul, sem nenhuma nuvem. Com certeza vou entender hoje o sentido da música Rio quarenta graus.
Fecho as portas duplas assim que entro, presto um último culto à minha vaidade diante da Danny translúcida refletida no espelho e, apontando meu iPhone, tiro uma selfie, que prontamente posto no meu perfil do Instagram.
Uma notificação de mensagem chega e vejo a foto do meu namorado surgindo na tela do meu aparelho.
Já estou aqui te esperando.
A mensagem do meu namorado me deixa animada. Ando em pulinhos até a sacada, já que pelas regras da república de bailarinas nenhum homem pode entrar aqui, e o vejo lá embaixo, ao lado da loja de roupas que fica no cruzamento com a Ataulfo de Paiva.
— Já estou descendo! — troco um aceno com ele, voltando rapidamente para dentro.
Calço os chinelos e desço as escadas pulando de dois em dois os degraus, saindo sorridente à rua.
Odin veio com uma camiseta regata preta e uma bermuda vermelha. Reviro os olhos. Meus lábios se colam aos dele num selinho, e o sorriso que ele dá ao me olhar da cabeça aos pés me deixa com a sensação de eu ser a garota.
— Gata — ele diz.
Uma das mãos dele segura meu ombro e a outra apoia meu queixo, enquanto uma química gostosa que só casais têm faz com que fiquemos nos olhando e sorrindo feito dois jovens que acabaram de se conhecer. Pessoas estão passando por nós, andando em direção à praia, mas não nos importamos e trocamos outro beijo.
— Vamos? — ele segura minha mão ao me indicar a Delfim Moreira.
Respondo com um aceno afirmativo.
— O que achou do meu fio-dental? — pergunto com um misto de cautela e malícia, dando uma volta pra ele olhar meu bumbum.
O sorriso dele se retrai, o que me deixa um pouco irritada.
— O que foi? — ponho as palmas das mãos em seus ombros, desafiando-o.
— Nada.
— Não faz essa cara — faço um beicinho.
Odin expele o ar pela boca e acho engraçado como ele passa a mão de um jeito nervoso no cabelo virando a cabeça para os lados.
— Tudo bem — o modelo diz, se forçando a um sorriso.
Adianto um passo, colo meu corpo ao dele, beijo sua boca e sussurro algo em seu ouvido; aos poucos o sorriso volta em seu rosto. Entrelaçamos nossos dedos ao darmos as mãos e andamos pela rua Cupertino Durão em direção à praia.
Uma sensação agradável toma conta de mim quando piso na areia fofa, quando vejo o mar azul à minha frente, com suas ondas brancas chegando perto e engolindo banhistas. Parece não ter fim.
— Uau! Quanta gente! — digo animada.
Olho para Odin, que assente em silêncio, sorrindo.
A areia disputada em cada metro me faz imaginar uma passarela onde mulheres com corpos esculturais desfilam com seus biquínis coloridos e de vários modelos. Elas andam em companhia de amigas, sozinhas ou segurando as mãos de seus namorados.
— O que está achando? — Odin pergunta.
Balanço a cabeça.
— Bonito — respondo.
Mas eu não sei definir com palavras, por eu estar deslumbrada com esse espetáculo tão bonito que podia muito bem estar num quadro.
Dou um sorriso enquanto Odin capta meus melhores ângulos para uma série de fotos bem perto da água. Faço várias poses de balé: arabesque, atittude. Não quero parecer convencida, mas fiquei linda nas fotos.
— Deixa eu tirar de você — tomo o iPhone das mãos dele.
Odin tira sua regata, mostrando seus músculos e o v por cima da bermuda que me sempre me deixa louca. Peço para que ele fique à esquerda do Morro Dois Irmãos.
— Agora em frente ao mar — como um caranguejo, ando de lado com o iPhone focado no corpo do meu namorado até ele ficar na posição que eu quero.
As duas fotos ficam boas, mas eu quero mais algumas.
— Fica só de sunga.
Odin balança a cabeça com ironia e joga a bermuda aos meus pés ao abaixá-la.
Que perfeito, penso.
Antes que eu me desconcentre e meu namorado ria convencidamente e se ache gostoso por eu estar fascinada por seus músculos abdominais, toco com o polegar no botão e click!
Ele volta correndo ao meu encontro para ver como ficou.
Legal, ele fala. Mas acho um pouco vago.
Um casal de jovens passa nesse instante perto de nós e Odin faz sinal para pararem.
— Por favor, vocês podem tirar uma foto minha com a minha namorada?
Namorada.
Esta palavra por muito tempo foi um tabu para mim. Eu não imaginava que um dia um homem pudesse se interessar por uma moça que respira balé vinte e quatro horas. Fiquei com meninos e meninas, mas meus relacionamentos se limitavam só a trocas de beijos, e às vezes, sexo sem compromisso. Eu achava que só fôsse ter maturidade para assumir um compromisso sério quando tivesse vinte anos ou mais.
Eu tinha medo que não pudesse conciliar balé e namoro. Me sentia insegura, na maioria das vezes, embora no fundo eu quisesse ser igual a Pilar, a Primeira Bailarina do estúdio Letícia Ballet.
Minha vida deu uma guinada no Curso de Verão da Promoarte. Ali eu me aceitei como sou, ou melhor, como sempre fui: uma garota que cativa as pessoas. Uma garota linda que pode ter o namorado que quiser.
E Odin é o cara que eu quero neste momento.
Hoje.
Sempre.
O rapaz e a moça se entreolham desconfiados. Odin faz o pedido em inglês, recebendo um yes como resposta . Rio baixinho. Até eu teria percebido que são estrangeiros só de botar os olhos neles, já que os dois são quase albinos, com as sobrancelhas quase brancas.
Enquanto meu namorado explica ao rapaz qual botão deve apertar, viro minha cabeça para o outro lado. Luna, Melissa e Isabella estão andando e tomando sorvete. Elas acenam para mim ao me verem.
Odin se coloca do meu lado, me abraçando pela cintura. Tiro meu cabelo da frente, ponho uma mecha atrás da orelha e o rapaz nos fotografa. Agora unimos nossas mãos formando um coração; em seguida fico de lado, quase de costas, e troco um beijo com Odin.
O turista pergunta se as fotos ficaram boas enquanto as mostra. Ótimas, na minha opinião. Meu namorado responde um yes.
— Thank you — agradeço, enquanto o casal simpático se afasta.
Sutilmente toco os ombros do Odin, o que o instiga a abraçar minha cintura e a me olhar com seu jeito invasivo que sempre me deixa sem defesas. E que faz com que eu goste ainda mais dele.
— Adoro esse teu jeito — confesso com gravidade.
— Que jeito?
Dou de ombros.
— Descolado — respondo. — Você tem facilidade para fazer amigos, de conseguir o que quer, de se dirigir às pessoas.
— Eu tenho carisma — ele ri.
Reviro os olhos.
Andamos de mãos dadas ao longo da praia, bem ao lado da água. De vez em quando ela cobre a parte de cima dos nossos pés, noutras vezes as ondas quase nos derrubam, nos obrigando a se equilibrar no corpo um do outro.
Só paramos de andar quando chegamos perto das pedras, ao lado do canal por onde escorre água de uma construção. É perigoso entrar aqui.
Ele se senta, estendendo a mão para que eu me sente ao seu lado, o que faço, sorridente.
— Acha mesmo que sou descolado?
Não entendo o motivo de Odin querer que eu confirme uma opinião que dei lá atrás. Como ele parece um pouco compenetrado, meio perdido em pensamentos, e como isso parece importante para ele, faço um leve movimento afirmativo de cabeça.
— Sim — sibilo.
— Tanto tempo morando no Rio fez eu pegar o jeito carioca. Logo você também vai mudar — ele assegura.
Fito meu namorado com incredulidade.
— Não acho que a personalidade de uma pessoa mude conforme o lugar onde ela esteja. Isso é uma qualidade inata.
— Eu acho que muda.
Fixando seus olhos em minha boca, mostrando seus dentes brancos e perfeitos, ele passa o dorso do indicador no meu rosto. Pensei que fôsse me beijar, mas ele só dá um suspiro entediado.
— Dizem que somos frutos do meio em que vivemos — sua frase fica em suspenso.
Mordo o lábio inferior. Por mais que eu me esforce, não me lembro onde li uma vez essa frase.
— Nem sempre fui assim… descolado — de repente, o semblante de Odin se modifica. — Eu era bem rebelde quando cheguei aqui. Fechado, contestador. Eu era do tipo a quem não se dá bom dia sem arrumar confusão.
— Nossa! Por quê?
— Não gosto de culpar os outros pelos meus problemas. Mas minha mãe foi um dos motivos. Bailarina profissional. Alemã, com a seriedade e a frieza dos alemães — a careta que ele faz ao mencionar Tânia Dressler diz que muita coisa ficou atrás. — Ela queria um filho bailarino, o matriculou numa das melhores escolas e esperava que esse filho virasse um Barishynikov. Mas com todo o respeito aos bailarinos, eu não queria ser um burro de carga e carregar bailarinas esnobes — não sei agora se o seu sorriso é irônico ou ressentido.
Afago seu rosto com carinho.
— Não sabia que você não tem lembranças boas do balé.
Ele direciona o olhar para uma quadra onde duas duplas de homens disputam uma partida de futevôlei.
— A pressão da minha mãe era terrível — ele continua. — Eu não podia jogar futebol, porque segundo ela, um garoto podia me machucar. Não podia jogar vôlei, basquete. Não podia andar de bicicleta. Só fazer aulas e mais aulas de balé. Sem falar que um hambúrguer era motivo de guerra em nosso apartamento em Pinheiros. As coisas chegaram a tal ponto que eu surtei e aos doze anos bati o pé, dizendo com todas as letras que nunca mais faria uma aula de balé e que iria morar com meu pai no Rio de Janeiro.
Essa revelação me faz pensar em tantas meninas que estudam dança clássica apenas porque é a vontade de suas mães. Eu não sei o que é fazer uma coisa por obrigação, porque amo dançar, mas as pessoas pensam e sentem de formas diferentes.
— Mas quando nos conhecemos no Curso de Verão, você disse que ela não ligou — lembro do dia em que entrei com a Duda, a Nicole e a Alice num barzinho, e ele estava com dois amigos numa das mesas. Eu já sabia que ele era modelo e que era filho da Tânia, mas não que fôra bailarino.
— Estávamos nos conhecendo. Eu não tinha que contar toda minha história para você. Ninguém precisa saber de uma coisa que queremos esquecer.
Odin sorri tristemente, volta a observar os rapazes jogando futevôlei. Não sei descrever em detalhes sua expressão, mesmo o conhecendo há bastante tempo para saber quando ele está alegre ou triste.
Pelo jeito, tem muita coisa dele que ainda não conheço.
— O dia em que vim morar com meu pai foi quando acordei de verdade pra vida. Conheci gente descolada, fiz um book fotográfico, fui contratado por uma agência, comecei a trabalhar… e naquela minha ida à Ribeirão Preto, te conheci. O resto da minha história você conhece.
Continua...
Capítulo de 2,6k de palavras
_
______________________________________
¹Mulher empoderada, que consegue o que quer usando seus atributos físicos. Mulher fatal, decidida, ousada.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro