6: Caipira? 🍉
Quando o ônibus chegou na simplória rodoviária de Pracinha, o coração de Marcela galopava. Eduardo desceu e foi em passos rápidos ao encontro dela, que pulou nos braços dele e o beijou sem dizer nada.
— Minha menina.
— Até que enfim você chegou. - Eles se beijaram novamente e só pararam porque as pessoas no local estavam começando a reparar.
Foram até a mercearia, Roberto e Josué estavam fechando e logo ele levou a filha e o genro para a propriedade dos Gonçalves, onde jantaram em meio a conversas animadas sobre o noivado de Júnior. Ao contrário da maioria das vezes, Marcela foi embora com o pai e, cansado da viagem, Eduardo dormiu cedo.
O dia seguinte era um sábado e aconteceu a festa de noivado, Eduardo sussurrava constantemente no ouvido de Marcela que seriam os próximos. No domingo, eles embarcaram para São Paulo sob as sérias advertências de Roberto para que Marcela tivesse juízo, já que passaria uma semana no apartamento da família do namorado. Liliane também teve uma última conversa com a amiga ali mesmo na rodoviária, a sós. Ela sentia o peso da responsabilidade de ter praticamente empurrado Marcela para o primo e vice versa, e agora estava vendo que talvez não fossem tão maduros o quanto ela pensava. Pelo menos não tão maduros para estarem juntos ainda.
— Ma, o Du é meu primo e eu quero muito que vocês deem certo, eu amei saber que você vai fazer parte da minha família. Mas, por favor, lembre-se que é você quem estabelece limites, lembre-se de tudo o que te preservou até aqui.
— Sim, Lili, parece que não, mas eu te escuto, sabia? Aliás, se tem uma pessoa que escuto, é você, minha irmã do coração. Eu pensei em tudo o que conversamos durante toda a nossa adolescência e sim, tenho que tomar cuidado, manter a postura que sempre mantive. Eu estava baixando a guarda, mas isso não vai se repetir.
— Se você passar no vestibular e se mudar pra São Paulo, como vai ser? Seu pai deixou morar na casa dos meus tios assim tão facilmente?
— O quê? Você não conhece meu pai? Se eu era o trator, ele é o tanque de guerra! Ele só deixou porque o Du explicou que vou morar em uma república.
Liliane não sabia o que era pior, mas de qualquer forma, estava feito.
Chegando em São Paulo, Marcela olhava pela janela do ônibus as comunidades feitas de vários barracos aglomerados, algo que só via na TV. O cheiro do rio Tietê era uma péssima maneira de dar boas vindas. Logo surgiram os prédios e, como a noite estava começando a cair, a iluminação deles foi a primeira coisa agradável que ela havia visto na paisagem até então. Pracinha parecia estar há anos luz de distância, em outra galáxia.
Os pais de Eduardo os receberam com um jantar no apartamento sofisticado e amaram a simplicidade dela, já que também tinham vindo de Pracinha para a capital há mais de vinte anos, assim que se casaram. Marcela, por sua vez, não parava de admirar tudo ali e queria passar a noite toda contemplando a vista do décimo sétimo andar.
Ela se hospedou no quarto de hóspedes durante toda a semana e ambos se comportaram bem, tomando as devidas precauções, cientes do que havia acontecido naquela fatídica madrugada e que não deveriam arriscar de novo, agora que haviam caído em si.
Marcela explicou aos sogros que havia combinado com os professores de recuperar as matérias perdidas, já que era uma semana de aula comum no terceiro ano do ensino médio que cursava. Durante um dos jantares em família, ela pediu permissão para comer uma coxa de frango com a mão, levando todos a gargalharem, porém, não com deboche, mas com admiração por sua espontaneidade. Reginaldo, o pai de Eduardo, até comentou que comer coxa de frango com a mão deixava a ave ainda mais saborosa, levando a esposa e o filho a imitarem a atitude de Marcela, deixando a etiqueta de lado.
No domingo, Eduardo levou-a para fazer a prova e na segunda ela retornou à cidadezinha, ambos estavam cheios de planos para o Natal e o Ano Novo.
Os planos deram certo, as famílias se reuniram para as festas de fim de ano, já que Reginaldo resolveu ir visitar a irmã, Regiane, no interior e conhecer o sogro do filho também.
Na metade de Janeiro saiu o resultado do vestibular e a notícia de que Marcela estava aprovada. Era hora de se preparar para sua mudança para a capital e sua mudança de vida.
Quando Eduardo a levou para se estabelecer na república, que ficava ao lado do campus, Marcela tentou não demonstrar a apreensão de chegar ao lugar. Alunos circulavam por toda a parte e havia uma divisão entre alojamentos femininos e masculinos. Ela tinha a impressão que todos a olhavam, especialmente os mais descolados. Havia um festival de cabelos coloridos e exóticos, moicanos, piercings e tatuagens, algo incomum em sua terra natal, onde os jovens pareciam não se dividir em tantas tribos.
Eduardo segurava a mão fria dela enquanto atravessavam um corredor, levando as malas. Vez ou outra alguém o cumprimentava, moças e rapazes, e analisavam Marcela da cabeça aos pés, usando jeans, tênis e babylook. Ela não entendia o que poderia haver de errado consigo.
Ele a deixou no alojamento e não entrou para não incomodar a colega de quarto dela, Ariane, que já havia se estabelecido por lá. Sozinha com a desconhecida, Marcela venceu a timidez e começou a conversar enquanto arrumava suas coisas, observando que na mesinha de cabeceira da notável rockeira havia um maço de cigarros e prevendo que poderia ter problemas.
— Não vou fumar aqui, não se preocupe - Ariane disse, ao vê-la reparando demais.
Logo na primeira noite houve uma festa e Eduardo cuidou de tirar Marcela de lá, explicando que aquilo era tão comum quanto as aulas na faculdade. Eles foram de moto para a casa dele mas, quando Eduardo levou a namorada de volta para sua nova casa, ela estranhou que haviam vários rapazes nos corredores da ala feminina, a maioria agarrando as garotas. O cheiro de maconha se misturava ao de álcool e a outros que não conseguia identificar. Vendo que Marcela estava assustada, Eduardo levou-a até a porta do alojamento e orientou:
— Tranca a porta por dentro, se sua colega não estiver aí, não se preocupe, com certeza ela também tem uma chave. Não se assuste com isso, eles não têm futuro.
— Não mesmo, amanhã todos temos aula pela manhã, como vão conseguir prestar atenção em algo se passam as noites assim? Estou assustada.
— Não precisa ter medo, eu vou estar sempre com você, o máximo que puder, e procure ficar longe dos inconsequentes.
Os dias foram passando e o medo de Marcela diminuiu. Ela percebeu que se não incomodasse ninguém, ninguém a incomodaria. Vez ou outra ela ligava para o pai ou Liliane, utilizando o celular que havia ganhado de Eduardo e, numa dessas vezes, Liliane informou que a última safra de melancia, de Novembro a Fevereiro, não havia sido das melhores para nenhum dos produtores de Pracinha. Dessa forma, ela adiou seu ingresso na faculdade para ajudar a família, trabalhando em um comércio local. Marcela só não ficou triste pelos amigos porque Liliane contou a boa nova que, após seu aniversário de dezoito anos, Felipe havia ido conversar com seu pai e estavam namorando. Ela queria estar lá para abraçar e parabenizar a querida Lili, que também queria abraçá-la quando soube que estava fazendo um estágio remunerado na creche da faculdade.
Marcela não passou despercebida pelos rapazes da faculdade, que estavam sempre à procura de novos rostos no pedaço.
Logo foi conhecida também pela ex de Eduardo, Jeniffer, que viu os dois caminhando de mãos dadas pelo campus, em um dia que almoçava por ali com suas fiéis escudeiras Giovana e Thaís.
— Ah, agora entendi porque o Du te rejeitou quando foi lá rastejar pra ele voltar contigo - Giovana dizia com deboche, enquanto Thaís gargalhava — Essa é a famosa caipira que ele trouxe do interior. Pelo jeito foi um péssimo negócio, não?
— Eu não fui rastejar pra ninguém! - Jeniffer já estava perdendo as estribeiras — Eu nem cheguei a comentar que queria voltar com ele, ele é um idiota.
— Que decadência, hein, Jeniffer? - Thaís bateu as mãos com Giovana — Te trocar por uma caipira? Desse jeito sua reputação vai pela sarjeta, o pessoal da sala anda comentando.
— Comentando o quê? - berrou.
— Isso, oras. Digamos que seja uma troca muito... discrepante.
— Não acredito que meu nome anda circulando por aí por causa dessa... dessa coisa - Jeniffer disse mais a si mesma do que às amigas, com a mão na testa e olhando para o chão.
— Ai, você tem que abrir os olhos do Du! Eles sequer combinam! - Giovana sugeriu — E fica muito feio pra você ser trocada por uma garota tão sem estilo.
— Eu sei! Eu sei! Mas como é que vou... - Jeniffer não terminou a frase, pois as ideias lhe surgiram instantaneamente e então encarou as amigas com seus olhos azuis fortemente delineados de preto — Bom, se vocês me ajudarem, posso dar um jeito nisso. Posso contar com as que se dizem minhas melhores amigas ou não? Vocês me devem várias.
Giovana e Thaís se entreolharam conspiratoriamente. De fato ali, uma mão sempre estava lavando a outra, afinal, era frequente estarem sujas pela falta de caráter. A traição de Jeniffer só evidenciava que ela e suas amigas não eram nenhum exemplo de virtude.
— Se bem te conheço, sua mente já está fervilhando - comentou Thaís, com um risinho contido — Bora lá, diga.
— Estão dentro?
— Como se tivéssemos opção, né, Jeniffer? Diz.
— Thaís, vou precisar que use seu poder dos contatos. Você conhece todo mundo nessa universidade, vai levantar a ficha dessa caipira e descobrir toda a rotina e tudo o que podemos usar no plano.
— Só isso? Fácil. Bom, o que já sei é que ela é colega de quarto da Ariane, aquela sonsa que sonha em fazer parte do nosso grupo e você nunca deixou.
— Sério? Isso vai ser muito útil!
— Eu não tenho o poder dos contatos, então dessa vez não estou escalada pra presepada, certo? - perguntou Giovana.
— Você não tem o poder dos contatos, mas tem o poder da beleza, Gi. - Giovana franziu o cenho, já que Jeniffer não costumava tecer elogios a outras mulheres. — Ah, você sabe que é lindona, vai. Todos aqueles caras do time de basquete se matam por você.
Giovana sorriu, satisfeita com o elogio, que era uma evidente verdade. Jeniffer continuou:
— Preciso que fique com o Eduardo.
— O quê? Mas... mas... mas você não...
— Pois é - Jeniffer comentou friamente, enquanto analisava as próprias unhas pintadas de preto — Às vezes temos que fazer alguns sacrifícios.
***
Estava tudo tão bem...
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